A exuberância italiana é inconfundível e, ao sexto dia de desfiles, a Semana da Moda de Milão chega ao fim esta segunda-feira. Para trás ficam momentos épicos como a surpresa de Jennifer Lopez no desfile da Versace ou as adaptações da obra de Picasso ao pronto-a-vestir pelas mãos de Jeremy Scott. Entre dezenas de desfiles, estiveram nomes bem conhecidos. Albertta Ferretti, Jil Sander, Fendi, Bottega Veneta, Salvatore Ferragamo e Missoni. Itália sabe como temperar bem as coisas e sabe melhor do que ninguém que até a moda vai melhor com um toque de espetáculo e celebração.
Coube a Miuccia Prada fazer as horas da fashion week milanesa, na passada quarta-feira. “O estilo de cada um é mais importante do que as roupas” — ideia que nunca é demasiado apregoar e que, no caso da designer de 70 anos, serviu de fio para unir cada peça, coordenado e opção de styling da coleção do próximo verão. Simplicidade e inteligência foram os fatores mais gritantes nas propostas da Prada. De um lado, uma parada de blazers assertoados. Do outro, leves vestidos de praia. No final, a mistura (também ela representada na primeira fila do desfile, onde se sentaram Nicole Kidman, ASAP Rocky e Wes Anderson) sugeriu um verão sem regras e onde os casacos cintados, as saias lápis — os elementos com mais influência retro da coleção –, os acessórios com conchas e as sandálias rasas podem conviver, no mesmo verão, no mesmo armário, quem sabe no mesmo dia.
No dia seguinte, não era muito difícil antecipar o desfecho, embora se possa dizer que a Moschino de Jeremy Scott excedeu as expectativas. Como? Trazendo a obra de Pablo Picasso e as suas musas para a passerelle e com o aparato que lhe é reconhecido. Para começar, as miúdas do momento desfilaram. Kaia Gerber vestiu “Menina com Bandolim”, Bella Hadid veio de “Harlequim”, enquanto a irmã exibiu motivos decorativos transpostos da obra do mestre espanhol. Scott não se limitou a colorir os tecidos, Os ângulos cubistas também assumiram tridimensionalidade, através de ombros salientes, chapéus e toucados, luvas e malas. Com tinta no cabelo, as manequins não desfilaram apenas com referências diretas às pinturas de Picasso. Aqui e ali, encontraram-se elementos da cultura espanhola, incluindo o traje tauromáquico e um clássico sevilhano no corpo da portuguesa Maria Miguel — um longo vestido vermelho, com folhos e bolas pretas.
Mas ninguém estava preparado para a noite da última sexta-feira, em Milão. Donatella Versace recuou 20 anos e recuperou o icónico jungle print dress. A história começa lá atrás, em setembro de 1999, com a manequim norte-americana Amber Valletta, a primeira a mostrar ao mundo a peça, que tinha tanto de esvoaçante como de provocador, no desfile da marca italiana. O capítulo seguinte chegaria meses depois, em fevereiro de 2000. Jennifer Lopez vestiu-o para ir aos Grammys e o mundo parou. A pesquisa para ver (ou rever) o momento foi tanta que a Google teve de criar um motor de busca só para imagens. Nascia o Google Images e a humanidade subia mais um degrau da pirâmide dos decotes inexplicáveis. Tudo graças à Versace.
No desfile da última sexta-feira, estiveram lá todos — Donatella, que apresentou a sua coleção para o verão de 2020, Amber Valetta, que embora não tenha desfilado com o velho exemplar, usou um de corte muitíssimo semelhante, a Google, responsável pelas projeções nas paredes, e Jennifer Lopez que, aos 50 anos, encerrou o espetáculo com uma versão igualmente ousada do vestido usado há 20 anos. O mesmo estampado esteve presente em muitas outras peças, ainda assim sem tirar o protagonismo ao preto, cujos visuais integrais marcaram o desfile. A coleção partiu depois para um trio néon à base de verde, rosa e cor de laranja.
Aos 85 anos, a mestria de Giorgio Armani é algo de extremamente ímpar. Primeiro, pisou a passerelle com a Emporio Armani. Dois dias depois, abriu as portas da sua propriedade, o Palazzo Orsini, para fazer desfilar a marca homónima. A paleta fresca e iluminada da primeira não podia ter contrastado mais com negros e azuis acetinados da segunda. Ainda assim, em nome próprio, Armani conseguiu ser o segundo, entre os grandes, a explorar os motivos tropicais.
No domingo, Alessandro Michele abriu espaço no calendário para apresentar o próximo verão da Gucci. Antes da coleção, 60 manequins atravessaram a sala nas passadeiras rolantes instaladas para o efeito. Vestidos com peças inspiradas em fardas de trabalho e em distopias totalitárias, numa escala de bege e marfim. Segundo a marca, a introdução representou “como, através da moda, o poder é exercido sobre a vida para eliminar a expressão própria”. Num desfile em que Michele moderou os seus excessos, no que toca ao design das peças e ao styling, Com o título “Orgasmique”, o criador italiano deixou que materiais como as rendas, as sedas e os vinis respirassem sem a habitual overdose de informação. Houve uma invulgar carga sexual envolvida — “Justify My Love” de Madonna fez parte da banda sonora, embora o casting continua a distanciar-se das escolhas feitas pela maioria das outras marcas. Sem Hadids nem Gerber, esta semana da moda celebrou, pela segunda vez, a diversidade e a individualidade.
A fechar o quinto dia da Semana da Moda de Milão, um safari a la Dolce & Gabbana. O que é que isto implica? Um desfile com 124 coordenados, palmeiras colossais e uma passerelle forrada a carpete com padrão leopardo. Mais uma vez, a paisagem dos trópicos foi uma inspiração — tudo leva a crer que a moda italiana está em completa sintonia. A dupla ofereceu o pacote completo, dos fatos ao estilo dos exploradores de outros tempos ao sortido de texturas e estampados animais. Mas a coleção, imensa, destacou-se pela vertente artesanal de muitas peças, com vários acabamentos e detalhes em ráfia, crochet e bordados.
A fechar mais uma semana de moda estará a portuguesa Alexandra Moura, na manhã desta segunda-feira. As propostas para o verão de 2020 continuam a ser apresentadas em Paris, onde o calendário de desfiles arranca no mesmo dia. Para já, fique com as imagens que marcaram a passerelle de Milão, na fotogaleria.