Era uma sessão de perguntas pré-selecionadas, em Leiria, para Rui Rio falar sobre as propostas setoriais do PSD, mas foi a pergunta conveniente de Paulo Mota Pinto que fez o mercado de Sant’Anna rebentar em aplausos: Mota Pinto estendeu o tapete para Rui Rio lançar o contra-ataque a António Costa sobre o caso Tancos — a bomba que explodiu na campanha eleitoral.
Uma coisa são os julgamentos em praça pública, que Rui Rio não gosta de ver a ninguém, nem a quem é “dos outros partidos”, outra coisa diferente são os processos da justiça que são formalmente do domínio público. Aí, disse Rui Rio, é dever e direito dos políticos pronunciarem-se. Para o líder do PSD, o que António Costa fez esta tarde, depois da conferência de imprensa de Rui Rio, foi “comentar o que eu não disse, porque não tem resposta para o que eu disse”.
Rui Rio interrompeu hoje a campanha para, depois de ler o despacho de acusação do caso Tancos que envolve o ex-ministro da Defesa, fazer uma conferência de imprensa onde disse que, sabendo ou não da encenação em torno das armas, Costa tem responsabilidades políticas — e tem de falar sobre isso. Sugeriu ainda que o Governo orquestrou um plano para envolver o Presidente da República e desviar atenções. Na resposta, António Costa atirou em cheio ao líder do PSD acusando-o de estar a “atingir a dignidade da campanha” e a contradizer-se nos seus próprios princípios.
Rio esperou que a noite caísse e no palco da última ação de campanha do dia, recusou as acusações: “Não fiz, não me antecipei a nenhum tribunal, não quebrei a presunção de inocência de ninguém. Do ponto de vista político, temos o direito e até o dever de perguntar ao primeiro-ministro se sabia ou não sabia. Se sabia foi conivente com um crime, se não sabia não foi conivente mas assim ficamos todos a saber que os seus ministros não o informam das coisas mais graves que acontecem”.
Costa acusa Rio de “atingir dignidade desta campanha” com caso Tancos
Uma revisão da matéria dada com um auditório adormecido
Rui Rio até levava uma cábula, porque “não sabe o programa de cor”. Aliás, admitiu até ter sido um aluno no processo de elaboração do seu próprio programa eleitoral porque “não sabe tudo, tudo, tudo”, e ficava “pobrezinho” se fosse só ele a escrever”. Perante um vasto auditório de “cerca de 400 pessoas” no mercado em Leiria a assistir à segunda “talk” da campanha, o líder do PSD entrou em modo revisão-da-matéria-dada. As cadeiras brancas, dispostas em filas ao longo de todo o recinto do mercado, eram muitas, mas ao fim de mais de duas horas, as filas de trás foram ficando vazias.
O modelo era este: no ecrã, ao fundo, eram transmitidos vídeos com perguntas de representantes dos 16 concelhos do distrito de Leiria. Cada “concelho” fazia uma questão com um tema à medida do programa do PSD (saúde, educação, ferrovia, pescas, florestas, etc.) e, a cada lote de quatro, Rui Rio respondia.
Problema: no plateau também havia o convidado especial da talk desta quinta-feira, o ex-candidato presidencial e ex-militante socialista Henrique Neto, que refletia longamente sobre os temas em causa. Ao meio, Paulo Mota Pinto moderava esta dança entre os vídeos com as perguntas, a longa reflexão de Henrique Monteiro e a aula de Rui Rio sobre as propostas que constam no programa.
O líder do PSD continua a defender que prefere um modelo de “esclarecimento” sobre as propostas concretas do PSD do que um modelo em que o candidato sobe a um palco para “berrar”. “E quanto mais eu berrasse mais vocês berravam comigo”, disse, sublinhando que isso não ajuda ninguém a decidir o seu voto.
Mas de conversa ou tertúlia, houve pouco. No ecrã, as perguntas surgiam suficientemente genérica para que o candidato respondesse como queria: “Quais as propostas do PSD para a área da Educação?”, “Quais as propostas do PSD para a Saúde?”, “Quais as propostas do PSD para os territórios de baixa densidade?”. E Rui Rio, recorrendo à sua cábula, porque não sabe tudo, lá repetia o que vem no papel. Que o PSD “não tem nenhum tabu contra os privados na Saúde”, que defende um acesso “tendencialmente gratuito às creches”, um “alargamento do abono de família” e um “reforço grande dos apoios pré-natais ao segundo e terceiro filho” para incentivar a natalidade. Ou que o PSD quer investir mais nos distritos onde o investimento é mais escasso e não apenas onde há mais votos, que é no litoral.
Foi aí que Rui Rio voltou a querer “pôr os pontos nos is” e corrigir o que disse esta quarta-feira e que, no seu entender, os “jornais interpretaram mal”. “Ontem, em Beja, eu disse uma coisa que hoje alguns terão lido nos jornais e interpretado ao contrário: disse que posso cair, mas se cair, caio de pé, e vieram dizer que eu já estava a dizer que posso perder as eleições, mas o que eu estava a dizer era que vou ter a coragem de fazer isto [empurrar os investimentos das áreas metropolitanas para onde há menos votos], e se depois cair, caio de pé porque fiz isto — não porque perco as eleições amanhã”, disse, com a plateia a romper em aplausos.
E para isto não precisou de cábula. Mas quando a pergunta seguinte era sobre as medidas do PSD para a agricultura, Rio assumiu que tinha de voltar a recorrer a ela. Vá lá que, dado o adiantar da hora, tenha escolhido não ler tudo o que o PSD propõe para o setor. Já era perto da meia noite quando a “talk” acabou.