Para quê entrar na luta direta com o adversário quando outros podem fazê-lo com todas as letras que ficariam mal ao candidato? Bem pode ter sido este o raciocínio de António Costa, antes de subir ao palco montado na Praça da República, em Viana do Castelo, porque fez um discurso sem ataques. Antes dele já estava feito um feroz, pelo líder da distrital do PS do Alto Minho.
Miguel Alves subiu ao palco a carregar nos “b’s” do “bamos botar”, que repetiu acentuando a pronúncia do Minho no apelo ao voto local. Mas também a carregar no principal adversário do PS nesta campanha, o líder do PSD Rui Rio. E aí, o autarca de Caminha não trocou letras e foi direto. Disse que, dois dias depois de ter dito que não falava sobre um caso que estava na Justiça, “ainda com a mesma lua, aproveitou uma oportunidade — que agarrou com todas as mãos, porque podia subir um ou dois pontos percentuais nas sondagens a propósito de uma acusação onde não consta o nome de António Costa —, para atacar o carácter e a honestidade” do primeiro-ministro.
Mas não ficou por aqui e foi direto ao banho de ética — que Costa tinha abordado no último frente-a-frente com Rio — que o social-democrata prometeu quando chegou à liderança do partido. “Começou a criar desde menino o seu novo partido, era o seu bebé, sem amigos, que no partido não havia lugar para amigos”, ironizava o socialista em palco. “Em dois dias, entre banho de ética e bebé, o homem que tinha a confiança e a expectativa de milhares de portugueses deitou o banho fora com o bebé lá dentro. Não volta essa água a esse rio”, concluiu.
Quatro anos depois, Sócrates não falha
A noite fria e húmida de Viana não convidava a estar ali ao ar livre, num comício deslocado para aquela praça à última hora, porque o Largo da Estação era pequeno para tanta gente. A praça da República acabou por ser grande, com o comício socialista arrumado num quarto da praça e sem mais pessoas do que na noite anterior em Santarém. António Costa entregou a Miguel Alves a tarefa de aquecer a assistência e de dizer o que outros não podem dizer sobre Rio. O autarca lá respondeu, chamando até ao discurso outros processos ultra-sensíveis para o PS. “O António Costa não precisa de lições de ninguém”, disse, apontando “um momento particularmente difícil para o PS, com o caso mediático de justiça a envolver o secretário-geral do PS“. “Mesmo quando o coração podia pulsar mais forte que a razão, António Costa sempre disse ‘à justiça o que é da justiça e à política o que é da política’.”
A verdade é que essa resposta de Costa ao caso de José Sócrates, na sua detenção em 2014, foi sempre considerada “poucochinho” pelos socráticos e pelo próprio antigo líder do PS, que se desfiliou do partido por considerar que estava a ser “condenado sem julgamento”. Sócrates considerou, então, que o PS nunca tinha saído realmente em sua defesa na investigação de que foi alvo e de que saiu acusado de 31 crimes.
“Tiaguinho” do Alto Minho e as contas acertadas com o ministro das Finanças
Alves deixou o palco a apelar ao voto e a avisar para que “não se fiem em sondagens” que dão a vitória ao PS. Depois deixou o púlpito ao “Tiaguinho”, como chamou ao ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues. “O ministro do Alto Minho” que “aguentou o que Maomé não aguentou de outros”, segundo ao autarca.
O ministro dedicou boa parte da intervenção às alterações climáticas — Costa havia de fazer o mesmo, aproveitando as manifestações de jovens neste dia por todo o mundo –, mas também para falar do “Ronaldo das Finanças” e assumir: “Às vezes, concordamos em tudo, às vezes, discordamos e nem dizemos a toda a gente aquilo em que discordamos, mas trabalhamos todos para o mesmo”. Não é todos os dias que um ministro, e logo o da Educação (uma das áreas em que se multiplicaram as queixas de desinvestimento), aponta o dedo — ainda em tom de graça inofensiva — ao colega das Finanças. Ficou feito.
No palco deixou também o apelo ao voto para “Portugal não andar para trás”. Brandão Rodrigues disse mesmo que “dia 6 não é um dia qualquer”. “Nem hoje, nem amanha, nem o dia seguinte. A próxima semana é absolutamente decisiva. Não podemos dar as coisas por adquiridas e pôr a causa tudo o que conseguimos“, concluiu, seguindo a linha de Costa nos últimos dias.
Para o líder socialista já ficou muito pouco nesta noite. Tentou um paralelismo — pouco acertado — sobre a maratona e a caminhada política deste Governo. Disse que era como “uma maratona tão longa que combina com estafetas” (modalidade que não existe): “Vamos fazendo 42 quilómetros e passando o testemunho a outro. Nós estamos a 21 quilómetros”, calculou, apontando para um caminho a meio, antes de fazer o apelo final ao voto: “Deem força ao PS para mais quatro anos”. E aconselhou as pessoas a votarem, em vez de “fazerem contas”.