Quando, a meio da campanha, as sondagens começaram a vacilar para os lados do PAN (que tinha andado sempre nos ou acima dos 3%, mas que a certa altura desceu dessa barreira), André Silva ainda moderou as expectativas, dizendo que o partido consideraria como uma vitória qualquer resultado que desse ao PAN dois ou mais deputados. É certo que houve sondagens que chegaram a dar cinco, seis, até mesmo nove deputados ao PAN. Ficou com quatro. Mas, no Museu de Lisboa, este domingo, não havia forma de a noite se transformar numa derrota ou sequer numa vitória menos expressiva. Foi mesmo uma vitória. O PAN quadruplicou o número de deputados e, ao passar de deputado único a grupo parlamentar, assume uma nova posição no sistema democrático português. Tem agora os próximos quatro anos para provar o valor que tem enquanto partido “grande”.
O objetivo eleitoral do PAN havia sido repetido até à exaustão durante as últimas semanas: crescer, reforçar-se, ter um grupo parlamentar. O caso Tancos, se não foi usado como arma eleitoral por André Silva, deu-lhe pelo menos a oportunidade perfeita para insistir em algumas bandeiras eleitorais como o combate à corrupção (que, aliás, apresentou como linha vermelha para um futuro acordo parlamentar, a que nunca fechou a porta durante a campanha) e para explicar uma das principais motivações por trás do grande objetivo eleitoral: ao eleger mais de um deputado, fica com um grupo parlamentar, o que muda tudo na presença do partido no Parlamento. Foi a propósito da proposta do CDS para uma nova comissão de inquérito ao caso Tancos que André Silva, chamado a comentar o tema, sublinhou que o PAN, por não ter um grupo parlamentar, não tinha assento nas comissões de inquérito; mais tarde, a propósito da reunião da conferência de líderes, André Silva voltou a lembrar que, por ser deputado único, apenas tinha estatuto de observador naquela reunião.
[Começa agora a prova dos nove. O filme da noite eleitoral]
Agora, com quatro deputados, “tudo muda”, como se comentava este domingo no pátio central do Museu de Lisboa, no Campo Grande, onde o PAN montou a sede de campanha. Ao ar livre, mas sem animais (à exceção dos pavões do jardim, únicos que o Museu de Lisboa deixa entrar), com um buffet vegan para apoiantes e jornalistas. Por ali estiveram membros da comissão política permanente do partido, alguns dos candidatos e uma vintena de apoiantes, que foi crescendo ao longo da noite. André Silva não. Só chegaria depois das 22h, numa altura em que já as projeções confirmavam que aquela seria uma noite de festa para o PAN. Esteve em casa a ultimar o discurso, comentou-se entre o núcleo mais próximo. Antes, foi Inês de Sousa Real, a número dois por Lisboa e atual deputada municipal na capital — agora deputada eleita à Assembleia da República, que subiu ao palco para falar em nome do partido.
Em tudo consonante com a retórica do partido ao longo da campanha eleitoral, a primeira intervenção pública do PAN sobre a abstenção foi precisamente para manifestar preocupação e sublinhar que o elevado número de pessoas que não votaram exigia que o sistema democrático fizesse um “balanço do que correu menos bem”. Inês de Sousa Real voltaria ao palco uma hora depois para comentar as projeções das televisões (que davam entre 4 e 6 deputados para o PAN). Entre gritos de ordem de “Este é o momento, mais PAN no Parlamento!”, Inês de Sousa Real assumiu o sentimento interno do partido: missão cumprida. “O PAN será certamente capaz de alcançar um grupo parlamentar” e mantém-se “disponível para continuar a dialogar para contribuir para o processo democrático”. Quando, já perto das 23h, se confirmou a eleição da segunda deputada do partido, Inês de Sousa Real subiu pela terceira vez ao palco. “É um momento muito feliz, em que pela primeira vez o PAN tem um grupo parlamentar. Acabámos de eleger no norte do país a nossa Bebiana [Cunha], é a primeira mulher do PAN a ter representação na Assembleia da República.”
“Conseguimos!”
Àquela hora, a vintena de apoiantes já havia crescido. Já eram uns cinquenta os militantes e simpatizantes do PAN que povoavam aquele pátio exterior, dividindo-se entre a televisão, o palco e o buffet. André Silva chegara pouco antes. Sozinho, a pé, de sorriso. À entrada do museu, questionado pelos jornalistas, admitiu: “De acordo com as projeções, atingimos os nossos objetivos”. Mais: “À partida, de acordo com as projeções, não estarei sozinho”. Mas a reação formal não era para aquele momento. Praticamente levado em braços por uma pequena multidão, André Silva refugiou-se numa pequena sala do museu, a três passos do local onde apoiantes e jornalistas o aguardavam, com os elementos da comissão política permanente.
Ali dentro, uma mesa disposta em U, com André Silva ao centro, computadores portáteis abertos no site do Ministério da Administração Interna, muitas folhas com listas de candidatos, um projetor apontado para a parede a transmitir a RTP1, consultas permanentes às páginas dos jornais. “Quantos mandatos faltam distribuir aí?”, ia perguntando André Silva. Depois de eleitos dois deputados em Lisboa e um no Porto, faltava saber se Cristina Rodrigues conseguiria a eleição em Setúbal. E André Silva não iria discursar antes de isso estar fechado. Só fala sobre resultados concretos, explicavam os membros da comitiva, perante o desespero dos repórteres das televisões. O porta-voz do PAN acabaria por ficar para último, discursando já depois de António Costa, mesmo que o discurso final fique habitualmente reservado ao vencedor.
Foi já durante o discurso de António Costa — precisamente no momento em que o primeiro-ministro assegurava que iria contactar também o PAN “para um acordo político para a legislatura” — que chegou a confirmação de que Cristina Rodrigues estava eleita. Foi já entre abraços e lágrimas de alegria dos militantes que André Silva subiu ao palco. Faltavam 20 minutos para a uma da manhã. “Este é o momento, mais PAN no Parlamento!”, repetiu-se no Museu de Lisboa. A primeira palavra que saiu da boca de André Silva naquele momento resume bem o sentimento do partido esta noite: “Conseguimos!”
“Hoje assinalamos uma grande vitória do PAN. Somos a quinta força política no Porto, em Lisboa, em Setúbal e em Faro. Quadruplicámos o número de mandatos, somos o único grupo parlamentar em que os homens estão em minoria. Somos um partido feminista! O PAN consolidou-se no sistema político português a contragosto dos que quiseram impedir o nosso crescimento”, afirmou André Silva. Depois de evidenciar a vitória do PAN e até de dar os parabéns ao Partido Socialista, o porta-voz do PAN passou para o capítulo das derrotas. Sublinhou que existiam, até hoje, duas maiorias no Parlamento — uma de esquerdas, outra conservadora. Essa maioria conservadora, composta por PSD, CDS e PCP, “caiu”.
“O conservadorismo perdeu a maioria que tinha no parlamento. Maioria conservadora constituída por PSD, PCP e CDS. Todos eles perderam mandatos, pelo que estão reunidas as condições para que Portugal avance na convergência dos valores do século XXI”, assegurou o porta-voz do PAN. Esse avanço, argumentou André Silva, deverá ser em parte protagonizado pelo próprio PAN. “Estes 4 deputados vão ser a vossa voz no combate das nossas vidas”, garantiu, para depois destacar alguns dos assuntos em que o PAN quer intervir ativamente: a energia, a produção sustentável de alimentos, o apoio aos sem-abrigo, o combate à exploração e ao tráfico de seres humanos, o repúdio aos regimes totalitários, o combate à violência de género, a valorização do trabalho, o combate às touradas…
Apostado em que o PAN deixe de ser conhecido apenas como o partido dos animais, André Silva quase não falou de animais no discurso. Mas as bases eleitorais do partido continuam lá. E, mesmo depois de ter falado no combate à violência de género e ao tráfico de seres humanos, foi mesmo com a questão das touradas que o porta-voz do PAN arrancou um fortíssimo aplauso à plateia. Pelo meio, deixou críticas que não escondeu. Primeiro, à Confederação dos Agricultores Portugueses — “não temos vergonha da agricultura biológica nem estamos capturados pela CAP, a padroeira dos ministros da Agricultura” —; depois, aos comunistas — “não prestamos vassalagem à China porque para nós o dinheiro não vale mais do que as pessoas”.
À espera de um telefonema de António Costa
Da noite eleitoral fica uma nova composição parlamentar que permite ao PS governar, por exemplo, apenas com o apoio parlamentar do Bloco de Esquerda. Mas António Costa vai em busca de um entendimento mais amplo e anunciou, nesta noite, que vai procurar o apoio do PAN e do Livre para um acordo para a legislatura. Em resposta aos jornalistas, André Silva garantiu que António Costa ainda não lhe tinha telefonado. “Quando me ligar vou-lhe agradecer por estar a parabenizar o PAN pelo excelente resultado que teve”, disse. Mas, sem intenção de fugir à pergunta que lhe fora colocada, avançou: “O PAN está disponível para fazer aquilo que tem feito ao longo dos últimos quatro anos, que é dialogar com todos”.
Garantindo que não quer “fazer parte da solução governativa”, porque o objetivo do PAN “nunca foi esse”, André Silva garantiu que está disponível para “discutir ideias para o país” com António Costa. Uma coisa, porém, é certa: o PAN cresceu, mas não tanto como se chegou a esperar. Algumas projeções chegaram mesmo a apontar para a possibilidade de o PAN ser suficiente para permitir que o PS governasse. Não se veio a concretizar e a importância do Pessoas-Animais-Natureza na formação do próximo governo será agora relativizada: “O PS não depende do PAN para formar governo, porque a soma dos deputados do PS e do PAN não permite essa maioria. Estando a apoiar ou não uma solução governativa, aquele que é o papel do PAN é fazer avançar as nossas medidas. Estamos disponíveis para dialogar”.
Desta vez, André Silva foi menos taxativo quanto às linhas vermelhas que imporia a António Costa como condições para apoiar um governo socialista. Durante a campanha eleitoral, elencou uma série delas — algumas com bastante rigidez, como a questão do aeroporto do Montijo. Hoje, sem se comprometer com questões concretas, afirmou apenas: “As nossas linhas vermelhas são o nosso programa eleitoral”. Antes de terminar o discurso, André Silva ainda teve tempo de classificar o CDS e o Chega como “perigosos e extremistas” e de lamentar a chegada do partido de André Ventura ao Parlamento. Mas nem mesmo isso estragou a noite de festa ao PAN. Um brinde, “com vinho biológico de preferência”, que amanhã é dia de trabalho, “obrigado e um abraço”. A festa de um dos maiores vencedores da noite fez-se com pouco e acabou rápido, que amanhã o telefone deve tocar.