Um minuto e quarenta e seis segundos. Foi este o tempo que Assunção Cristas demorou a despedir-se da liderança do CDS. As funcionárias do partido ainda reabasteciam mesa onde foi preparada a ceia para jornalistas e apoiantes, com pastéis de bacalhau e rissóis de camarão, quando dezenas de pessoas começaram a descer as escadas e colocar-se atrás de Assunção Cristas, que se preparava no púlpito. A ceia, que acabou à hora de jantar, era a última ceia eleitoral com Cristas como líder: a presidente vai pedir a convocação do Conselho Nacional para fazer um Congresso Extraordinário e mudar a liderança. A líder nem esperou pelos resultados oficiais e fez a sua despedida: “Da minha parte, entendo que dei o meu melhor durante quatro anos, mas em face dos resultados, tomei a decisão de não me recandidatar”.
Antes disso, Assunção Cristas deu os parabéns ao PS pela vitória e lembrou que o CDS fez uma”oposição construtiva” no Parlamento e que foi “muitas vezes uma voz isolada”. A líder do CDS acredita que o partido na sua liderança construiu “um projeto alternativo para o país, que claramente não foi escolhido nestas eleições“. Por isso mesmo, o CDS assume “o resultado com humildade democrática”.
[Começa agora a prova dos nove. O filme da noite eleitoral]
Durante toda a campanha, pairou o fantasma do CDS ser o partido do táxi e voltar aos tempos em que só tinha quatro ou cinco deputados. Quando saíram as projeções, os jornalistas já discutiam outras comparações: seria o partido do táxi, da scooter, da bicicleta, do tuk tuk e por aí fora. Ainda não se sabia ao certo. Cristas nem esperou pelos resultados oficiais e por perceber a verdadeira dimensão da derrota — embora se percebesse desde o início da noite que seria um pesadelo — para abandonar a liderança. E a própria sede. Minutos depois do discurso, sairia da sede do partido, no Largo do Caldas, acompanhada pelo marido. Entrou no carro, onde o motorista já a esperava, sem falar e desejando apenas aos jornalistas: “Boa noite, bom descanso e agora deixem-me descansar a mim”.
Durante o discurso, apesar de atirar a toalha ao chão, encurralada pelos resultados, a ainda líder centrista acredita que o partido vai conseguir dar a volta: “Tenho a certeza que o CDS, partido estruturante da nossa democracia, encontrará forma, de construir o seu futuro e contribuir para a construção de uma alternativa de centro e de direita em Portugal“. A questão se coloca é: quem fará parte desse futuro? A lista é, para já, grande. Mas é certo que se vai encurtar ao longo dos próximos dias.
Mota Soares “don’t stop thinking about tomorrow“
Luís Pedro Mota Soares, “LP” para os amigos e companheiros de partido, é um dos mais prováveis candidatos à sucessão de Assunção Cristas. Não é candidato a deputado porque decidiu tentar trocar a Assembleia da República pelo hemiciclo europeu. Era o número de dois na lista às eleições europeias de 26 de maio, mas falhou a eleição. Apesar disso, o fracasso foi imputado a Nuno Melo, o cabeça de lista, que escolheu a estratégia de campanha e a mensagem política. Mota Soares prometeu, depois do desaire eleitoral, ir plantar uma macieira, numa referência a Adriano Moreira. Na semana seguinte às eleições, já de mãos arregaçadas, criticou a posição do partido nos salários dos juízes. O partido impôs disciplina de voto nesse caso, mas Mota Soares escreveu uma dura declaração de voto, onde deu conta que na discussão interna do partido deixou claro que “seria um erro o CDS mudar a sua posição de princípio que, no Estado, o salário do Presidente da República é o mais elevado e que ninguém deve ganhar mais do que o primeiro-ministro”. Dois dias depois de sair do Parlamento, a 5 de julho, disse no programa Vichyssoise, da Rádio Observador , que preferia qualquer a opção a ser líder do CDS. Mas, ao mesmo tempo, escolhia como música o “Don’t Stop Thinking About Tomorrow“.
No último dia de campanha eleitoral o jornal Sol revelava que Mota Soares iria avançar para a liderança caso Assunção Cristas não se recandidate à liderança. Está na pole position para o pós-Cristas. Já foi tudo no partido: líder da JP, líder parlamentar, vice-presidente e ministro. O único cargo de topo que não ocupou no partido foi o de presidente. Mas tem uma grande desvantagem relativamente a João Almeida: não está no Parlamento. Se mesmo para um líder da oposição (quando é PS ou PSD) é difícil marcar espaço mediático estando fora do Parlamento, para um partido como o CDS pode ser muito prejudicial.
João Almeida, o sucessor de Portas que já concorreu à liderança
João Almeida é sucessor de Paulo Portas no distrito onde o antigo líder do CDS se candidatou por seis vezes: Aveiro, a chamada “capital do CDS”. Teve Portas ao seu lado ainda antes de estar ao lado de Assunção Cristas. Quando Paulo Portas esteve uns anos fora do partido — durante a liderança de Ribeiro e Castro, que tinha ganho a primeira eleição a Telmo Correia — João Almeida deu o rosto pela “fação” Portas. Era presidente da JP, tinha apenas 29 anos, mas avançou contra o líder em funções, como uma moção chamada “Fazer Futuro”. Foi um avançar mais para marcar posição e desgastar a liderança de Ribeiro e Castro do que para ganhar. Perdeu, mas ganhou estatuto. Foi uma derrota que abriu caminho para o regresso de Portas, um ano depois.
No primeiro Congresso pós-Portas decidiu não avançar com candidatura à liderança, mas apresentou moção (o que já era possível pelos estatutos do partido). Já tem experiência governativa (foi secretário de Estado) e tem a vantagem de estar no Parlamento nos próximos quatro anos.
‘Chicão’ ainda é ‘Chiquinho’?
Ainda se está para perceber quanto vale Francisco Rodrigues dos Santos, conhecido como ‘Chicão’, no CDS. Mas o líder da JP é um todo-poderoso entre os seus pares e no último congresso colocou dezenas de militantes (da JP e do CDS) a discursarem no palco a pedir um lugar no Parlamento para si. A líder só conseguiu falar às quatro da manhã. Elementos próximos da direção de Cristas não gostaram, já que a JP tem os seus próprios congressos. Embora o líder do JP e a líder do CDS não tenham a maior empatia, a maior diferença é mesmo ideológica. Assunção Cristas posiciona-se mais perto do centro-direita e Francisco Rodrigues dos Santos é mais da direita-direita, uma ala mais conservadora. É próximo de Nuno Melo e não abdica de ter uma agenda mais conservadora do que o partido. Foi ele que liderou a luta contra o despacho do governo, naquilo a que chamou a “defesa da Escola contra a ideologia de género” no caso das casas de banho. ‘Chicão’ falhou a eleição — o que reduz a margem para ter o seu momento João Almeida — , mas tem a capacidade de mobilizar milhares de votos à “jota”. Num cenário em que Melo e Lobo d’Ávila estejam de fora, é ele o herdeiro da ala conservadora do partido, mas também sai ferido da noite eleitoral. Resta saber se o aumentativo pelo qual é conhecido na jota é mais do que um diminutivo no partido. O partido está tão no fundo, que pode romper completamente com os protagonistas do passado recente.
Nuno Melo. A marca negativa das Europeias é razão para ficar em Bruxelas?
Nuno Melo é das figuras mais conhecidas do partido e, nos tempos da longa liderança de Portas, foi sempre apontado como o futuro mais-que-provável sucessor do carismático Paulo Portas. Em 2016 esteve para avançar até ao último minuto, mas acabou por recuar. O facto de Portas querer Assunção Cristas terá sido fundamental. Saiu ferido das últimas eleições Europeias numa curva descendente do partido que se agudizou a partir daí. Está colado a essa derrota, onde definiu o estilo de comunicação. Rompeu com o estilo de Assunção, foi mais à direita e isso não resultou. Mas a mensagem mais ao centro também não deu resultados, como se comprova. Nuno Melo estará mais inclinado a cumprir o mandato para que recentemente foi eleito no Parlamento Europeu.
Lobo d’Ávila. O crítico puxará do crédito de crítico?
Filipe Lobo d’Ávila é o rosto da oposição interna a Cristas. Foi ele quem, nos Congressos que consagraram Cristas, se assumiu como a voz discordante. Ocupou, como governante, a mesma pasta que João Almeida (e também Nuno Magalhães): foi secretário de Estado da Administração Interna. A sua lista conseguiu 23,8% no Congresso e, ao mesmo tempo, Lobo d’Ávila dedicou-se à vida profissional e abdicou do cargo de deputado. Esta diligência de Lobo d’Ávila foi o único espinho de um congresso que correu de forma quase perfeita à líder. Se Nuno Melo e ‘Chicão’ não avançarem, não sobram muitos rostos dessa ala do partido. O facto de se ter assumido como oposição a Cristas dá-lhe capital para dizer: “Eu tinha razão, a estratégia era errada”.
Adolfo Mesquita Nunes: primeiro a Galp
Mesmo sendo uma das maiores promessas do partido, a margem de Adolfo Mesquita Nunes para se apresentar à liderança é diminuta. Pelo menos para já. O coordenador do programa era vice-presidente de Cristas, mas quando houve uma situação de possível conflito de interesses pelo cargo na administração da Galp e a direção do CDS, optou pela primeira. Disse que a sua prioridade era agora a vida profissional e isso não se deverá ter alterado. Apesar de ser pouco provável, também Nuno Magalhães podia puxar do estatuto de líder parlamentar para ser visto como um potencial candidato à liderança.
Abel, quem?
Abel Matos Santos é um nome que poucos conhecem, mas é, para já, o único candidato assumido ao próximo congresso. O porta-voz da Tendência Esperança em Movimento (TEM) assumiu que se irá candidatar, em declarações à Lusa, pois entende que este não é “tempo de estratégias ou táticas”, mas de assumir as “responsabilidades”. O presidente da TEM quer que o CDS deixe de ser o partido do “politicamente correto”. O TEM tem sido uma tendência crítica de Assunção Cristas, embora tenha pouca expressão eleitoral no partido.