Não “pediu licença a ninguém”: Luís Montenegro é candidato à liderança do PSD. O anúncio foi feito esta noite em entrevista à SIC, onde Montenegro também desafiou Rui Rio a ir a jogo. Afirmando que o PSD teve “o pior resultado de sempre” no último domingo, Montenegro entende que “cada um tem de assumir as suas responsabilidades”, pelo que vai assumir as suas. “Serei candidato à liderança do PSD nas próximas diretas, por uma questão de coerência e de convicção. E gostava muito que Rui Rio pudesse ser candidato também, porque, tal como disse em janeiro, o PSD precisa de uma clarificação”, disse.

Trata-se do ex-líder parlamentar de Pedro Passos Coelho, mas “Luís Filipe Montenegro” rejeita comparações, ainda que não “renegue” nada do passado. “Quem está aqui hoje não é Pedro Passos Coelho, nem Cavaco Silva, nem Durão Barroso, nem Santana Lopes, é Luís Filipe Montenegro: só respondo por mim, e quero que as pessoas se identifiquem comigo”, disse com pose estatal, rejeitando ao mesmo tempo que as qualidades de liderança que atribui a si próprio sejam qualidades inatas. “Não acredito em homens providenciais, de egos enormes, mas não me iria candidatar a um cargo de liderança se não achasse que era capaz de fazer melhor do que os outros”, afirmou na mesma entrevista.

O ex-líder parlamentar de Passos Coelho é assim o primeiro nome confirmado para a corrida às diretas do PSD previstas para janeiro (que podem ser antecipadas), devendo juntar-se a ele Miguel Pinto Luz, vice-presidente da câmara de Cascais, e Miguel Morgado. Ambos já manifestaram vontade de avançar, resta saber o timing em que o farão. A dúvida maior é se Rui Rio vai também a jogo, ou se alguém herda o aparelho no lugar dele. Segundo Montenegro, Rio terá de “avaliar em função dos resultados que obteve e das convicções que o movem, se deve ou não recolocar-se como candidato”. Mas tem uma certeza: quanto maior for a “clarificação”, mais o partido sai “reforçado”.

“Essa clarificação não foi possível acontecer antes do ciclo eleitoral que agora termina. Temos de projetar o partido para a nova legislatura, preparar para as autárquicas, por isso é altura de termos uma disputa aberta onde todos possam trazer as suas ideias e, dentro da diversidade interna, termos um partido mais forte”, defendeu, chamando todos a jogo.

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“Infelizmente tive razão”. Montenegro diz que Costa era “batível” se Rio tivesse agido sempre como agiu nas últimas três semanas

“Infelizmente tive razão”, disse a dada altura na entrevista a Clara de Sousa. Montenegro foi o challenger de Rui Rio naquilo a que Rui Rio chama habitualmente o “golpe de Estado” de janeiro: a quatro meses da primeira ida de Rio às urnas, para as Europeias, Luís Montenegro apareceu em cena para desafiar a liderança do PSD. Desafiou com um pedido de diretas, mas Rio antecipou-se com uma moção de confiança; contaram-se as espingardas, afiaram-se as facas e Rui Rio ganhou. Montenegro saiu de cena e ficou à espera dos desaires eleitorais. O objetivo era dizer “eu avisei”, para agora poder dizer “infelizmente tive razão”. O primeiro desaire chegou em maio, com os 22% que o PSD teve nas europeias, e o segundo chegou este domingo, com os 27,8% dos votos que o PSD conquistou nas legislativas, e que Rui Rio interpretou como não tendo sido “desastre nenhum”, contra todos os horrores que alguns previam e que alguns até “desejavam”. Para os montenegristas, foi.

Logo na segunda-feira pós-eleitoral, as tropas de Montenegro (entre autarcas e dirigentes distritais) estavam prontas a atacar, e entraram na comunicação social em força para desmontar o discurso vitorioso de Rio da véspera. Disseram que Rui Rio quebrava agora um ciclo de vitórias do PSD desde Manuela Ferreira Leite, que 27,9% era pior do que o resultado que Santana Lopes tivera em 2005 contra José Sócrates, e ainda que Rio tivera um dos piores resultados dos últimos 36 anos. Ou seja, “não há vitórias morais”, e Rui Rio perdera. Era tempo de “nova liderança, novos protagonistas e novas políticas”, como disse Miguel Relvas à cabeça. Além de Luís Montenegro, o Observador sabe que é certo que Miguel Pinto Luz também vai avançar com uma candidatura — só não é certo quando o fará — e que Miguel Morgado também está a recolher apoios para o fazer. A dúvida é se o leque se completa com uma recandidatura do próprio Rui Rio ou se, no lugar dele, avança outro nome, como Paulo Rangel ou Jorge Moreira da Silva.

PSD. Montenegro avança esta quarta. Como os críticos montaram o cerco a Rio e como o líder quer evitar dar partido de “mão beijada”

Agora, Luís Montenegro, que tem vindo a fazer esta “reflexão” há “algum tempo”, diz que só havia uma forma de não avançar com uma candidatura: se Rui Rio chegasse às urnas e ganhasse ao PS. Se assim fosse, “obviamente eu não estaria aqui”. Fora isso, não seriam os ainda assim surpreendentes 28% de Rio que fariam Montenegro mudar de ideias. Rejeitando que tenha “uma guerra pessoal com Rui Rio”, Montenegro diz que a diferença entre os dois é sobretudo de projeto político e de posicionamento face ao PS.

“Quero é que o PSD deixe de ser subalterno face ao PS. O PSD não pode estar todos os dias a reclamar reformas estruturais com o PS, tem de ter vida própria, sobretudo porque o PS não quer fazer essas reformas estruturais, António Costa não é um reformista”, disse ainda, defendendo que o PSD construa as suas próprias propostas, e que as apresente ao país com o objetivo de as executar quando voltar a ser governo.

Olhando para os números de domingo à noite, Montenegro não perdoa: se em 2005, Santana Lopes teve 28,7% dos votos e Sócrates teve maioria absoluta, isso significou que parte do eleitorado do PSD fugiu para o PS; o mesmo não aconteceu agora, já que o PSD teve um resultado semelhante (27,9%), mas o PS não teve maioria absoluta. Resultado? “O PSD não foi capaz de cativar os eleitores que não quiseram dar maioria absoluta ao PS”. Ou seja, “António Costa era batível nestas eleições”. Para isso, diz Montenegro, bastava o PSD ter tido uma estratégia de oposição “firme”, com “confrontação democrática”. Tal e qual como a estratégia que Rui Rio adotou nas últimas três semanas de campanha.

“António Costa era batível nestas eleições se tivéssemos tido uma estratégia de oposição firme, se tivéssemos feito nos últimos dois anos o que Rui Rio fez nas últimas três semanas, se tivéssemos tido uma confrontação democrática. Não sou radical, isto não quer dizer que não haja diálogos pontuais”, disse.

E o que quer Luís Montenegro para o PSD que Rui Rio não possa dar? “Coesão, união, e um projeto comum em torno de uma liderança”, disse, mostrando-se disponível para integrar na sua direção, e nos órgãos do partido, pessoas com “sensibilidades diferentes” da sua, incluindo mesmo apoiantes de Rui Rio. Uma postura que, diz, Rui Rio não teve quando tomou as rédeas do partido, criando e alimentando divisões internas.

Em termos ideológicos, Montenegro quer um PSD mais virado para o centro-direita do que para o centro-esquerda, onde diz que Rio quer colocar. E admite alianças futuras do PSD com os partidos à sua direita, que passam pelo CDS, pelo Iniciativa Liberal e até pelo Aliança (que não elegeu deputados). “O Chega não entra nestas contas porque tem um projeto político que é inconciliável com o nosso”, disse. Tudo em nome de um engrandecimento do PSD: “Como presidente do PSD, quero um partido vocacionado para ser maioritário, não para ser o maior dos pequeninos. Quero que o PSD seja ao maior dos grandes”, disse, admitindo que, para o PSD encabeçar um projeto de governo à direita no futuro, será preciso alianças.

Arguido no caso das viagens ao Euro. “Não me sinto minimamente limitado por isso”

Questionado sobre se se sente fragilizado por ser arguido no caso das viagens ao Euro 2016, sendo que o Ministério Público ainda não formalizou a acusação, Luís Montenegro diz-se de “consciência completamente tranquila” e afirma que não se sente “minimamente limitado por isso”. “Não cometi nenhum crime e não vou deixar de exercer nenhum dos meus direitos civis e políticos, porque tenho a certeza absoluta de que não vou ser culpado”, afirmou.

E concretizou: “O que está em causa é um recebimento indevido de vantagem, mas mesmo que a viagem me tivesse sido oferecida, e não foi, não era crime porque eu não estava no exercício de cargo político. E eu paguei a viagem, fui a expensas próprias”, insistiu.

A esse propósito, Montenegro defendeu, à semelhança de Rui Rio, que os titulares de cargos públicos que sejam acusados de algum crime relacionado com o exercício das suas funções devam ser afastados dos cargos. “Se eu fosse condenado, claro que ficava com o meu espaço de intervenção política muito limitado”, disse, insistindo no entanto que, no caso das viagens pagas ao Euro, em Paris, “estou profundamente seguro de que não cometi nenhum crime”.

As diretas do PSD deverão realizar-se em janeiro, sendo o congresso em fevereiro, mas o calendário pode ser antecipado. Tudo depende das jogadas que se seguem: Rui Rio recandidata-se?