Os políticos catalães que prepararam e executaram o referendo independentista de 1 de outubro de 2017 receberam penas de prisão que ascendem aos 13 anos. A pena mais pesada foi para Oriol Junqueras, presidente da ERC e ex-vice-presidente de governo regional. Jordi Turull, Raül Romeva e Dolors Bassa foram também condenados pelos mesmos crimes, mas com penas de 12 anos de prisão.
Os sete juízes deram como provado o crime de sedição. Além disso, cinco deles entenderam que a maioria dos que exerceram funções governativas também cometeram o crime de desvio de fundos. Saiba quem é quem e que papéis desempenharam na luta pela independência da Catalunha.
Oriol Junqueras (Ex-vice-presidente da Generalitat)
13 anos de prisão
Acusado de rebelião e utilização abusiva de fundos públicos
Fiscalía pedia 25 anos de prisão; Abogacía pedia 12
O juiz de instrução Pablo Llarena considera Junqueras um dos cabecilhas da operação pela independência. Em concreto, acusa o político da Esquerda Republicana Catalã de ter estado presente, na qualidade de vice-presidente da Generalitat, em reuniões de planeamento do referendo unilateral, em 2015 e 2016. Para além disso, coloca Junqueras numa reunião-chave, a 28 de setembro de 2017, em que a polícia catalã terá avisado ser “altamente provável que se produza uma escala de violência” no dia do referendo, apelando a que fosse cancelado — o que não veio a acontecer. Em vez disso, sustenta a acusação, Junqueras apelou à participação popular no referendo, promovendo assim “o confronto direto entre uma imensidão de cidadãos e as forças de segurança” — em causa, as cargas policiais da polícia nacional registadas no 1.º de outubro. Este ponto é crucial, já que é este “incitamento à violência” que sustenta a acusação de rebelião por parte da Fiscalía.
Em tribunal, Junqueras optou por uma posição firme ao recusar responder às perguntas da acusação, mantendo-se em silêncio. A única vez em que falou foi em fevereiro, para responder às perguntas do seu advogado, e aí foi claro: “Entendo que estou num julgamento político. Acusam-me pelas minhas ideias e não pelos meus feitos. E por isso não responderei às perguntas da acusação”, justificou.
Para se defender, o antigo vice-presidente da Generalitat rejeitou ter alguma vez incentivado à violência — “qualquer objetivo nobre na vida torna-se imoral se os mecanismos usados para o conseguir forem indecentes”, disse — e negou ter havido desvio de fundos públicos para financiar o referendo, apontando como exemplo que os locais de votação no dia do referendo eram locais públicos, como escolas.
Em junho, foi a vez do seu advogado, Andreu Van Eynde, tomar a palavra em sua defesa e apontar ao dedo a algumas das provas apresentadas pela acusação, como o documento Enfocats, referido pela acusação como “quadro de referência” para a independência. Van Eynde rejeitou a acusação, dizendo que o Enfocats era apenas “um panfleto, um lugar de fantasias comuns, de marketing”. E atacou, dizendo que a acusação manteve os meios de prova “escondidos da defesa”. Sobre a acusação de rebelião, Van Eynde tentou focar que não pode ter ocorrido porque “a tese de [que houve] violência se constitui como uma falácia”, afirma. “Desligamento e indignação não são violência”, frisou.
[Vídeo. Carga policial e ruas cortadas em Barcelona:]
Jordi Turull (Ex-porta-voz da presidência da Generalitat)
12 anos de prisão
Acusado de rebelião e utilização abusiva de fundos públicos
Fiscalía pedia 16 anos de prisão; Abogacía pedia 11
Llarena acusa Turull de ter promovido a mobilização popular em torno do referendo de 1 de outubro. Segundo a acusação, o antigo porta-voz de Carles Puigdemont, presidente da Generalitat, foi o responsável por ter organizado as infraestruturas informáticas de divulgação (site, redes sociais, etc.), bem como por ter organizado a recruta de “milhares de voluntários” para as mesas de voto, a produção dos boletins de voto e a contagem de votos. Para além disso, terá estado presente nas reuniões do governo em que se decidiu avançar com a realização do referendo unilateral.
Ao contrário de Junqueras, Turull e os restantes acusados decidiram testemunhar no julgamento e responder tanto às perguntas da defesa como da acusação. O ex-conselheiro rejeitou completamente as acusações de violência, que classificou de “delirantes” e apontou que a Catalunha é “o país de Pau Casals”, compositor clássico pacifista e autor do Hino da Paz. Quanto à acusação de utilização abusiva de fundos públicos, Turull relembrou que, a título de exemplo, os anúncios que passaram na rádio e na televisão catalãs foram “gratuitos” por terem sido transmitidos como publicidade institucional. Também negou qualquer envolvimento nos sites que foram sendo sucessivamente criados para publicitar o referendo, à medida que iam sendo encerrados pela Justiça espanhola: foram criados, disse, não pela Generalitat, mas sim por “privados com muito talento”.
Quando testemunhou pela segunda vez, em junho, Turull focou-se mais no quadro geral: “Neste julgamento está em jogo a amplitude que damos aos direitos e liberdades fundamentais para nós e para os nossos filhos”, declarou.
Raul Romeva (Ex-conselheiro das Relações Exteriores)
12 anos de prisão
Acusado de rebelião e utilização abusiva de fundos públicos
Fiscalía pedia 16 anos de prisão; Abogacía pedia 11
A acusação é clara: para o juiz, Romeva usou o seu cargo como conselheiro dos Negócios Estrangeiros da Catalunha para tentar conseguir o reconhecimento da Catalunha independente por outros países através das estruturas do Estado e foi ainda o responsável pela contratação de “observadores internacionais” para o dia da votação. Segundo Llarena, as chamadas “embaixadas” da Generalitat faziam lobby para gerar “uma imagem internacional favorável ao processo da independência”. Para além disso, a acusação coloca Romeva nas reuniões fulcrais do Governo e acusa-o também de o ter feito com consciência do risco de violência.
Romeva aproveitou a sua ida ao tribunal para criticar o que considera ser um julgamento político e não apenas judicial: “Faz um ano, 365 dias, que estou na prisão e me considero um preso político”, afirmou em fevereiro. “Sou democrata, republicano e europeísta. Circunstancialmente sou independentista”, acrescentou. Mais ainda, aproveitou para denunciar a situação como absurda, nunca referindo o nome do Vox (que se constituiu como assistente no processo) mas aludindo ao partido de extrema-direita: “Nós que defendemos estes valores estamos no banco dos réus e aqueles que os ameaçam de forma ostensiva sentam-se no estrado com os acusadores…”, lamentou-se.
Quatro meses depois, reforçou a mesma ideia: “Neste banco estão sentadas mais de dois milhões de pessoas que estão preocupadas com o que aqui se passa”, disse.
Joaquim Forn (Ex-conselheiro do Interior)
10 anos de prisão
Acusado de rebelião e utilização abusiva de fundos públicos
Fiscalía pedia 16 anos de prisão; Abogacía pedia 11
Forn está acusado de ter estado presente na mesma reunião em que Junqueras foi avisado pela polícia da possibilidade de haver violência nas ruas. Apesar disso, sustenta a acusação, “apoiou sem reservas” a realização do referendo e comportou-se de forma a “evitar que os Mossos [d’Esquadra, polícia catalã] pudessem frustrar” esse acontecimento. Para isso, terá desenhado “um operativo policial comprometido [os Mossos], de forma a que as mobilizações partidárias de votação ilegal pudessem defrontar-se com êxito face à força policial do Estado [a Guardia Civil, responsável pelas cargas policiais]”.
A estratégia do antigo conselheiro do Interior foi em duas direções: primeiro, afirmar que o referendo à independência de 1 outubro e a declaração unilateral de independência foram apenas atos simbólicos e não efetivos e, portanto, legais; em segundo lugar, negar ter dado instruções aos Mossos para que se comportassem de determinada forma no dia do referendo. “Uma coisa é o meu compromisso e outra as minhas competências como conselheiro. Não uso os mecanismos do Interior. Digo aos Mossos que devem cumprir as suas funções como polícia judicial”, resumiu.
O seu advogado, contudo, optou por destoar da defesa dos restantes acusados em dois momentos. Por um lado, aceitou a documentação apresentada pela acusação — que os restantes réus consideraram não ter validade —, dizendo que são documentos “dúplex”, “que tanto servem a acusação como sustentam as teses da defesa”. Por outro, concedeu que o seu cliente é culpado num ponto: diz que Forn “desobedeceu ao Tribunal Constitucional”, por não ter contribuído para se suspender o referendo depois das advertências do dito tribunal.
Dolors Bassa (Ex-conselheira do Trabalho e Assuntos Sociais)
12 anos de prisão
Acusada de rebelião e utilização abusiva de fundos públicos
Fiscalía pedia 16 anos de prisão; Abogacía pedia 11
A acusação é clara: Bassa terá permitido “a utilização dos seus departamentos para apoiar parcialmente o gasto derivado de imprimir os boletins de voto, bem como de elaborar o recenseamento eleitoral ou de arranjar pessoas para as mesas de voto”.
Bassa segue pela mesma linha de Forn, ao sublinhar que o referendo não seria vinculativo: “Nunca foi previsto como um ato conclusivo para a independência”, afirmou em tribunal a ex-conselheira da Generalitat. Quando à acusação relacionada com os fundos públicos, também afirma não ter havido nenhum gasto indevido: “Era impossível por algo no governo da Generalitat que não fosse controlado pelo Estado [espanhol]”, apontou.
Sobre a acusação de rebelião, Dolors Bassa voltou a sublinhar, à semelhança dos outros acusados, que não houve violência: “Sempre recusei a violência e jamais a promovi. Não encontraram nada nas redes, nem entrevistas, onde faça referência à violência ou a promova. Falo sempre de diálogo e democracia”, declarou.
Josep Rull (Ex-conselheiro de Território e Sustentabilidade)
10 anos de prisão
Acusado de rebelião e utilização abusiva de fundos públicos
Fiscalía pedia 16 anos de prisão; Abogacía pedia 11
A acusação de Llarena não difere da de outros membros da Generalitat: Rull terá, enquanto ministro, participado em reuniões onde se decidiu avançar com o processo independentista e feito apelos à participação no referendo mesmo sabendo do risco de “explosões violentas”. Para além disso, Rull está acusado de ter “proibido de forma arbitrária” que um barco com agentes da polícia, enviados para a Catalunha para evitar a realização do referendo, pudesse atracar no porto de Palamós.
Josep Rull não tem hesitado em caracterizar este julgamento como um juízo político. Foi assim em fevereiro, quando levantou em tribunal a possibilidade de recorrer para o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, caso fosse condenado. Foi também assim em junho, quando questionou: este é “um julgamento sobre ideias ou sobre atos?”.
O ex-ministro aproveitou também o momento para falar, em catalão, sobre a sua família, dizendo que a Justiça decidiu que não poderá ver os seus filhos a crescer — “mas não impediram que lhes deixe a dignidade de defender ideias legítimas e nobres”, acrescentou.
Santi Vila (Ex-conselheiro das Empresas e do Conhecimento)
Acusado de utilização abusiva de fundos públicos — e de desobediência, crime pelo qual será julgado por um tribunal da Catalunha
Fiscalía e Abogacía pediam 7 anos de prisão
Santi Vila não está acusado de ter orquestrado o referendo. Contudo, como membro da Generalitat, assinou o decreto do referendo e, portanto, está acusado de ter usado fundos públicos para financiar a sua realização.
Em tribunal, o ex-conselheiro assumiu papel de destaque, ao ser o único que colocou em choque a liderança da Generalitat. Referindo-se à noite de 25 de outubro de 2017, noite em que a acusação diz que foi preparado grande parte do processo da declaração unilateral de independência (anunciada dois dias depois), Santi Vila declarou que recordará essa noite para sempre. “Acabou por custar-me a minha carreira política”, afirmou, falando em “pressões”.
Sobre a sua demissão — que ocorreu no dia seguinte a essa reunião —, Santi Vila diz ter-lhe custado a amizade com Carles Puigdemont. E garante que se afastou por perceber que a negociação para a qual estava mandatado, com os vários partidos, iria ser boicotada pelo próprio Puigdemont, anunciado unilateralmente a independência. “Dei a mão a pessoas do PP, do PSOE, dei-lhes a minha palavra”, diz, garantindo que se sentiu traído pelo que aconteceu depois.
Quanto ao referendo, em cuja organização participou como membro da Generalitat, recusou considerar que o resultado a favor do “Sim” representava todo o povo catalão. “Nós, alguns membros do Governo, estávamos convencidos de que o 1 de outubro era uma mobilização a favor da independência, mas sabíamos que havia dois milhões e meio de catalães que tinham ficado em casa. Alguns de nós pensávamos que devíamos ser o Governo de todos.”
Meritxell Borràs (Ex-conselheira da Governação)
Acusada de utilização abusiva de fundos públicos — e de desobediência, crime pelo qual será julgada por um tribunal da Catalunha
Fiscalía e Abogacía pediam 7 anos de prisão
A acusação é semelhante à de Santi Vila, já que Llarena a responsabiliza por ter assinado o decreto da convocatória do referendo. Para além disso, Borràs é acusada de ter autorizado contratações necessárias para a realização da votação.
Borràs rejeitou completamente as acusações. Sobre o gasto de fundos públicos é clara: “Nem o meu departamento nem o governo destinaram um euro [ao referendo].” Quanto à participação na realização do referendo, disse sentir que “tinha de ser fiel” à vontade da maioria da sociedade catalã e que a sua ação de assinar o documento que autorizou a realização do ato eleitoral foi apenas “simbólica”.
Carles Mundó (Ex-conselheiro da Justiça)
Acusado de utilização abusiva de fundos públicos — e de desobediência, crime pelo qual será julgado por um tribunal da Catalunha
Fiscalía e Abogacía pediam 7 anos de prisão
A sua acusação é em tudo semelhante à de Mertixell Borràs. Após ser eleito deputado pela ERC nas eleições de dezembro de 2017, o ex-conselheiro da Justiça anunciou, cerca de um mês depois, que iria renunciar ao mandato por “razões pessoais” e afastou-se da vida política.
Em tribunal, também não fez declarações explosivas. De nota apenas a sua justificação para se considerar inocente pela acusação de desvio de fundos públicos: “Qualquer contratação feita pela Genralitat é feita de acordo com a lei de contratos do sector público. E qualquer contratação, por mais simples que seja, implica o envolvimento de pelo menos 20 funcionários nas fases distintas do processo e não demora menos de 45 dias.”
Carme Forcadell (Ex-presidente do parlamento)
11 anos e meio de prisão
Acusada de rebelião
Fiscalía pedia 17 anos de prisão; Abogacía pedia 10
O juiz Pablo Llarena considera que Forcadell teve um papel “fulcral” na realização do referendo — e desde o início do processo. A acusação sustenta que Forcadell levou a votação “legislação de apoio” ao referendo e à instituição de uma República Catalã, à revelia do Tribunal Constitucional, tendo colocado a instituição “ao serviço do violento resultado obtido com o referendo”.
Forcadell, que chegou a aparecer em tribunal vestida de amarelo — cor apropriada pelos independentistas — dos pés à cabeça, foi desafiadora: “Não participei, nem dirigi nenhuma estratégia. Limitei-me a cumprir o meu cargo de presidente do Parlamento.” Esse lugar, tentou esclarecer, não pode traduzir-se em censura de temas por parte dos presidentes da assembleia: “A presidência deve ser um órgão censor que decide do que se pode falar e do que não se pode?”, questionou.
Quatro meses depois, quando voltou a testemunhar perante o tribunal, Forcadell voltou a sublinhar a sua inocência: “Durante este julgamento realizou-se um esforço extraordinário para me destacarem, quanto mais saísse o meu nome, melhor”, afirmou. “Não há nenhuma prova contra mim. Mas parece que estes quatro meses de julgamento não serviram para nada.”
Jordi Sánchez (Presidente da organização Assembleia Nacional Catalã)
Nove anos de prisão
Acusado de rebelião e sedição
Fiscalía pedia 17 anos de prisão; Abogacía pedia 8
A Fiscalía acusa Sánchez do delito de sedição pela sua participação na mobilização popular de 20 de setembro de 2017 contra a Operação Anúbis, uma ação policial da Guardia Civil para notificar e deter alguns membros da Generalitat por estarem alegadamente a organizar um referendo. Segundo a acusação, Sánchez fez uma “convocatória incendiária” para que as pessoas se juntassem ao pé do Ministério da Economia a fim de impedir que fosse notificado. Nessas manifestações houve destruição de veículos da Guardia Civil, limitação de movimentos da comissão judicial, lançamentos de objetos e outros distúrbios. Os atos, declara a acusação, “foram conhecidos, induzidos e consentidos pelos acusados Sánchez e Cuixart”.
Os argumentos de Sànchez são semelhantes ao de outros réus: “Considero-me um preso político, este é um juízo político”, declarou logo em fevereiro. Sobre os crimes de que está concretamente acusado, argumentou que não tinha a influência que lhe apontam na organização desse protesto: “Mesmo que tivesse querido, com um megafone, não seria capaz de desmobilizar essa concentração”, afirmou.
Mais tarde, aproveitou a última oportunidade para falar no julgamento para apontar o foco à situação da Catalunha: “Na Catalunha haverá urnas e havemos de fazer um acordo com o Governo espanhol”, sentenciou, esperançoso. “Talvez não venha a assistir à independência do meu país, mas espero ver o dia em que chegue esse acordo.” E, em caso de condenação, espera uma reação popular: “Temos de ser capazes de parar o país e sair à rua para protestar indefinidamente”, pediu.
Jordi Cuixart (presidente da associação Òmnium Cultural)
Nove anos de prisão
Acusado de sedição e rebelião
Fiscalía pedia 17 anos de prisão; Abogacía pedia 8
A acusação de Cuixart é praticamente igual à de Sánchez, razão pela qual os líderes associativos ficaram conhecidos por “os dois Jordis”.
Em sua defesa, Cuixart também afirmou ser “um preso político” e negou que tenha havido violência, quer em relação à manifestação de setembro de 2017, quer em relação ao dia do referendo. “O conceito e violência não existe, não existia”, disse em tribunal, perante os sete juízes.