A conferência dos elementos portugueses tem sempre pelo menos uma pergunta sobre Ronaldo. A conferência dos adversários nacionais chega às vezes a ter apenas uma pergunta que não tenha Ronaldo. E o lançamento de qualquer jogo é Ronaldo, mais Ronaldo e um pouco de Ronaldo. A Seleção pode ter atualmente um dos grupos mais homogéneos e ricos em soluções dos últimos anos, sobretudo no plano ofensivo, mas tudo gira em torno do seu capitão, um dos melhores do mundo há mais de uma década (e cinco vezes o número 1, com a respetiva Bola de Ouro). E depois das histórias de jogadores que entram em campo tendo em mente pedir a camisola de CR7 e dos adeptos que planeiam de forma pormenorizada uma invasão para tirarem uma selfie com o avançado, veio de um jogador do Boavista mais um desses pormenores que mostram o que representa ainda hoje Ronaldo.

https://observador.pt/2019/10/14/ucrania-portugal-selecao-pode-garantir-ja-apuramento-para-o-europeu-se-a-lituania-tambem-ajudar/

Aos 25 anos, o lateral paraguaio Walter Clar está a ter a primeira experiência na Europa pelo Boavista, cedido de forma temporária pelo Sol de América. Ainda não foi opção de Lito Vidigal em encontros oficiais mas já tem um dia para contar mais tarde – e fez questão de partilhá-lo através da sua página no Instagram. Em resumo, esteve mais de 14 horas à espera na mesma unidade hoteleira onde Portugal estagiou antes do encontro frente ao Luxemburgo para poder tirar uma fotografia com o seu ídolo e a persistência trouxe frutos, conseguindo mesmo cruzar-se com Ronaldo para uns segundos de realização. “Cristiano: sem dúvida este foi o dia mais feliz da minha vida, nem imaginas o muito que sonhei com este dia”, comentou na rede social com a descrição pormenorizada.

Ronaldo é de Portugal, Portugal é Ronaldo. Mas aquilo que fez a diferença para que a Seleção Nacional tenha sofrido apenas duas derrotas nos últimos cinco anos com Fernando Santos como técnico é saber-se que Portugal também consegue ser mais do que Ronaldo – apesar do aumento da eficácia do avançado com o Engenheiro no comando da equipa. Como Pepe destacou na conferência de antevisão da partida em Kiev diante da Ucrânia, “a Seleção representa um país humilde e trabalhador”, com uma equipa liderada por alguém experiente que pede para que os jogadores sejam apenas eles próprios. E se a Seleção entretanto ganhou um Europeu e a primeira Liga das Nações, é porque nunca abdicou dessa filosofia e princípio em todos os encontros.

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Esse acabou por ser o problema de Portugal na Ucrânia, onde sofreu o terceiro desaire com o atual selecionador (2-1): durante 45 minutos, a Seleção pagou com juros os erros que cometeu nas transições defensivas e poucos ou nenhuns rendimentos tirou com as duas opções iniciais que estavam no banco frente ao Luxemburgo. Danilo fez um jogo conseguido no meio-campo, Bernardo Silva teve algumas pinceladas de inspiração pelo campo, Nelson Semedo conseguiu boas projeções ofensivas mas o conjunto nacional, a jogar muitas vezes mais com o coração do que com a cabeça, colocou-se como “refém” da inspiração de Ronaldo, que acabou o encontro com dez remates mas a perder o duelo com Pyatov na noite em que chegou ao golo 700. No final, a forma como o capitão foi cumprimentar um a um os companheiros de equipa pedindo para que levantassem a cabeça mostrou que uma batalha não define esta guerra pelo Europeu de 2020 mas quando se dá tiros nos pés tudo fica mais complicado.

Ficha de jogo

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Ucrânia-Portugal, 2-1

8.ª jornada do grupo B da qualificação para o Europeu

Estádio Olímpico de Kiev, na Ucrânia

Árbitro: Anthony Taylor (Inglaterra)

Ucrânia: Pyatov; Karavaev, Kryvtsov, Matviyenko, Mykolenko (Plastun, 90+4′); Stepanenko; Yarmolenko, Zinchenko, Malinovskyi, Marlos (Konoplyanka, 63′) e Yaremchuk (Kovalenko, 73′)

Suplentes não utilizados: Pankiv, Lunin, Sobol, Sydorchuk, Shakhov, Buyalskiy, Tsygankov, Júnior Moraes e Bolbat

Treinador: Andriy Shevchenko

Portugal: Rui Patrício; Nelson Semedo, Rúben Dias, Pepe, Raphael Guerreiro; Danilo, João Moutinho (Bruno Fernandes, 56′), João Mário (Bruma, 68′); Bernardo Silva, Gonçalo Guedes (João Félix, 46′) e Cristiano Ronaldo

Suplentes não utilizados: José Sá, Beto, Ricardo Pereira, José Fonte, Mário Rui, Rúben Neves, André Gomes, Pizzi e André Silva

Treinador: Fernando Santos

Golos: Yaremchuk (6′), Yarmolenko (27′) e Cristiano Ronaldo (73′, g.p.)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Stepanenko (25′ e 72′), Pepe (26′), Yarmolenko (47′), Rúben Dias (64′), Zinchenko (90+4′) e Kovalenko (90+5′); cartão vermelho por acumulação a Stepanenko (72′)

Na projeção do encontro, falava-se na possibilidade de haver duas alterações na equipa em relação ao onze que defrontou o Luxemburgo mas um dos nomes acabou por causar surpresa: João Mário. Juntando isso à entrada de Gonçalo Guedes, Portugal poderia no plano teórico partir para uma ideia tática de jogo que permitisse reforçar o corredor central com uma espécie de falso losango que tivesse o médio do Lokomotiv como interior a par de João Moutinho e Bernardo Silva mais solto no apoio ao avançado do Valencia e Cristiano Ronaldo. Com os minutos iniciais, essa ideia caiu: Bernardo e Guedes jogavam mais de fora para dentro, ao passo que João Mário pisava terrenos mais adiantados à frente de Danilo e Moutinho. E, globalmente, não funcionou.

O primeiro sinal de perigo até nasceu de bola parada para Portugal, com Cristiano Ronaldo a disparar um míssil desviado por Danilo ao primeiro poste por cima da trave de Pyatov (sendo que com a força que o cruzamento em forma de remate levava, era complicado fazer melhor). No entanto, e já depois de um primeiro aviso de meia distância à baliza de Rui Patrício, a Ucrânia colocou-se de forma precoce em vantagem no primeiro lance de bola parada que teve uma espécie de premonição de Fernando Santos: irritado com posicionamentos que não conseguiu corrigir, o técnico viu o canto de Marlos sofrer um desvio inicial ao primeiro poste para uma defesa por instinto de Rui Patrício antes de Yarmechuk desviar na pequena área para aquele que foi o terceiro golo mais rápido sofrido pela Seleção em fases de qualificação para o Campeonato da Europa (6′).

A Ucrânia tinha sofrido apenas um golo em seis jogos da qualificação, Portugal tinha de marcar dois golos para a reviravolta no encontro. E nos minutos seguintes foi tentando aproveitar algumas bolas paradas para levar perigo à área ucraniana, sem que o conseguisse fazer no futebol corrido pela falta de velocidade nas saídas e pela falta de ligação entre setores perante uma Ucrânia bem organizada em termos coletivos e que não ia permitindo grandes veleidades à Seleção Nacional e à sua principal referência, Ronaldo. Mas se com bola as coisas não estavam a correr da melhor forma, sem ela pioraram: numa transição defensiva mal feita que permitiu que os visitados saíssem bem pela esquerda, Yarmolenko surgiu bem nas costas de Raphael Guerreiro na área e não perdoou perante um Rui Patrício que nada podia fazer para evitar o 2-0 ainda antes da meia hora (27′).

Até ao intervalo, Ronaldo ainda conseguiu fazer quatro remates (todos de fora da área), João Mário teve uma oportunidade flagrante bem travada por Pyatov (30′), Danilo desperdiçou uma bola perdida na carreira de tiro com um tiro a passar perto da trave (31′), Bernardo Silva viu também o guarda-redes ucraniano manter a baliza trancada após jogada individual (33′). Portugal encontrou soluções para tentar visar a baliza mas sempre de fora da área e sem a largura de jogo que poderia desmontar uma estrutura defensiva ucraniana com linhas definidas, sem grande pressão sobre o portador até ao último terço e que foi deixando espaços entre centrais e médios que a Seleção não conseguiu explorar da melhor forma para criar os desequilíbrios necessários.

Para a segunda parte, Fernando Santos trocou João Félix por Gonçalo Guedes na tentativa de ganhar mais pelo corredor central e projetar os laterais para dar a tal largura de jogo em falta. Portugal, globalmente, melhorou. Não por influência direta do avançado do Atl. Madrid mas porque conseguiu que a Ucrânia não tivesse a mesma capacidade de sair em transições e se acantonasse com menos bola no seu meio-campo. Depois, houve um duelo direto entre Ronaldo e Pyatov, sempre com vantagem para o guarda-redes adversário que ia travando como conseguia as tentativa de livre direto (50′) e bola corrida (52′) do capitão português até à substituição que mudou em definitivo a partida e a colocou com um sentido praticamente único: a entrada de Bruma.

Com o extremo do PSV no lugar de João Mário (muito aquém do rendimento que teve por exemplo no Europeu de 2016 e na qualificação para o Mundial de 2018), a Seleção encontrou a largura suficiente para criar outro tipo de problemas na defensiva contrária e foi Bruma que conseguiu “arrancar” a grande penalidade que motivou ainda a expulsão de Stepanenko, deixando Portugal com apenas um golo de desvantagem e mais uma unidade a pouco mais de 15 minutos no final (73′). Danilo ainda teve uma bola na trave nos descontos (90+3′), Ronaldo teve mais dois lances onde podia ter empatado depois de já ter convertido o castigo máximo mas a Ucrânia conseguiu mesmo segurar a vantagem que obriga agora a Seleção a vencer os dois compromissos em falta nesta fase de qualificação (Luxemburgo fora e Lituânia em casa) para depender apenas de si.