A 780 metros de profundidade, debaixo da Cordilheira Cantábrica, quatro espeleólogos portugueses esperam desde sábado que os resgatem de um percurso que demoraria 30 horas a ser concretizado. À frente deles, no último quarto da gruta de Cueto-Ventosa, a chuva inundou três lagos e impediu a progressão. Na melhor das hipóteses, que é também a mais provável, os quatro portugueses devem voltar a ver o luz do dia ainda esta segunda-feira. Na pior das hipóteses, o resgate pode demorar vários dias. Tudo depende do que a meteorologia ditar.
Esta é a gruta mais profunda da Europa, tem uma média de 87 acidentes por ano, um poço vertical com 300 metros de profundidade e 30 quilómetros de uma ponta à outra. Cueto, no topo da montanha, foi encontrada primeiro e foi por onde os portugueses entraram. Ventosa, em baixo, numa nascente, seria o local por onde sairiam. Para passar de um lado ao outro é necessário percorrer um corredor com seis quilómetros. Afinal, Cueto-Ventosa é um labirinto escavado pela água nas rochas calcárias da Cantábria. É num ponto, já localizado, desse labirinto que os quatro membros do Clube de Montanhismo Alto Relevo de Valongo esperam.
Como sobreviver na gruta mais profunda da Europa
Em conversa com o Observador, Pedro Pinto, especialista em espeleologia, explica que os quatro portugueses devem estar “numa zona ampla entre a Galeria do Buraco Soprador e um lago”, muito próximos da profundidade máxima da gruta. Nesta região, explica ele, há três lagos. Numa situação normal, esta região “está parcialmente inundada e obriga à utilização de um fato de neoprene ou de um bote de borracha para os atravessar”. “O que acontece é que, quando a água sobe, os três lagos juntam-se num muito comprido. Torna-se um percurso muito superior”, descreve Pedro Pinto.
Dificilmente terão tentado nadar ao longo do lago, analisa o espeleólogo. Primeiro, porque nestas circunstâncias a água é atravessada por correntes demasiado fortes para serem enfrentadas sem equipamento próprio. E depois porque, ali onde estão, os portugueses têm boas condições para esperar por ajuda: “É uma galeria bastante larga, com sete ou oito metros de largura, muito comprida e alta. Em certas zonas, a galeria deve ter 70 metros de altura”, descreve o espeleólogo, que conhece a gruta.
Também Sérgio Barbosa, vice-presidente da Federação Portuguesa de Espeleoelogia, concorda que os portugueses devem estar numa zona segura:
Estas galerias são maiores que as do metro. Quando estive lá, lembro de apontar a minha lanterna para o topo e não conseguir vero tecto. E é quase como andar no meio de uma avenida, com prédios de um lado e do outro”, descreveu ao Observador.
Além disso, ali dentro, encontrar água limpa não será problema. “Aquilo é uma zona de montanha e não deve ter muita poluição. Mesmo que haja poluição, a chuva é tanta que fica diluída e a água torna-se segura”, explica Pedro Pinto. Além disso, à medida que desce pelas rochas, a água vai sendo filtrada e as impurezas ficam presas nas pedras.
Quanto à comida, os espeleólogos levam sempre alimentos a mais — normalmente com alto valor calórico, comida liofilizada, barras de cereais, frutos secos e doces — numa estratégia para se prepararem para um problema. Por esta altura, a comida já deve ter esgotado, pois normalmente leva-se abastecimento para apenas um dia a mais do que é necessário. Mas isso não ameaça a integridade deles: o humano consegue sobreviver vários dias sem comer, desde que tenha água. E essa há muita. E potável.
O grande desafio é o frio, já que, por norma, os espeleólogos não levam muitos agasalhos além de um fato interior, um fato-macaco exterior, luvas e galochas. É assim porque o esforço físico lhes aumenta muito a temperatura corporal. Agora que estão parados, no entanto, a falta de roupa pode ser um problema para os quatro portugueses:
A preocupação deles será encontrar um recanto mais abrigado porque as circulações de ar são vulgares. A temperatura lá em baixo ronda os 8ºC por estar numa zona montanhosa. E a água está a 6ºC. Essas temperaturas são difíceis de suportar quando se está imóvel. Por isso, devem ter ido à procura de um recanto mais abrigado, com menos correntes de ar”, ensina.
Mas há solução. Segundo Sérbio Barbosa, “os espeleólogos usam umas mantas térmicas de alumínio bastante baratas que preservam muito facilmente a nossa temperatura corporal”: “O ideal é juntarem-se todos, montarem um pequeno bivaque, construirem uma tenda com estas mantas térmicas e ficarem juntos debaixo delas para manter o calor“, descreve.
Plano A para o resgate é “atlético e extenuante”
Neste momento, a estratégia de resgate é enviar uma parte da equipa de resgate pela Ventosa para instalarem uma corda ao longo das paredes da gruta, fixa em distâncias regulares, para progredirem acima do nível da água. Essa é uma hipótese “um pouco atlética e extenuante”, indica Pedro Pinto, mas é a mais promissora porque o nível da água está a baixar a um ritmo de 10 centímetros por hora. Assim, o resgate pode ser feito pela zona mais próxima da saída. Mas exige, ainda assim, 12 a 18 horas de operações.
Portugueses já foram resgatados da gruta. “Estávamos tranquilos. Iríamos sair pelo nosso pé”
No caso de voltar a chover e o nível da água voltar a aumentar, o plano A fica suspenso. E entra em ação o plano B, em que outra equipa está preparada a entrar na gruta por cima, pelo Cueto. Nesse caso, instalam-se cordas desde a entrada até à galeria onde os portugueses estão. Mas essa estratégia também traz desvantagens: obriga a instalar entre 600 e mil metros de corda, o que pode demorar 20 horas.
De uma maneira ou de outra, numa primeira fase, os socorristas devem entregar alimentos aos portugueses e, só quando as energias forem repostas é que o grupo pode prosseguir a pé até à saída da gruta — as zonas inundadas podem ser feitas a nado ou com botes, tal como estava previsto inicialmente. Caso volte a chover e o nível da água não baixar, então os socorristas têm de se preparar para a possibilidade mais demorada, que pode obrigar a pernoitar na gruta.
Obrigar os portugueses a voltarem para trás sozinhos é que já não é uma hipótese. Primeiro porque, ao fim de dois dias dentro da gruta e provavelmente sem alimentação há pelo menos um, eles não têm energia para um percurso tão complexo. E depois porque não têm sequer cordas suficientes para isso: “Eles não transportam tanta corda. Levam o suficiente para percorrerem um troço e, no fim, recuperam a corda para percorrerem o troço seguinte”, descreveu Pedro Pinto.
Questionado pelo Observador sobre o motivo de não se instalarem bombas de extração de água, Sérgio Barbosa explica que é uma opção pouco viável: ”
Para todos os efeitos, a água está a ser escoada, portanto não iam ajudar muito mais. Além disso, eles não estão em risco de afogamento porque estão numa zona seca. Se não há esse risco, a utilização de bombas é posta de parte”.
Chamar mergulhadores para atravessarem o lago e levarem os portugueses também não é hipótese: “Esta água tem uma corrente demasiado forte. Isso colocaria a vida de toda a gente em risco“.
Entretanto, enquanto esperam por respostas, os portugueses continuam sem comunicação com exterior. Já os socorristas estão a usar uma tecnologia chamada Tedra que permite a transmissão de ondas eletromagnéticas através da humidade da rocha. Para tal, pregam uns elétrodos no terreno, ligados por um cabo amarelo, exatamente iguais aos que os socorristas à superfície têm. A voz é transmitida de um lado para o outro, o que permite às equipas comunicarem em tempo real, sem necessidade de suspender o resgate.