A tensão entre Frederico Varandas e as claques do Sporting, nomeadamente a Juventude Leonina, não é recente mas também não começou na altura das eleições. Aliás, vários elementos ligados à claque (de forma mais direta ou indireta) estiveram na campanha do atual presidente leonino. No entanto, também não é propriamente nova, bastando para isso recordar o episódio que se passou em Londres quando os leões então orientados pelo interino Tiago Fernandes frente ao Arsenal – de visita ao Núcleo da capital londrina, e sem que o número 1 do clube se tivesse apercebido desse “incidente”, os elementos da claque presentes abandonaram o local. Agora, em 2019, surgiram os capítulos para a rotura total numa história que está longe de ter conhecido o ponto final.

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“Este é o ano mais crítico da existências das claques, é um ano de tolerância zero por causa do ataque em Alcochete. Disse às claques: ‘Ajudem-me a ajudar-vos’. Fiz parte de uma claque, gosto delas mas elas têm de existir para ajudar o clube e não para prejudicar. Nisso não vou facilitar”  comentou Frederico Varandas há quase um ano, no final de outubro, em entrevista no podcast de Daniel Oliveira “Perguntar Não Ofende”. Depois desta intervenção, houve a viagem a Londres, a chegada de Marcel Keizer, uma série de sete vitórias consecutivas (e com muitos golos marcados), o triunfo na Taça da Liga. Em fevereiro, numa conferência para fazer uma espécie de Estado da Nação verde e branca, as claque voltaram a ser tema no discurso do líder leonino.

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“De acordo com a auditoria, as claques tinham direito a 865 bilhetes grátis e podiam comprar 1000 ao preço mais barato, além de recebem 50% da quotização dos sócios inscritos nas claques. Desde 2013, a dívida passou de 115 mil euros para 746 mil, sendo quase tudo da Juve Leo”, salientou, prosseguindo: “É legítimo criticarem a exibição da equipa? É. Mas também é legítimo criticar a claque. Não gostei da atitude nos dois últimos jogos em casa. Querem um grupo com maior talento da formação? Nós também. Mas sabem a principal razão de não termos um grupo assim? Eu lembro: 15 de maio de 2018. Hoje quando o clube se está a reerguer, voltámos a receber ameaças intimidatórias. Há elementos de claques a protestarem com sócios anónimos.  Nos anos 90 fiz parte da Juventude Leonina. Havia excessos mas um amor puro pelo clube, um dar sem receber. Hoje não reconheço esse espírito. Vejo um negócio. Enquanto aqui estiver, o Sporting não será refém de ninguém”.

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A partir daí, e sobretudo desde o final da temporada com a conquista da Taça de Portugal em futebol frente ao FC Porto, os focos de tensão foram aumentando, tendo chegado a um ponto extremo no último jogo da equipa de futsal no Pavilhão João Rocha, com uma invasão (pacífica) de elementos da Juventude Leonina do topo para a bancada central para criticarem o presidente do Sporting mais perto da zona da tribuna antes de uma espera junto  à saída do recinto que obrigou a viatura de Frederico Varandas a abandonar o local com escolta policial, numa noite onde o carro do vogal para as modalidades, Miguel Afonso, sofreu vários danos. Essa acabou por ser a gota de água que levou à quebra de protocolo do Sporting com as claques Juventude Leonina e Directivo Ultras XXI mas aquilo que poderia soar a fim de batalha mais não foi do que outro capítulo numa guerra em aberto.

A pressão sobre os jogadores, as AGs e as duas invasões

Frederico Varandas começou a ser mais contestado nos últimos dois meses, sobretudo a partir da derrota dos leões com o Rio Ave para a Taça de Liga que levou à saída de Marcel Keizer. Não gostando, consegue “conviver” com isso, tal como mostrou na última Assembleia Geral onde terminou a derradeira intervenção a enviar “beijinhos” aos contestários. No entanto, o líder sempre sentiu que os jogadores ainda continuavam a ser pressionados através das redes sociais, com o episódio mais quente a registar-se na receção ao líder Famalicão, em que cerca de duas a três dezenas de adeptos tentaram invadir a zona da garagem com acesso aos carros dos jogadores.

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Em relação à contestação nos jogos de futebol, as manifestações mais “mediáticas” em termos públicos, sempre houve a perceção de que as mesmas estariam sempre muito relacionadas com os resultados desportivos – porque em muitos momentos em Alvalade, quando se ouviam cânticos vindos do topo sul surgiam de imediato assobios de outras bancadas ao sucedido, à exceção do encontro com o Famalicão, por exemplo. Já sobre as tarjas que surgiam em pontes ou viadutos, como aconteceu no Algarve antes da partida com o Portimonense ou no Norte por altura do jogo com o Desp. Aves, pouco ou nada se podia fazer. Depois, existiam as Assembleias Gerais. E a última, que teve uma votação favorável do Relatório e Contas mas com menos votantes, foi a última gota de água.

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Logo no início dessa Assembleia Geral, Rogério Alves, líder da Mesa, falou em “alteração dos estatutos”. E tendo em conta o calendário do próximo Congresso Leonino, a 16 e 17 de novembro em Beja, a ideia passava por ponderar as soluções possíveis para travar aquilo que são apelidadas de “minorias de bloqueio”, que numa votação com cerca de 2% dos associados habilitados para tal poderiam quase virar um resultado final. Conseguindo aprovar esse novo método, os sufrágios seriam diferentes. Em paralelo, a abertura de vários processos por parte do Conselho Fiscal e Disciplinar poderia servir como travão às críticas que se acentuaram na última reunião magna. No entanto, o último sábado veio acelerar o processo de corte com duas das quatro claques, num comunicado mais abrangente e que foi decidido nessa noite depois dos episódios ocorridos no Pavilhão João Rocha.

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“Esta resolução é determinada em virtude da escalada de violência que ontem [sábado] culminou com tentativas de agressões físicas a dirigentes e a outros adeptos do Sporting. Regista-se também o incumprimento sistemático, por aqueles Grupos Organizados de Adeptos (GOA), das diversas obrigações (…) A resolução é determinada por aqueles GOA terem vindo a faltar sistematicamente no apoio devido aos atletas do Sporting, nomeadamente da equipa principal de futebol, razão primeira da celebração dos referidos protocolos (…) O presente do clube é também uma consequência do seu passado. Os crimes cometidos em Alcochete e que se traduziram no maior ataque desportivo, financeiro e humano ao Sporting estão na memória de todos e a história não se apaga (…) Esta é uma questão em que os sócios e adeptos do Sporting devem estar unidos. É altura de dizer basta. É altura de tomar uma posição”, defendeu o clube para justificar a quebra da ligação com Juventude Leonina e Directivo Ultras XXI.

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As alterações no protocolo com as claques, os maus resultados desportivos e a tensão existente há muitos meses entre ambas as partes levaram a esta posição mais “radical” que, ao mesmo tempo, quase que chama os restantes associados para se unirem em torno da decisão. Soube-se entretanto que Juve Leo e Directivo não poderão levar qualquer material entre tarjas ou bandeiras para o estádio mas que, para já, não terão de sair dos espaços que ocupam dentro do estádio. Além disso, haverá a perda dos preços especiais e de um maior número de prestações, mais as coreografias comuns que sejam feitas em alguns jogos ou o valor dos ingressos que constava no protocolo.

Carência de conhecimento, bodes expiatórios e “os dirigentes que passam”

Através de um comunicado partilhado na página oficial do Facebook com uma fotografia onde se vê a tarja num jogo antigo que diz “Os dirigentes passam, a Juve Leo fica”, a principal claque verde e branca respondeu de forma dura ao que tinha sido defendido na véspera pela Direção do Sporting, considerando que havia necessidade de ter um bode expiatório para justificar os erros e mostrando-se contra qualquer tipo de violência. Objetivos? Defender-se das críticas e ligações ao ataque à Academia, e colocar o enfoque nos erros de gestão desportiva. Em paralelo, e num ponto importante, defende que a contestação já se tornou um fenómeno transversal a todos.

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“A contestação que atualmente se faz notar provém dos adeptos em geral, e não em particular de nenhuma claque, e dirigida à atual direção. O apoio aos jogadores e equipas técnicas é incontestável. Será do apoio ou da má gestão que tais resultados têm sido recorrentes? É do apoio ou da má gestão que se prepara uma época com amadorismo e se vendem titulares no último dia do mercado, sem que se informasse sequer esses mesmos jogadores? É do apoio ou da má gestão que se perde uma Supertaça por números absurdos e aparece um presidente a dizer que não está preocupado? E quando existem resultados ininterruptamente negativos e lesivos à boa imagem do Sporting? (…) É confrangedor assistir à carência de conhecimento das pastas do clube, são confrangedoras as entrevistas dadas, por manifestamente não terem conhecimento do que falam; do discurso pré-preparado sem qualquer conteúdo; da incapacidade sequer de articularem uma frase com principio meio e fim. É mau demais para ser verdade”, referiu o supracitado comunicado, numa primeira resposta ao fim do protocolo.

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“Num momento em que tudo serve para afastar do espaço mediático as merecidas críticas e a contestação a uma gestão danosa dos destinos do clube e da SAD, não deixamos de registar e lamentar o timing escolhido para a publicação do comunicado, numa clara tentativa de camuflar a crise vivida e, em especial, a vergonhosa eliminação da Taça de Portugal, retirando estes temas da habitual discussão televisiva de domingo à noite, fazendo das ‘claques’ o bode expiatório ideal”, acrescentou o Directivo Ultras XXI, também em comunicado.

90 minutos de apoio, alguns assobios pela exibição e a música para Varandas

Na antecâmara do primeiro encontro em Alvalade, neste caso no Pavilhão João Rocha, depois do final do protocolo com as duas claques, foram conhecidas as regalias previstas no acordo que tinham chegado ao fim. Exemplos? As Gamebox de estádio ou pavilhão perderam o acesso a preços especiais, deixaram de poder ser compradas em mais prestações do que os outros associados, houve ainda o fim dos subsídios de viagens, o epílogo na participação nas coreografias comuns e os ingressos previstos no protocolo. As claques, não concordando sobretudo com a parte das Gamebox, marcaram presença em força no hóquei em patins comprando ingressos.

Ao contrário do que se tinha passado uns dias antes no encontro do futsal, aquilo que se viu foi um topo Sul do Pavilhão João Rocha sempre a apoiar a equipa, sem um único cântico contra os atuais dirigentes (o presidente Frederico Varandas não marcou presença nessa partida com a Oliveirense) e a merecer mesmo aplausos de pé dos cativos que se encontravam na bancada central, num ambiente de fervor clubístico como há muito não se via. No entanto, a grande preocupação dos responsáveis passava pelo encontro com o Rosenborg, até por tratar-se de um evento organizado pela UEFA e para o qual foi utilizada uma política de “tolerância zero” – tal como já tinha acontecido na véspera na Academia, em Alcochete, onde a GNR marcou presença por uma questão de precaução também por ter conhecimento das ameaças feitas por exemplo a Frederico Varandas.

Sem Varandas, sem tarjas, sem protestos – e com a central a cantar com as claques do Sporting no hóquei

A cerca de duas horas do início do jogo, e ao contrário do que costuma ser normal mesmo em partidas realizadas a meio da semana, a zona junto à Casinha da Juventude Leonina tinha apenas duas dezenas de elementos, tal como acontecia no espaço do Directivo Ultras XXI. Cedo se percebeu que todos os temores de possíveis focos de tensão estavam esvaziados, ainda para mais com o forte dispositivo policial que estava montado dentro e fora do estádio – aliás, foi esse excesso de elementos de segurança, a pedido do próprio clube, que ia motivando críticas de quem acedia ao estádio José Alvalade. “Vai haver alguma guerra civil?”, chegou a perguntar-se.

No topo Sul, onde entretanto tinha sido retirado o palanque junto da Juventude Leonina para quem comanda os cânticos da claque, voltou a assistir-se a um filme muito semelhante ao que já tinha acontecido no jogo de hóquei em patins: 90 minutos quase sempre a apoiar a equipa (com uns assobios pelo meio mas que foram transversais a todo o estádio, quando as coisas não saíam como deviam em mais uma exibição muito aquém do Sporting apesar da vitória), nenhum cântico contra a Direção do clube. Nuances, essas, só aquelas que serviram para contornar o final do protocolo, como as várias t-shirts que juntas fizeram as palavras Juventude Leonina; ou uma bandeira da claque, colocada na parte da frente quase que a marcar uma posição em relação ao sucedido.

No final, aí, o cenário foi bem diferente: num ato que começou na zona da Juventude Leonina mas alastrou-se às outras claques, os adeptos leoninos puxaram de lenços brancos (ou camisolas, em alguns casos) para focaram as suas atenções na tribuna e visarem mais uma vez o presidente do Sporting. “E oh Varandas / O que é que fazes aqui? / A presidência não é lugar para ti / O nosso amor é o Sporting allez allez oh”, a música que já tinha sido entoada no encontro de futsal de sábado com os Leões de Porto Salvo, voltou a ser cantada durante alguns minutos, alternando apenas com os momentos em que a música subia de tom. Quando os jogadores agradeceram o apoio, ouviram-se palmas, quase que deixando o plantel de lado numa guerra que está bem longe de acabar.