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Pague um, leve 22: o Nave Nove traz o melhor da Galiza ao Porto

Este artigo tem mais de 5 anos

O "Grupo dos Nove", colectivo de cozinheiros galegos, juntou-se para desenvolver um menu único para apresentar no restaurante que abre esta sexta-feira no Porto e se prolonga até 17 de novembro.

5 fotos

A História

Flashback para 2003: Estamos na Galiza. A revolução gastronómica de Ferran Adriá já tinha arrancado, os olhos do mundo estavam postos na gastronomia espanhola e, precisamente por causa disso, um grupo de nove cozinheiros da Galiza decidem juntar-se, de livre e espontânea vontade, para promover o seu trabalho e a sua região. E que trabalho era esse? A vanguarda, a rutura com o clássico, a aposta no melhor da sua terra e nos pequenos produtores. Marcelo Tejedor (da Casa Marcelo, em Santiago); Pepe Solla (do Casa Solla, em Poio-Pontevedra); Xosé T. Cannas (do Pepe Vieira, no  Camiño da Serpe de Poio); Eduardo Pardo (do Domus, na Coruña); Javier Rodríguez (do Taky, também na Coruña); Manuel Chaves (do Sada); Xoán Crujeiras (do Estación de Cambre); Miguel Silvarredonda (da Casa Arrueiro) e Javier González (d’A Rexidora de Ourense) foram estes cozinheiros/mosqueteiros que lançaram o repto e que hoje vêm o seu coletivo crescer para 22 chefs, oito estrelas Michelin incluídas pelo meio.

De volta a 2019, em meados de outubro, vemos a decisão de criar algo inovador: um restaurante efémero (abre esta sexta-feira, 25 de outubro, ao público, e encerra a 17 de novembro) onde os 22 astros galegos criaram um menu único, e por aqui não cabem pratos “transladados” dos seus restaurantes mas sim receitas feitas com a influência de todos, do zero. Em poucas palavras é nisto que se traduz o novo Nave Nove (por mais cacofónico que soe).

O Grupo dos Nove em peso na zona da Ribeira, Porto. D.R.

“A ideia foi criar um restaurante que mostrasse a nossa identidade comum, os sabores e os produtos da nossa região”, conta ao Observador Javier Olleros, o chef do estrelado Culler de Pau, minutos antes da apresentação do projeto começar. O mesmo Olleros, um dos mais destacados (a par de Pepe Solla ou Pepe Vieira, por exemplo) do grupo, explica que tudo isto foi um desafio grande — “nunca tivemos um restaurante cá e não conhecíamos a cidade bem o suficiente para encontrar fornecedores e coisas assim” — mas uma alegria enorme ao mesmo tempo. “É ótimo dar a conhecer o nosso trabalho!”, rematou.

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O Espaço

Nota importante: o hotel Carrís Porto Ribeira não tem nada a ver com a companhia de caminhos de ferro nacional. As palavras são parecidas mas neste caso diz respeito a uma cadeia de hotéis da Galiza que teve neste projeto ribeirinho uma estreia em território “estrangeiro”. É precisamente neste quatro estrelas junto ao Hard Club, no Porto, que o antigo restaurante Forno Velho foi transformado no Nave Nove.

Desengane-se quem achar que tem de passar por algum tipo de lobby ou átrio para se poder sentar à mesa — existe uma entrada independente, virada para a rua, a poucos metros do rio Douro. O hotel era um conjunto de vários edifícios e por isso, quando todas essas construções foram transformadas numa só, a pequena viela que as dividia passou a fazer parte da família e ainda bem. Para chegarmos ao Nave Nove é preciso percorrê-la, descer uns degraus de granito que — dado que aqui só se servem jantares — ganham uma mística diferente com o escuro da noite e as luzes estrategicamente colocadas para deixar algum espaço à imaginação.

A sala de refeições deste novo (e temporário) Nave Nove. D.R.

Antes de se sentar à mesa há uma espécie de antecâmara onde são servidos os aperitivos, juntamente com a sua escolha de cerveja ou vinho — ambas as opções exclusivamente galegas, claro. Estamos numa sala de pé direito altíssimo, toda em granito (o denominador comum de toda a decoração), com uma banca ao meio, larga o suficiente para se pousar uns copos. Uns lances de degraus mais a baixo fica o Nave Nove propriamente dito. “Quisemos mudar umas quantas coisas no espaço quando ficou certo que íamos seguir em frente com este projeto. Nada de muito radical, umas coisas mais cirúrgicas”, conta uma responsável dos Nove. Ela falava da pintura nova e escura das paredes que contrasta com os já existentes arcos em granito, por exemplo. Do desimpedir das enormes janelas que dão para o saguão de onde viemos, das novas cadeiras e mesas em madeira clara — até dos candeeiros vermelhos e brancos, com ar futurista, que mais parecem estreitos ramos de árvore. Vermelho, preto e branco dominam o ambiente.

A Comida

Mar. Muito, muito mar. Quem não estiver minimamente familiarizado com a base gastronómica galega pode ficar logo ciente de que peixe e marisco são reis. Geograficamente são privilegiados — a famosa Costa da Morte que o diga — e isso, como seria de esperar, é influência grande na sua gastronomia (não esquecer também que a proximidade a Portugal faz com que haja algumas semelhanças também entre os dois lados da fronteira). Tudo isto, neste Nave Nove, traduz-se no facto de haver muito pouca carne no menu único que aqui vai estar em vigor (não há opção à carta).

Os pequenos snacks que servem de entrada. Vieira com molho de gengibre, berbigão com espuma de vermute e lingueirão com molho holandês de pimentão. D.R.

Durante o jantar de apresentação à imprensa os comensais ficaram espalhados por várias mesas grandes e todas tinham pelo menos um dos “Nove” a fazer companhia. O Observador ficou na de Iván Dominguez, o mais novo dos chefs deste grupo de cozinheiros que abriu em fevereiro deste ano o seu NaDo, restaurante na Corunha totalmente dedicado ao mar. Foi ele o cicerone da noite. “A Galiza vive um momento fantástico em tudo o que tenha a ver com gastronomia. Por isso mesmo sentimos que era um ótimo momento para pegar nesta grande equipa e atracar [‘Nave’, em galego, significa ‘Navio’] o Nave Nove no Porto”, explicou logo no início da refeição, assim que foram servidos os aperitivos — uma seleção de marisco composta por berbigão com espuma de vermute, lingueirão com um molho holandês de pimentão e a vieira com molho de gengibre.

A maior parte dos produtos utilizados vem da Galiza, ninguém o esconde, mas Iván explica que as receitas não são estanques: “Passámos pelo Bolhão e ficámos muito bem impressionados com a qualidade dos vegetais, vamos querer usá-los consoante aquilo que for fazendo sentido e estiver bom nesse momento. No prato de peixe azul, por exemplo, também vamos ter margem de manobra para ir experimentando espécies diferentes, vossas”, afirma. Antes de se chegar ao momento de que falava, o do peixe azul com pimentos em pickle e escabeche anizado, foi servido ainda o caldo de cozido — esse mesmo, igual ao nosso, super intenso e guloso — e uma espetacular combinação de lavagante (que foi passado por uma leve salmoura líquida) com vinagrete de maracujá e alga codium (“nós chamamos-lhe, a brincar, o percebes dos pobres, sabe quase à mesma coisa!”).

“Temos aqui connosco na cozinha uma equipa de seis pessoas, são eles que vão cá ficar o tempo todo e nós vamo-nos revezando. Eu vou ficar por cá primeiro, depois virá algum para o meu lugar, vamos estar sempre a trocar. Mas o pessoal que vamos ter aqui são quatro cozinheiros ‘nossos’ e dois de cá. O pessoal de sala também é metade ‘nosso’ metade de cá. Achámos que era um bom equilíbrio”, conta o mesmo Iván enquanto esperávamos pelos pratos seguintes — primeiro a pescada com cinza de alho francês, ajada picante (um molho típico galego feito à base de pimentão) e salsa verde; depois um impecável filete de salmonete com molho de caldeirada, couve-galega e cebola. Como toda esta experiência pretende recriar ao máximo aquilo que se pode encontrar na Galiza faz sentido este critério na escolha de staff. “Queremos criar algo realmente imersivo”, afirma o mesmo cozinheiro que começou a sua formação na Marinha espanhola, chegou a estar “na guerra”, como o próprio disse, e só depois entrou no mundo do fine dining. Até todos os vinhos vêm todos da Galiza.

O prato de couve recheada de cogumelos, castanha e porco. D.R.

Na reta final da refeição chegam os momentos de carne, primeiro com uma espécie de carpaccio de vaca Cachena (espécie que existe tanto na Galiza como no norte de Portugal, na zona do Minho) com pickles, e um surpreendente e outonal repolho recheado com cogumelos, castanha e carne de porco, tudo embrulhado quase como se fosse um taco mexicano. A passagem para os doces fez-se com um momento de degustação de queijos galegos, antes de chegar uma combinação subtil de castanha, maçã, café e merengue. Ponto final.

Regiões como o País Basco ou a Catalunha têm muita fama no terreno gastronómico — e com razão. Contudo, é justo perceber que há mais em Espanha para conhecer e a Galiza é um ótimo exemplo disso. Junta excelente produto com vontade de inovar e, no meio disso, tem na união entre cozinheiros, novos e velhos, uma força capaz de continuar a desbravar caminho. Esta Nave Nove é um exemplo disso e, como se instalou em território português, acaba por ser ainda bom motivo para recuperar um slogan de outros tempos: “Vá para fora, cá dentro”. Ou melhor, “saír, por dentro“, como diriam os nossos vizinhos galegos.

O que interessa saber

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Nome: Nave Nove
Abriu em: Outubro de 2019
Onde fica: Rua do Infante Dom Henrique, 1, Porto
O que é: É um restaurante pop-up dos 22 chefs galegos (!) que compõem o grupo dos Nove. É a hipótese única de provar a comida que estes cozinheiros (oito deles com estrela Michelin) pensaram de propósito para este evento.
Quem manda: O grupo dos Nove
Quanto custa: O menu completo (11 momentos) custa 90€ por pessoa, 120€ com o pairing de vinhos
Uma dica: Não perca mesmo esta oportunidade de conhecer o trabalho deste grupo talentoso que por muito que more “mesmo aqui ao lado”, não deverá repetir eventos deste género muito mais vezes
Contacto: 604 07 51 72
Horário: De terça-feira a domingo, das 19h30 às 21h30
Links importantes: Facebook, Instagram, Site

“Cuidado, está quente” é uma rubrica do Observador onde se dão a conhecer novos restaurantes

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