A mulher que foi esta sexta-feira detida em Lisboa por suspeita de tentativa de homicídio qualificado do bebé abandonado num contentor de lixo perto da discoteca Lux, em Santa Apolónia, ficou em prisão preventiva, confirmou ao Observador fonte da PJ. O recém-nascido, que ainda não foi registado mas que já ganhou o nome de “Salvador”, será entregue a uma instituição, segundo a Procuradoria Geral da República.
A suspeita, portuguesa e de origem africana, foi detida durante esta madrugada de sexta-feira pela Polícia Judiciária. A PJ “identificou, localizou e deteve uma mulher, de 22 anos de idade, por fortes indícios da prática de homicídio qualificado, na forma tentada, vitimando uma criança do sexo masculino, recém-nascido, seu filho”, informou aquela polícia em comunicado. A mulher foi presente a um juiz de instrução ainda esta tarde e ficou em prisão preventiva. Ficará na cadeia de Tires a aguardar julgamento.
Segundo a Procuradoria-Geral da República, o Ministério Público do Juízo de Família e Menores de Lisboa instaurou um processo de promoção e proteção a favor da criança e ficou decidido que o bebé será, para já, entregue a uma instituição de acolhimento. “No âmbito desse processo, e na sequência de requerimento do Ministério Público, o juiz decidiu aplicar ao bebé a medida cautelar de acolhimento residencial, a designar logo que este tenha alta clínica”, disse fonte oficial por escrito. Só depois será “delineado o projeto de promoção dos direitos e de proteção da criança” que poderá, culminar na adoção.
Em conferência de imprensa, ao meio-dia desta sexta-feira, a Polícia Judiciária adiantou que o parto foi tido na via pública e que a mulher não deu depois entrada em qualquer centro de saúde ou estabelecimento hospitalar.
Aos jornalistas, o diretor da Diretoria de Lisboa da PJ, Paulo Rebelo, recusou avançar com mais detalhes sobre a identidade da suspeita. O Observador apurou que se trata de uma mulher de nacionalidade portuguesa com origem africana.
O jornal Expresso detalha que o abandono da criança foi um ato lúcido e planeado e que foram as imagens de videovigilância captadas por uma câmara do Terminal de Cruzeiros de Lisboa que permitiu identificar a suspeita — informação que a PJ também não confirmou oficialmente.
Paulo Rebelo limitou-se a descrever a suspeita como “uma pessoa que vive em condições precárias na via pública”, sem antecedentes criminais, que, “na sequência de uma gravidez que teve e que nunca declarou nem manifestou a ninguém, veio a ter o parto e a abandonar o recém-nascido nas condições que são conhecidas”.
O responsável da PJ acrescentou que a mulher não resistiu à detenção e “não apresentava sinais de consumo de droga, estava consciente e sem nenhuma alteração específica aparente do seu estado emocional”.
Já sobre o pai da criança, Paulo Rebelo afirmou que, tanto quanto se sabe, “não se encontra na cidade nem na região”.
Detida esta madrugada, a mulher vai ser presente a primeiro interrogatório, “no qual será sujeita à aplicação das medidas de coação processual adequada”.
O bebé foi encontrado na terça-feira por um sem-abrigo num caixote do lixo, junto a uma discoteca em Lisboa, em estado de “hipotermia grave”, tendo sido transportado “em estado de fragilidade” para o Hospital Dona Estefânia.
A detida poderá ser condenada pelo crime de exposição ao abandono do menor ou infanticídio, segundo as declarações feitas pela PSP na quarta-feira.
Marcelo quer visitar bebé na companhia do homem que o encontrou
Marcelo Rebelo de Sousa, que ontem esteve a abraçar Manuel Xavier, o homem que encontrou o bebé no ecoponto, voltou a admitir nesta sexta-feira de manhã a possibilidade de visitar o bebé na Maternidade Alfredo da Costa juntamente com o sem-abrigo, depois de se articular com a ministra da Saúde.
Questionado pelos jornalistas durante uma visita ao hospital Curry Cabral, o Presidente da República elogiou novamente o gesto de Manuel Xavier que salvou o recém-nascido, chamando a atenção para “realidades sociais muito fortes”: a do sem-abrigo, “a de uma maternidade que se sabe também é sem-abrigo, uma maternidade sofrida ao ponto de haver aquela situação que todos conhecem” e “o sinal de esperança no sentido da salvação daquela criança”.
A ministra da Saúde, Marta Temido, também já falou sobre o caso, assegurando que “as entidades prestadoras de cuidados de saúde estão obviamente perfeitamente habilitadas a lidar com este tipo de casos e elas são as primeiras interlocutoras com as outras estruturas, quer da Justiça, quer da Segurança Social”. Marta Temido afirmou ainda que o processo “será feito com toda a preservação daquilo que são os direitos maiores desta criança e também a sua privacidade”.
“A criança permanecerá nos cuidados de saúde enquanto precisar de cuidados de saúde. Depois, intervirão as outras estruturas, quer ao nível dos vários ministérios, da Justiça e ao nível da própria Segurança Social, os institutos de proteção e apoio à criança, no sentido de encontrar uma família, uma instituição que proteja os direitos da criança”, acrescentou a ministra da Saúde.
Há famílias disponíveis para acolher a criança
Para já, de acordo com o semanário Expresso, há três famílias identificadas pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) disponíveis para acolher a criança e que já foram previamente selecionadas como tendo condições para o fazer. Ao Observador, a SCML confirmou que tem recebido dezenas de telefonemas de famílias a disponibilizar-se para acolher o bebé, mas o mais provável é que não seja nenhuma delas a ficar com a criança, uma vez que o processo de seleção de uma família para fazer parte do grupo de famílias de acolhimento é bastante demorado.
A SCML disse, também, que a criança não deve ser devolvida à mãe e que existem três opções. “Cada caso é um caso”, e como tal uma das opções é um familiar “caso haja condições para isso”, outra é a entrada da criança numa das casas da SCML para crianças nestas condições ou, em alternativa, uma família de acolhimento, sendo que há um processo de qualificação demorado e uma base de dados com “centenas de famílias qualificadas” numa lista “com muitos anos de espera”.
Já a presidente do Instituto de Apoio à Criança, Dulce Rocha, defendeu em declarações ao Observador que no “horizonte deve estar sempre a adoção”: “Colocar a criança numa instituição parece-me triste”. A questão é ainda mais premente porque se trata de um recém-nascido que não tem ainda quaisquer vinculações, designadamente ao nível dos registos legais.
Dulce Rocha antes de mais é necessário que se faça uma averiguação sobre o que se passou nesta história, que tipo de situação vivia a mãe, se sofre de doenças mentais — e, sobretudo, é preciso perceber se existe mais família, para não se estar a entregar a criança a alguém e, depois, “aparecerem, por exemplo, uns avós a dizer que querem a criança”.
Todos os casos são diferentes, mas “muitas vezes não há apoio familiar”. Porém, há “casos em que a família pode surgir a dizer que a última vez que a viu [a mãe] não sabia que estava grávida” e, portanto, a reivindicar direitos sobre a criança. Esse é o tipo de situações que têm de ser evitadas, daí existir um protocolo legal detalhado para casos como este.
PJ já investigou vários casos semelhantes
A Polícia Judiciária já tinha sublinhado que acredita que quem abandonou o bebé naquele contentor do lixo tinha a intenção de matar a criança — estando por isso a investigar o caso como uma tentativa de homicídio.
Não é a primeira vez que a PJ tem de investigar um caso com estes contornos. Nos últimos dez anos, a polícia investigou vários casos de bebés mortos pelas próprias mães logo após o parto, em situações muito distintas.
Como a polícia desvendou cinco casos de mães que mataram e esconderam os seus filhos à nascença
O Observador conta aqui como a PJ investigou cinco casos.
Em atualização