Um ano e meio depois do ataque à Academia do Sporting, arrancou esta segunda-feira de manhã, no Tribunal de Monsanto, o julgamento de 44 adeptos, entre eles o ex-presidente Bruno de Carvalho, acusados de crimes relacionados com terrorismo. Só um dos 43 arguidos presentes, neste caso o oficial de ligação Bruno Jacinto, se disponibilizou a falar nesta primeira sessão. Todos os outros disseram que agora não era o momento, contrariando o que alguns advogados contactados pelo Observador disseram há uma semana.
A juíza presidente Sílvia Pires começou por chamar os arguidos um a um para a identificação. Apenas o ex-líder da Juve Leo, Fernando Mendes, faltou por motivos de saúde. O último a ser chamado foi Bruno de Carvalho, que está sentado sozinho na última fila da antecâmara do Tribunal do Monsanto destinada aos arguidos. Uma zona que está fechada a vidro e repleta de segurança, à semelhança do processo que levou à criação deste tribunal, o das FP25. Ao identificar-se perante a juíza, e depois de lhe perguntarem qual a sua atividade profissional, o ex-presidente do Sporting disse: “faço comentários desportivos”.
Ao lado da juíza presidente estão outras duas mulheres: as juízas Fátima Almeida e Dora Fernandes. A quarta mulher que está de frente para os advogados, numa ala separada da dos arguidos, e depois do público: é a procuradora do Ministério Público, Fernanda Matias.
Bruno Jacinto foi, para já, o primeiro a sentar-se perante elas para falar. Explicou que como oficial de ligação fazia a ponte entre adeptos e a direção do clube. Além disso, fazia, também, a ligação com a PSP por causa da deslocação de adeptos.
No tribunal, Bruno Jacinto diz que soube que os adeptos iriam à academia de Alcochete porque estavam descontentes com os resultados que tiraram o Sporting da Liga dos Campeões. Mas, garantiu, não sabia os contornos exatos do que ia acontecer — aliás, lembrou, desde que a academia foi criada, em 2004, os adeptos já tinham ido lá uma media dúzia de vezes. Uma das juízas ainda lhe perguntou se não tentou impedir, ou se não lhes disse para esperarem que falasse com a direção, mas Jacinto deu a entender que tal extravasava as suas funções.
Este oficial conta, também, que avisou o diretor de segurança da academia, Ricardo Gonçalves, no dia do ataque, 15 de maio. Foi pelas 16h45 que esse aviso foi feito, ao que Ricardo Gonçalves terá perguntado sobre o que é que os adeptos iam lá fazer à academia. “Vão questionar os jogadores, sobretudo Acuña, Bataglia e Rui Patrício”, que tinham entrado numa azeda troca de palavras com os adeptos da Madeira.
Quando Bruno Jacinto chegou ao local, encontrou um grupo de cinco adeptos, entre os quais Fernando Mendes, “Aleluia” e Nuno Torres. Estavam todos a falar com William de Carvalho. Passados 30/40 minutos dessa conversa, Nuno Torres terá pedido boleia a Bruno Jacinto até ao Montijo, para ir buscar o seu carro — o BMW azul que, mais tarde, entraria na academia.
Bruno Jacinto, a pedido das juízas, recordou ainda uma conversa que ouviu do líder da Juve Leo, Nuno Mendes (Mustafa), no aeroporto da Madeira, depois de uma derrota do Sporting dois dias antes do ataque. Uma conversa em que ele terá dito que o então presidente Bruno de Carvalho lhes tinha dito para fazerem o que quiserem.
A sessão foi interrompida para almoço mas Bruno Jacinto já está, novamente, a ser inquirido.
O responsável indicou que a nova direção do Sporting lhe pediu para fazer um relatório acerca do que aconteceu. O memorando que foi apreendido em casa do arguido. Bruno Jacinto revelou, também, que foi contactado por um spotter da PSP que queria saber se, tanto quanto ele sabia, alguém ia à academia de Alcochete. No dia anterior, já tinha sido informado do que ia acontecer — ou seja, Bruno Jacinto terá omitido informações da PSP quando era uma das suas funções, enquanto oficial de ligação.
Bruno de Carvalho pede dispensa das sessões por não ter meio de transporte próprio e por estar completamente “depauperado”
Bruno de Carvalho pediu dispensa das sessões por não ter meio de transporte próprio, por trabalhar duas horas de manhã e à tarde e por estar completamente “depauperado”, diz o advogado Miguel A. Fonseca à juíza. O pedido foi concedido. O ex-presidente do Sporting só voltará ao tribunal para as alegações finais do Ministério Público. Há mais arguidos a pedirem dispensa das audiências do tribunal, por viverem longe e/ou por estarem a trabalhar.
À saída do tribunal, questionado pelos jornalistas sobre se saía satisfeito, Bruno de Carvalho interrogou: “Alguém pode sair satisfeito de um julgamento?”. Sobre as declarações de Bruno Jacinto, o único arguido que se disponibilizou para falar esta segunda-feira, disse: “Para quem ouviu como deve ser o que foi dito, tudo normal. Para quem não ouviu, não. Faz uma grande parangona e vai inventar mais outra vez”.
Em relação à reconstituição do que aconteceu em Alcochete, Carvalho disse que gostava que ficasse provado que, se “as pessoas foram avisadas, os jogadores podiam ter sido colocados em segurança. Mas para isso é preciso que o coletivo de juízes tenha conhecimento in loco daquilo que é a academia, da facilidade que tinha sido colocar os jogadores em segurança. E aí não é uma responsabilidade que possam assacar ao antigo presidente do conselho de administração da SAD”.
Bruno de Carvalho disse ainda que falaria quando achasse “relevante”. “De certeza absoluta que durante este julgamento vou falar.”
O julgamento do caso de Alcochete terá um total de três sessões semanais até ao final do ano, passando para duas em janeiro de 2020.
O ataque foi planeado através de grupos de mensagens de WhatsApp que os comprometem, como se pode ver nas 94 que publicamos de seguida. Mas apesar da gravidade dos crimes, a juíza autorizou que alguns deles trabalhem ou estudem fora de casa, mesmo estando em prisão domiciliária e tendo em conta a gravidade dos crimes.