“Tristeza e alegria na vida das girafas”, filme de Tiago Guedes sobre a “dor de crescimento” de uma criança num país em crise, e o documentário “Turno do dia”, de Pedro Florêncio, chegam esta quinta-feira às salas de cinema portuguesas.

O filme de Tiago Guedes, que teve estreia mundial no Festival Internacional de Cinema de Guadalajara, no México, na Competição Internacional de Longas-Metragens, em março, é uma adaptação da peça de teatro homónima, de Tiago Rodrigues, apresentada pela primeira vez na Culturgest, em Lisboa, em 2011, numa produção da companhia Mundo Perfeito.

Tiago Guedes acompanhou todo o processo da peça, tendo assistido “até antes de ela estrear” e gostou “logo muito do texto”. “Fiquei muito apaixonado por muitas vozes das personagens, nomeadamente da criança, a girafa, e do urso, o Judy Garland. Além disso, eu estava há muito tempo com vontade de falar da dor do crescimento e achei que o filme abordava, de uma forma até bastante forte, todo esse processo evolutivo. Desafiei logo o Tiago a passá-lo para cinema”, contou o realizador em conversa com a Lusa em maio, aquando da exibição do filme no IndieLisboa.

No filme, girafa (interpretada por Maria Abreu), para resolver um problema, parte em busca da única pessoa que acha que a poderá ajudar, o primeiro-ministro. A senda é feita na companhia do seu urso de peluche, Judy Garland (Tonan Quito).

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Na peça de teatro, a protagonista era interpretada por Carla Galvão, uma mulher a fazer de criança, “o que muda logo todo o jogo, toda a forma como a brincadeira — que é assumida em palco — de repente se confronta com um realismo que o cinema veio impor de alguma forma”. No filme, é uma criança a assumir o papel.

Tiago Guedes quis “manter muito do elenco da peça original”, e dos quatro atores que subiram ao palco, dois (Miguel Borges e Tonan Quito) estão no filme. O elenco do filme inclui ainda, entre outros, Gonçalo Waddington, Miguel Guilherme e Tiago Rodrigues, que interpreta o primeiro-ministro, que na peça tinha um nome, Pedro Passos Coelho, mas no filme é apenas o primeiro-ministro, e “a razão é muito simples”: o realizador “não queria datar o filme”. A opção foi “muito consciente” e até “custou um bocado” a Tiago Guedes tomá-la, já que “gostava muito de uma das falas [da peça] em que o chamavam pelo nome”.

A ação da peça desenrola-se em Lisboa, no auge da crise económica. Oito anos depois, o realizador considera que, “infelizmente, muita da problemática que está retratada no filme a esse nível permanece”. “Poderá estar menos grave aqui e ali, mas são remendos curtos. De uma forma geral as pessoas estão com muitas dificuldades e com menos dinheiro”, afirmou. “Tristeza e alegria na vida das girafas” acabou por demorar muito tempo a ser feito — praticamente oito anos — e a principal razão foi a falta de financiamento.

A peça estreou-se em 2011, a equipa esteve “um ano ou dois até ter o argumento completo”, seguiram-se “várias tentativas de subsídio e de financiamento”, falhadas, e a rodagem aconteceu no verão de 2017. Para “ajudar na montagem”, Tiago Guedes usou canções de Manel Cruz, do projeto Foge Foge Bandido, e entretanto decidiu convidar o músico para criar a banda sonora.

Com “Tristeza e alegria na vida das girafas”, Tiago Guedes queria “muito ajudar a perpetuar” as personagens que viu em cena no palco. “O teatro tem essa magia do efémero, as personagens desaparecem e o cinema consegue, de alguma forma, guardá-las”, disse.

Quinta-feira estreia-se também o filme “Turno do dia”, de Pedro Florêncio, que documenta “rostos, gestos e procedimentos na central de emergência médica da linha 112”.

Na nota de intenções, Pedro Florêncio explica que o filme é uma “experiência observacional” e que “pretende reproduzir a sensação real da experiência de uma certa actividade laboral, num certo lugar, num certo tempo”. Por isso é que “Turno do dia” não deve ser interpretado, refere o autor, como um simples documentário sobre o atendimento de chamadas médicas pelo INEM.

Exibido nos festivais DocLisboa e Caminhos do Cinema Português, “Turno no dia” é a primeira longa-metragem do realizador Pedro Florêncio, depois de ter feito a média-metragem “À tarde” (2017) e as curtas “Onde o meu amigo pintou um quadro” (2014) e “Banana Motherf*cker” (2011).