O ano caminha a passos largos para o fim, e se há alguém que estará especialmente atento à velocidade dessa marcha é Isabel II — é que os próximos 12 meses têm tudo para ser tão ou mais penosos. Em 2019, o reino continuou às voltas com o Brexit, e de pouco serve tentar sair para onde quer que seja quando o maior dos problemas mora dentro de casa. Que o diga a cadeia de notícias sobre Meghan Markle e o príncipe Harry ao longo dos últimos meses, coroada por essas bombásticas declarações num documentário da ITV, ou o comentado mau estar entre irmãos, ou as incongruências no estilo de vida dos duques, ou até o previsível cenário de um Natal afastado de Sandrigham, para mais uma facada na tradição — tanto incómodo terá até já motivado uma dança de molduras e retratos.
Afinal, o pior estava para vir, com o desenterrar de um escândalo que parecia adormecido. A perigosa ligação entre o príncipe André e o excêntrico milionário Jeffrey Epstein, veio de novo à tona em agosto e não mais saiu da atualidade. Os mais recentes desenvolvimentos no escândalo que envolve a acusação de uma relação sexual com uma menor contra a sua vontade incluem o afastamento do duque de York de todas as suas funções públicas e um cerco cada vez mais apertado. Mas bagagem é o que não falta à rainha, que dificilmente conseguirá arredar da memória esse negro ano de 1992, pautado por uma corrente de infortúnios.
A 24 de novembro desse ano, dia em que assinalava as quatro décadas de reinado, a soberana protagonizou um discurso fiel à toada fúnebre que se fazia sentir.
“1992 não é um ano para o qual possa olhar com especial prazer. Nas palavras de um dos meus correspondentes mais queridos: acabou por ser um “annus horribilis”.”
Soube-se mais tarde que o emprego da célebre expressão foi feito pelo tenente coronel Edward Ford (1910-2006), ilustre elemento da corte que tomou a liberdade de endereçar uma carta à soberana, a propósito dos seus 40 anos de reinado. Nessa missiva, que chegou ao secretário privado de Isabel II, Ford lamentava como aquele que desejara ter sido um annus mirabilibis para a monarca se acabou por revelar um annus horribilis — posteriormente, revelou até como deveria ter afinado o uso do latim: um annus horrendus teria sido a classificação mais apropriada. Coincidência ou nem por isso, nesse ano a espiral descendente começou com uma separação: a de André. Recordamos este e outros momentos de má memória.
19 de março. A separação de André e Sarah Ferguson
O divórcio seria consumado apenas em 1996, mas quatro anos antes, o duque de York e Fergie, como a sua mulher ficou conhecida, anunciavam a separação. Se todos os olhares se focam hoje em casais como Harry e Meghan, à época os pais das princesas Beatrice e Eugenie encarregavam-se de roubar boa parte das atenções, dividindo os créditos com o par Carlos/Diana. André e Sarah, que se conheciam desde pequenos, trocaram alianças a 23 de julho de 1986, na abadia de Westminster, cerca de um ano depois de se terem reencontrado numa festa num castelo escocês. Diana terá favorecido a união, que ajudou a alimentar a chamada “Fergie Fever”, que então contagiava os súbditos — segundo a BBC, 500 milhões seguiram atentamente a cerimónia do enlace. Mas as funções de André enquanto piloto de helicóptero ao serviço da Marinha, que o permitiam conviver com a mulher pouco mais que um mês por ano, terão contribuído para o afastamento. Volvida a euforia inicial, também a febre Ferguson se desvanecia e até o seu excesso de peso chegou a entreter as más línguas. Mal sabiam que o golpe de misericórdia chegaria mais para o final do ano. Apesar de seguirem caminhos separados, as notícias mais recentes revelavam que continuavam a viver sob o mesmo teto e que Fergie e André mantinham uma boa amizade.
29 de março. A morte do pai de Diana
Desde 1978, quando sofreu um acidente vascular cerebral, a saúde de Edward John Spencer não era a melhor, mantendo-se internado ao longo de oito meses. Em 1992, mais de uma década depois desse episódio, não sobreviveu a um ataque cardíaco. A notícia da morte do pai de Diana chegou no final desse mesmo mês de março, já tumultuoso quanto baste.
23 de abril. O divórcio da princesa Ana. E o novo casamento da princesa Ana
Em 1992, a filha de Isabel II trocou de estado civil com a rapidez de um relâmpago. Abril trazia consigo a notícia do divórcio de capitão Mark Phillips. A 12 de dezembro desse mesmo ano, Ana voltava a casar, agora com Timothy Laurence. Foi em 1973 que a princesa real se uniu a Phillips, com quem teve dois filhos, Peter e Zara, e com quem manteve uma relação que acabaria por ser desfeita pela distância. Mark, muito ligado ao mundo da equitação, tal como Ana, tencionava lançar o seu próprio negócio na área, um investimento que motivou uma série de viagens e um afastamento progressivo de casa. É por esta altura que Ana, boa parte do tempo sozinha, terá encetado uma relação extra-conjugal com o seu guarda-costas, Peter Cross, um caso que ficou pelo caminho quando chegou aos ouvidos da Scotland Yard. Timothy, um antigo oficial da marinha britânica e escudeiro de Isabel II, a quem Ana estaria ligada desde 1989, foi o senhor que se seguiu.
23 de abril. A morte do sobrinho do príncipe Philip
Se uma notícia má nunca vem só, 23 de abril fala por si. A separação de Ana coincidiu com mais uma perda no seio da família. Albrecht Wolfgang Christoph de Hohenlohe-Langenburg, sobrinho do duque de Edimburgo, e da rainha, por afinidade, morreu nesse mesmo dia. Nascido em 1944, filho da princesa Margarida da Grécia e Dinamarca, e de Gottfried de Hohenlohe-Langenburg, era um dos gémeos do casal.
8 de junho. O revelador livro sobre a Princesa de Gales
A meio do ano, o lançamento de “Diana: Her True Story” confirmou o que há muito pairava no ar, incendiava de vez a temporada estival e encaminhava o clã real para um doloroso inverno antes do tempo. Ficava claro que a relação entre Diana e o príncipe Carlos estava longe de ser um mar de rosas, para mais o affair entre o filho mais velho da monarca e Camilla Parker Bowles deixava de ser um segredo de polichinelo. Andrew Morton, um dos jornalistas reais, assinava este epitáfio antecipado.
20 de agosto. Fergie e os banhos de sol em topless com um amigo
A gota de água na relação entre André e Fergie chegaria em pleno verão, com as câmaras dos paparazzi a não darem tréguas, sempre à espreita de um deslize. Já distanciada do marido, a duquesa de York, que acabaria por perder o título de Sua Alteza Real, foi fotografada num jardim no sul de França na companhia de John Bryan, o seu conselheiro financeiro. No dia a seguir, o tabloide The Sun fez manchete com um corrosivo “Fergie toe-job” — na imagem, Sarah surgia só com a parte de baixo do seu biquíni enquanto Bryan lhe chupava os dedos dos pés. O jornal não chegava apenas a cada quiosque do país: estragava um pequeno-almoço em Balmoral, onde a família real se encontrava quando as fotos foram publicadas. “A família desceu para tomar o pequeno-almoço e ali estava Fergie nesta cena chocante, foi o fim”, descreveu a biógrafa real Penny Junor.
24 de agosto. As conversas indiscretas nas primeiras páginas dos jornais
Ficou conhecido como o “Squidgygate” e por certo representou mais uma enxaqueca para Isabel II. Nesse verão quente, agosto não terminaria sem a publicação nos jornais de uma série de conversas telefónicas mantidas a 31 de dezembro de 1989. Em plena noite de reveillón, Diana, tratada do outro lado da linha por “Squidgy” (fofinha), confessava ao suposto amante, James Gilbey, que o seu casamento era um martírio e comparava as obrigações do cargo a uma prisão. O registo, intercetado por uma reformado entusiasta da rádio, acabou por chegar às mãos do The Sun. A cassete incluía vários desabafos de Diana, que a páginas tantas admitia a possibilidade de estar grávida: “Sinto-me tão triste e vazia. Pensei, que diabo, depois de tudo o que fiz por esta merda de família. É desesperante”. O impacto foi gigante. Chegou mesmo a ser lançada uma linha telefónica de valor acrescentado para que o público pudesse escutar os 30 minutos de conversa.
20 de novembro. O violento incêndio no Castelo de Windsor
Eram 11h15 quando um fogo deflagrou na capela privada da rainha no Castelo de Windsor, na sequência de um encontro infeliz entre uma cortina e um foco de luz. Apesar de se encontrarem no local alguns funcionários, que na altura passavam em revista obras de arte, e de o alarme ter soado de imediato, as chamas acabaram por ter um efeito devastador nesta residência oficial da monarca. Atualizada sobre os acontecimentos pelo filho André, que se encontrava nas proximidades, a rainha chegou ao local pelas 15h00. Devastada pelo cenário encontrado, André e Carlos assegurariam a ponte com a imprensa. A soberana regressou ao local na manhã seguinte para seguir de perto os trabalhos, e na ressaca do violento incêndio Isabel II abriu as portas do palácio de Buckingham ao público como forma de financiar as obras de reconstrução de Windsor.
9 de dezembro. A separação de Carlos e Diana
A acrimónia tornou-se insustentável no último mês desse “annus horribilis”, e a separação dos príncipes de Gales, unidos desde 29 de julho de 1981, uma inevitabilidade. O divórcio oficial chegaria apenas em 1996, mas quatro anos antes a coleção de casos extra-maritais, de parte a parte, e outros embaraços, eram demasiado visíveis para serem escondidos debaixo de um tapete. Em dezembro, de pouco haviam servido as tentativas de aconselhamento matrimonial servidas pelo príncipe Philip — o primeiro-ministro John Major encarregava-se de ler o comunicado oficial que anunciava a “separação amigável” de Carlos e Diana. Mas o drama estava longe do fim. Perante as câmaras da BBC, frente a Martin Bashir, Diana deu rosto a uma das mais evocadas entrevistas, na qual deixava a nu as suas infidelidades, a sua luta contra a bulimia, e o omnipresente caso de Carlos com Camilla, pretexto para a célebre citação: “Éramos três naquele casamento, era gente a mais”.