Com o intuito de proporcionar aos eletrodomésticos e equipamentos elétricos considerados lixo uma “segunda vida” e evitar que continuem a contaminar o ambiente, um projeto ibérico adotou uma nova gestão com vista à recuperação destes “monstros” domésticos.

São inúmeros os frigoríficos, máquinas de lavar loiça ou roupa, micro-ondas, televisores, computadores, ferros de engomar e outros equipamentos que, quase todos os dias, chegam às instalações da Lipor — Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto.

Aqui, estes equipamentos, que às vezes são entregues em mãos pelos consumidores e outras tantas abandonados na berma da estrada ou junto de contentores de lixo, pernoitam numa “pequena caixa”. E é nesta caixa, semelhante a um contentor de mercadorias, que aguardam pelo seu fim.

Mas o seu fim ainda está longe. Na Lipor, à semelhança de tantos outros ecocentros, os técnicos que fazem a gestão destes apetrechos já não conseguem acompanhar os ciclos do mercado, no qual impera uma aceleração de produção e substituição quase feroz destes equipamentos. Por isso, até seguirem viagem até à área aberta onde são separados por categorias, intitulada “plataforma”, os materiais vão sendo acomodados e compilados na pequena caixa como se de peças do “Tetris” (jogo) se tratassem.

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Depois de transportados até à plataforma, são depositados em diferentes pilhas: computadores e televisores de um lado, frigoríficos do outro, máquinas de lavar roupa e loiça ao centro e ferros de engomar, bem como outros apetrechos, ao fundo. E a céu aberto esperam até serem encaminhados para a reciclagem. Enquanto isso, alguns dos componentes destes equipamentos, como o sistema de refrigeração dos frigoríficos, vão largando gases e substâncias tóxicas para o ambiente.

Destes equipamentos, nada resta. Nada é aproveitado e toda a utilidade que tiveram até ao dia em que chegaram à Lipor, como a tantos outros centros, deixa de existir. Foi precisamente para combater esta falta de utilidade que entidades espanholas e portuguesas se juntaram. O objetivo? Dar a uma “segunda vida e oportunidade” a estes equipamentos.

Quem o afirma é Maria do Céu Silva, técnica superior de ambiente e uma das responsáveis portuguesas pelo projeto, que, em declarações à Lusa, salienta a necessidade de se reinventar todo o processo. “Torna-se necessário potenciar na origem a recolha segregada do material e do equipamento que ainda oferece um potencial para ser reutilizado”, explica.

E é precisamente isso que o projeto “Estratégia sustentável transfronteiriça para a gestão de resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos”, enquadrado no Programa INTERREG V-A Espanha-Portugal (POCTEP), pretende fazer, através da implementação de “novas caixas”.

“As novas caixas vão permitir preservar o material que ainda tem potencial, segregando-o daquele material que está muito desmantelado e não oferece condições de reparabilidade e, portanto, já é um resíduo logo à partida”, salienta Maria do Céu Silva.

Além de assegurar que durante o transporte até à plataforma os materiais se mantêm tal e qual como chegam aos ecocentros, estas “novas caixas” vão também ao encontro dos “requisitos impostos” pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), nomeadamente no que à proteção ambiental e salvaguarda de dispersão de matérias perigosas diz respeito.

Uma vez na plataforma, o projeto prevê que, futuramente, estes equipamentos sejam pesados, etiquetados e, depois, encaminhados para um centro de recuperação para serem restaurados. Depois de recuperados e, conforme adianta à Lusa Maria do Céu Silva, o objetivo é que estes equipamentos possam ser acomodados num espaço próprio em cada ecocentro e, posteriormente, “devolvidos à comunidade” através de uma “bolsa de materiais”.

Esta bolsa tem como finalidade a criação de uma plataforma online que ficará disponível gratuitamente a variadas entidades que possam ter interesse neste tipo de materiais e peças”, sublinha Maria do Céu Silva, adiantando ainda estar a ser estudada a hipótese de venda ou doação das peças recuperadas.

As “novas caixas” e, consequentemente, os “novos albergues” dos materiais recuperados deverão ser implementados na Lipor, mas também nos restantes parceiros, até ao final do primeiro trimestre de 2020. Até lá, a aposta das entidades ibéricas passa por reforçar a comunicação com os consumidores e consciencializá-los para este problema que tem repercussões, não só a nível ambiental como também na economia das famílias, segundo o diretor da Lipor.

Para Fernando Leite, uma vez que os ciclos de vida dos equipamentos têm reflexos na “própria despesa das famílias”, o “poder” está nas mãos do consumidor e “só ele será capaz de mudar a mentalidade do produtor”.

“A partir do momento em que o consumidor começar a exigir equipamentos de maior duração, em que o consumidor em vez de rejeitar um equipamento vai levá-lo a reparar e dessa maneira aumentar a sua vida útil, é evidente que o produtor vai ter menos hipóteses de ter equipamentos que se descartam mais facilmente”, conclui.

O projeto, que é coordenado pela Deputación de Pontevedra e conta com um financiamento de 2,14 milhões de euros, tem ainda como parceiros a empresa Revertia Reusing and Recycling, o Centro tecnologia de eficiência y sostenibilidad energética (ENERGY LAB) e o European Recycling Platform (português e espanhol).

A Lipor define como “monstros” domésticos aqueles resíduos que não podem ser colocados nos ecopontos nem nos contentores para o lixo indiferenciado, mas que “podem e devem” ser encaminhados para a reciclagem, como eletrodomésticos e equipamentos eletrónicos.