A primeira impressão pode ser desoladora para quem espera encontrar um pinheiro de dimensão sobre-humana, pejado de decorações faustosas. Neste caso, a aparato fica-se pelas ricas paredes, tecidos, vitrais, móveis e tapeçarias que compõem o salão nobre do Palácio Nacional da Pena, em Sintra. Este pinheiro, uma recriação da primeira árvore de Natal feita em Portugal, há quase 200 anos, pertence aqui, mas apenas por afinidade. Ano após ano, D.Fernando II, mandou vir um espécime da serra para o Palácio das Necessidades, em Lisboa, residência da família real portuguesa durante o século XIX.

O pinheiro era decorado a rigor, mas não como hoje fazemos numa árvore de Natal tradicional. Da Áustria, o marido de D. Maria II trouxe o hábito romântico deste ritual doméstico. A pequena árvore, iluminada por velas e rodeada de brinquedos, disseminou-se por toda a Europa. Ao mesmo tempo que chegava a Portugal, entrava ainda no quotidiano da corte vitoriana. “D. Fernando nasceu e cresceu em Viena. Portanto, são tradições centro-europeias trazidas para a corte portuguesa, da mesma forma que o príncipe Alberto as levou para a corte da rainha Vitória, quando casou. Os dois cresceram juntos, eram primos direitos”, explica Mariana Schedel, Conservadora do Palácio Nacional da Pena, ao Observador.

O projeto de recriar ao detalhe a primeira árvore de Natal em Portugal teve início há mais de dois anos, precisamente pelas mãos da equipa de conservação deste monumento gerido pela Parques de Sintra. Envolveu uma pesquisa exaustiva e a recuperação de correspondência trocada entre os almoxarifes dos dois palácios, bem como faturas de fornecedores. Uma delas, datada de 17 de dezembro de 1859, dá conta do transporte de um pinheiro da Serra de Sintra para Lisboa. O próprio D. Fernando, um hábil desenhador, deixou duas gravuras que serviram de base para a execução da árvore. A dificuldade seguinte foi encontrar quem reproduzisse as peças. No total, foram contactadas seis empresas portuguesas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Coube ao Studio Astolfi o exercício de recuperar as cores, as formas e os materiais usados nas decorações do século XIX. Exceção feita aos frutos da época — maçãs, peras e romãs –, na altura verdadeiros. Tudo leva a crer que as bolas de Natal terão surgido várias décadas depois, inspiradas pela forma destes ingredientes naturais. Na impossibilidade de trazer fruta real para dentro do palácio, a equipa do atelier recorreu aos mercados, em busca de exemplares pequenos e toscos, para tornar estas réplicas o mais reais possível. Acrescem os animais do campo, como vacas e cavalos, mas também figuras como o arlequim e o limpa chaminés, este último considerado uma espécie de amuleto de sorte. Na parte superior da árvore, um cacho de uvas em vidro, fruto que, na época de D. Fernando, já seria replicado artificialmente.

Gravura da autoria de D. Fernando II, datada de 1848 © PSML/Ana Cristina Machado

“A árvore de Natal da Pena é muito simples por ser exatamente a que vemos nas gravuras de D. Fernando II. Utilizámos essa árvore pequena — que tem entre 1,20 e 1,50 metros — sobre uma mesa, com um toalha em linho acetinado, muito difícil de encontrar, que é também uma reconstituição de uma toalha de época, com todas estas pequenas peças que têm significados de abundância e felicidade”, acrescenta Mariana.

À época, as velas iluminavam a árvore, solução impensável nos dias que correm, embora todo o aparato natalício fosse montado apenas no dia 25 de dezembro. Hoje, na reconstituição feita, estas permanecem apagadas. No chão e na mesa, multiplicam-se os brinquedos, praticamente todos identificáveis nas gravuras do rei. Soldados, animais, uma pequena quinta e um tambor — mais uma vez, os organizados livros de contas de D. Fernando II discriminam as encomendas, a maioria dirigida a fornecedores austríacos e alemães. O embrulhar dos presentes era, na altura, uma tradição por vir. Os brinquedos eram dispostos junto à árvore e destinavam-se aos príncipes (o casal teve 11 filhos, quatro dos quais não sobreviveram ao dia do nascimento). Tudo leva a crer que, já naquela época, o Natal era das crianças.

O Pinheiro da Pena © PSML/Luís Duarte

É certo que as dimensões modestas deste pinheiro de Natal podem ficar aquém do esperado para uma residência real. Mas Mariana Schedel garante que as primeiras árvores da rainha Vitória partilhavam as mesmas medidas — a monarca casa com o príncipe Alberto em 1840, quatro anos após o matrimónio de D. Fernando II e D. Maria II. A pequena escala está fortemente ligada ao ideal de intimidade familiar e vivência doméstica em voga no século XIX.

Numa das gravuras expostas junto ao Pinheiro da Pena, o rei, que ficou viúvo em 1853, quando tinha 37 anos e ao fim de 17 anos de casamento, surge vestido de São Nicolau, carregado de presentes, fruta e caça e rodeado pelos sete filhos — Pedro, Luís, João, Maria Ana, Antónia, Fernando e Augusto. “A auto-representação de D. Fernando em gravuras é comum. Se se vestiu ou não, não sabemos. Mas é todo este ambiente de vida familiar e a importância da infância que são as novidades do século XIX. É quando as crianças deixam de ser mini adultos e começam a vestir-se como tal, têm brinquedos. E o Natal, que é uma festa religiosa no extensíssimo calendário da família real, começa a ter uma importância na relação com este mundo mágico”, clarifica a conservadora do palácio.

De 1844, outra das gravuras de D. Fernando II que serviu de base à recriação © PSML/Ana Cristina Machado

Ao mesmo tempo que instaura uma tradição que perdura até hoje, a árvore de Natal é um símbolo de uma nova domesticidade. A monarquia constitucional tinha deixado para trás a solenidade e a imponência do regime absolutista. Dentro das paredes do palácio, as cenas aproximavam-se do quotidiano da família comum e, com o passar dos anos, o pinheiro assumiu o papel de elo de identificação. “No caso português, começa pela família real e depois para as casas da aristocracia e das elites. Depois, vai se democratizando com o avançar da época. Estamos no século XIX, a era da materialidade, dos periódicos, da gravura, da fotografia e tudo se começa a difundir uma enorme facilidade”, pontua Schedel.

O Pinheiro da Pena faz parte de um projeto maior de requalificação que está a deixar os ambientes do Palácio Nacional da Pena mais fiéis ao seu aspeto na altura em que foi habitado por duas gerações da realeza (depois de D. Maria II e D. Fernando II, também D. Carlos I e D. Amélia habitaram o palácio). Além da árvore de Natal, a Sala de Fumo voltou a ter, pela primeira vez desde 1940, o mobiliário original, após um processo de restauro que reconstituiu os têxteis originais. O mesmo aconteceu com os aposentos de D. Carlos I, com intervenções em peças de arte, móveis e nas próprias divisões. Na Sala de Jantar, foi recriada a mesa daquele que foi o penúltimo rei de Portugal, com flores da época e uma reprodução do menu da ceia servida a 20 de julho de 1900.

Fatura do transporte de um pinheiro, da Pena para Lisboa, em dezembro de 1859 © AHCB, NNG 3518, Secretaria de D. Fernando II, Livro de Caixa n.º 12, 1859. © Museu Biblioteca Fundação Casa de Bragança

“A nossa intenção é que os interiores transmitam a forma como a família real vivia. Parece-nos muito interessante apresentar aos nossos visitantes situações em que os materiais, as técnicas e as cores sejam, efetivamente, os verdadeiros. No fundo, é trazer vida à casa. Porque visitar um palácio não é como visitar um museu. Um palácio tem que ser fruído desta forma”, conclui Mariana. Em 2019, o investimento no Parque e Palácio Nacional da Pena ultrapassou os 2,5 milhões de euros. Pelo sétimo ano consecutivo, a Parques de Sintra foi considerada a “Melhor Empresa do Mundo em Conservação” pelos World Travel Awards.

De volta à famosa árvore de Natal, a primeira em solo português, a tradição cumpre-se também no dia em que será desmontada, a 6 de janeiro, Dia de Reis. É possível vê-la de perto durante uma visita regular ao Palácio Nacional da Pena, em Sintra, todos os dias, entre as 10h e as 18h (o último bilhete é vendido às 17, a última entrada é às 17h30). O bilhete de adulto custa 14 euros, fica por 12,5 euros no caso de jovens entre os 6 e os 17 anos e de maiores 65 anos.