O 15.º dia do julgamento do caso de Alcochete teve na parte da tarde os últimos depoimentos de jogadores que estavam no balneário no dia da invasão da Academia e permanecem ainda agora no plantel do Sporting: Rodrigo Battaglia, que começou a responder às perguntas da procuradora do Ministério Público na sessão da passada terça-feira mas que acabou por ter interromper o depoimento pelo adiantado da hora, e Sebastian Coates. De manhã, no Tribunal de Monsanto, passaram dois nomes falados por mais do que uma ocasião ao longo do julgamento por razões distintas: o fisioterapeuta Ludovico Marques e o preparador físico Gonçalo Álvaro.
Mais uma vez, existiram três grandes temas a comandar as perguntas iniciais do Ministério Público: a descrição da invasão à Academia, os incidentes que se passaram durante e depois do jogo com o Marítimo na Madeira e a reunião de 14 de maio em Alvalade com o então presidente Bruno de Carvalho. No entanto, entre a admissão de Coates de que ponderou rescindir contrato após as agressões aos motivos que levaram Battaglia a voltar ao clube, passando pela revelação de Gonçalo Álvaro que o ex-líder considerava a Taça “uma merda” e pelo “tom intimidatório” que Ludovico Marques sentiu nesse encontro, houve mais algumas revelações no caso.
Ficaram também a ser conhecidas algumas das testemunhas que prestarão depoimento nas primeiras sessões de janeiro de 2020: no dia 6 serão ouvidos Márcio Sampaio (membro da equipa técnica de Jesus no Flamengo, de manhã), André Pinto (central que se encontra agora no Al Fateh da Arábia Saudita, de manhã) e Rui Patrício (guarda-redes internacional dos ingleses do Wolverhampton, à tarde); no dia 7 Rúben Ribeiro (médio ofensivo que assinou recentemente pelo Gil Vicente, de manhã) e Jorge Jesus (treinador do Flamengo, à tarde); no dia 8 Piccini (lateral italiano que está hoje no Valencia, de manhã) e Mário Monteiro (preparador físico de Jesus, à tarde).
[O resumo do dia 14 do julgamento do caso de Alcochete]
Alcochete. As ameaças de morte recordadas por Acuña e Battaglia, as agressões e o “hijo de puta”
Coates pensou no ataque na pior fase da presente temporada
“Estava com o André Pinto, outros jogadores e o preparador Márcio [Sampaio] na zona de ginásio quando vi que começaram a chegar os adeptos. Traziam capuzes e vinham com a cara tapada. Vi o Ricardo [Gonçalves] com eles porque estava a tentar controla-los para que não entrassem no campo de treinos. Depois fui para o balneário e foi nessa altura que eles começaram a entrar. Assim que saí do ginásio, o André Pinto foi a correr à frente para avisar os meus companheiros, eu fui logo a seguir. O Vasco Fernandes estava a tentar fechar a porta mas eles acabaram por entrar no vestiário logo a seguir. Deveriam ser aproximadamente 30 ou 40. O balneário não é muito grande e entraram muitos, estava muita gente. Não vi bem quantos estariam antes lá fora. Lá dentro estavam quase todos os meus colegas, fisioterapeutas… Recordo-me disso, de haver essa tentativa do Vasco em fechar a porta”, começou por explicar Sebastian Coates, central que foi o oitavo e último jogador ainda no plantel a testemunhar.
“Quando entraram começaram a perguntar por Acuña, Battaglia, Rui Patrício e William. Depois atiraram uma tocha. Para nós foi um choque, não estávamos À espera que fizessem isso. Não consegui perceber bem se empurraram toda a gente. Quis meter-me à frente dos que iam para o William, empurraram-me e disseram que não era nada comido, depois disseram para tirar a camisola porque não era digno e foi agredido com murros e com um cinto. Vi também o Battaglia levar com o garrafão. O William eram os quatro ou cinco, depois ele saiu e foram trás dele. Foi agredido nas costas porque baixou a cabeça para tentar proteger a cara. Só me lembro de um com cinto. Já havia fumo e o alarme já tinha soado. Quantas tochas? Foi mais do que uma, duas que me lembro. A primeira foi quando entraram e a outra que acertou no Mário [Monteiro]”, prosseguiu, antes de recordar algumas das palavras proferidas pelos invasores e também o bloqueio da porta de saída.
[O resumo do dia 13 do julgamento do caso de Alcochete]
“Não sei dizer se o William saiu a fugir ou se foi atrás de alguém, só se estava a tentar proteger e todos os indivíduos que estavam de volta dele também saíram com ele. Ainda disseram que se não ganhássemos no domingo íamos ver. Ao Ludovico, o fisioterapeuta, atiraram com uma bolsa de cosméticos de viagem que os desportistas usam e acertou na cara. O que faziam as pessoas que estavam no balneário e não terão agredido? Não sei quantos eram mas estavam a insultar todos, a mim houve que me disse que não merecia vestir a camisola do Sporting. Não sei quantos estavam ou não a fazer mas quem não estava ia insultando. Diziam que se não ganhássemos no domingo íamos ver, além de vários insultos que iam tendo. Parte deles estavam de pé junto à porta mas não sei se estavam a bloquear. Não me recordo se alguém tentou sair porque nenhum de nós esperava aquilo e estávamos em choque. Eu pelo menos não tentei sair por medo de ver que eles estavam ali junto à porta”, antes de revelar que ponderou rescindir com o clube depois dessa invasão entre o medo que se repetisse.
“Não sei se partiram alguma coisa no balneário mas havia muita coisa desarrumada quando saíram e havia vidros partidos, que era uma porta que estava dentro do edifício. Bruno de Carvalho não o vi lá antes do ataque, só depois, cerca de uma ou uma hora e meia depois. André Geraldes também. A primeira vez que vi Bruno de Carvalho foi dentro do balneário, estava a perguntar o que se tinha passado ali. O André Geraldes não chegou a entrar. Não falei com nenhum deles. Após o ataque liguei à minha companheira a dizer que estava tudo bem apesar das agressões aos meus colegas e pedi para que fosse para o Uruguai por causa dos meus filhos. Depois liguei ao meu agente a contar o que se tinha passado e a dizer que estava com muitos pensamentos de sair do clube. Medo? Sim. Este ano passei por um momento não tão bom em termos desportivos e isso deu-me medo que acontecesse o que tinha acontecido com aqueles colegas”, confidenciou o sul-americano.
Após abordar também os incidentes na Madeira, que admitiu terem começado ainda no Estádio do Marítimo, Sebastian Coates falou não de uma mas de duas reuniões em Alvalade: a de 14 de maio, véspera da invasão à academia, e a de 7 de abril, no dia seguinte à derrota dos leões em Madrid com o Atlético para a Liga Europa.
[O resumo do dia 12 do julgamento do caso de Alcochete]
“Estive nessa reunião na véspera em Alvalade. Não me recordo se André Geraldes estava, era Bruno de Carvalho e mais um ou dois dirigentes. Quando começou dirigiu-se a Acuña a dizer que não poderia ter feito aquilo com o chefe da claque, que tinham estado toda a noite à perguntar pela morada dele. O Acuña disse que não se importava de falar com os adeptos para esclarecer que tinha sido apenas um mal-entendido. No final perguntou se estaríamos com ele acontecesse o que acontecesse. Não sei quem a quem Bruno de Carvalho se referia e dizia que ser o chefe da claque. O que descobri mais tarde foi que tinha sido um problema com o Fernando Mendes. Bruno de Carvalho disse que estaria na Academia no dia seguinte, que ia ser à tarde mas não disse as horas”, frisou.
“A outra reunião de abril teve a ver com o post que ele [Bruno de Carvalho] publicou a criticar-nos. Dissemos que não podia acontecer, que há coisas para tratar no seio da equipa e não no Facebook. Fiquei com a impressão de que não estava no seu estado normal, até devido à conversa com William Carvalho e Rui Patrício. Houve muitos gritos e eles responderam. Tinha sido um dos criticados no post mas nunca me dirigiu a palavra na reunião”, acrescentou, antes de, em resposta às perguntas dos advogados, que havia também questões pessoais entre os dois capitães, Rui Patrício e William Carvalho, e o clube. “Mas não me lembro o que foi dito”, salientou.
[O resumo do dia 11 do julgamento do caso de Alcochete]
Dos três dígitos do número de Battaglia ao regresso após rescindir
Antes de Sebastian Coates, Rodrigo Battaglia tinha respondido às questões dos advogados, depois de ter estado no Tribunal do Montijo a prestar declarações já na passada terça-feira após Acuña, num momento que chegou ao final pelo tardio da hora (a partir das 18h30 não haveria segurança). Miguel Coutinho, advogado do Sporting que é assistente do processo, iniciou a parte vespertinas, fazendo perguntas sobre pormenores da invasão ao balneário.
“Não conheço nenhum dos indivíduos que lá estiveram e só me lembro de um dos que se aproximaram de mim que era uma pessoa grande, pelo menos da minha altura, e de cor. Mais baixo do que eu não era. Os que estavam comigo foram depois ao Ludovico. Atiraram uma bolsa de gelo, de propósito, e atingiram-no na boca. Sofri dores um ou dois, na zona do peito onde tinha levado com o garrafão. Vi duas pessoas com o William, uma com o Montero mas não me recordo de ver ninguém com o cinto”, contou, antes de abordar o episódio no aeroporto da Madeira. “Falei com Fernando Mendes, estava a protestar com o Acuña e estava a tentar acalmá-lo, a dizer que tínhamos uma final uma semana depois e que precisávamos de apoio. Ele estava muito nervoso, muito exaltado. Tentou vir para cima de mim mas não me lembro de mais porque a polícia veio para cima. Não me recordo se me tentou agredir, estava nervoso e a polícia segurou-o”, explicou o médio argentino.
Miguel A. Fonseca, advogado de Bruno de Carvalho, quis confirmar se o número que o jogador utilizava para falar no WhatsApp continuava a ser o mesmo (que por motivos lógicos não foi anunciado, tendo dito apenas os últimos três dígitos) antes de passar para as justificações que levaram a que tivesse rescindido com o Sporting e posteriormente assinado um novo vínculo com o clube leonino (tal como Bruno Fernandes ou Bas Dost).
[O resumo do dia 10 do julgamento do caso de Alcochete]
– Rescindi, passado um tempo as pessoas que estavam à frente do clube disseram que queriam o meu regresso e voltei.
– Porque decidiu rescindir?
– Porque depois do que se passou e dos adeptos me terem batido, entendi que era o melhor para mim e para a família.
– Tinha receio que pudesse voltar acontecer?
– Sim.
– Pediu segurança pessoal? Não, nem ao clube nem à polícia.
– O que mudou na segurança para que voltasse a trabalhar para a mesma entidade?
– Foi um dos pontos mais importantes para o regresso, que o clube me garantisse o máximo de segurança.
– Passou a haver mais segurança no clube?
– Sim.
– Mas concretamente em quê, que exemplos?
– Vi mais segurança no clube, com mais câmaras e mais uma barreira na zona do início da parte profissional da Academia.
– E quanto ganhava e passou a ganhar?
Neste momento, a juíza Sílvia Rosa Pires interrompeu e não aceitou que a pergunta fosse feita, por achar que era irrelevante para os factos, aceitando depois que a questão fosse feita a propósito da mudança de rotinas.
– Sim, também mudei.
– O quê?
– Coloquei alarme em casa, mais segurança e câmaras. Estou mais atento, vivo mais atento do que vivia. Mesmo depois de ter voltado ao clube mantenho a mesma segurança.
– E mudou de carro?
– Não, isso não.
Os desencontros, a (não) autoria do vídeo e “a Taça que é uma merda”
O depoimento de Gonçalo Álvaro era aguardado com alguma expectativa, não tanto pelo que tinha visto no balneário mas pelas repetidas vezes em que se ouviu o seu nome ao longo das últimas sessões de julgamento como se tivesse sido o autor do vídeo de 20 segundos que circulou nas televisões e nas redes sociais com imagens do interior do balneário do Sporting já depois da invasão. E era certo que essa pergunta chegaria, mais na parte final do depoimento. Antes, o preparador físico (no clube desde 2002, tendo começado nas modalidades e passado em 2004 para o futebol profissional e para a Academia) descreveu o que assistiu ao Ministério Público.
[O resumo do dia 9 do julgamento do caso de Alcochete]
“Estávamos divididos de serviço, era o coordenador da fisioterapia. Os fisioterapeutas estavam no grupo primário e eu estava no gabinete médico. Na nossa rotina de um treino, neste caso às 17 horas, o nosso treinador queria tudo preparado cinco a dez minutos antes. Costumava ir depois ao balneário e foi quando me avisaram que havia gente estranha nas instalações, quando estava a sair do meu gabinete. A doutora Patrícia Gomes, a podologista, avisou-me que havia essas pessoas estranhas e fui para o balneário. Quando cheguei vi logo um indivíduo a acender uma tocha, a atirar para o balneário e a fugir. O corredor tinha muito fumo, ouviam-se gritos e havia uma situação de stress. A primeira ideia que tive foi que tinha conseguido entrar apenas um indivíduo, acendido uma tocha e fugido, só depois percebi o que se tinha passado”, começou por referir em resposta à procuradora.
“Entrei no balneário e o Rollin [secretário técnico] vinha com o Bas Dost com a cabeça em sangue. Agarrei no Bas Dost e levei-o para o gabinete médico, para estancar a hemorragia. Vi esse rapaz a fazer isso mas não me apercebi da gravidade e só depois é que vi tudo em pânico, tetos falsos em baixo, o fumo, o alarme de incêndio que estava acionado. Vi pertences pessoais das pessoas pelo chão, caixotes virados, mas não me recordo de mais”, explicou, prosseguindo: “Desde o início da minha estadia lá na Academia que os adeptos foram falar com jogadores ao treino. Iam falar com os capitães, de forma organizada, sempre ordeiros. Encapuzados nunca tinha visto. E nas instalações da ala profissional nunca tinha visto, só mesmo na zona de treino, dos relvados”.
No mesmo seguimento de perguntas que tem sido levado pela procuradora, seguiu-se o jogo da Madeira e tudo o que se passou durante e depois da derrota do conjunto verde e branco com o Marítimo. “Quando chegámos ao aeroporto, um dos indivíduos parecia um bocado transtornado e à procura do Acuña. Houve uma troca de palavras onde o jogador Battaglia interveio, de forma apaziguadora. Ainda havia segurança e escolta policial, por isso não houve contacto físico. Estava a chamar pelo nome dele. O Marcos [Acuña] não é de muitas palavras, anda sempre de cabeça baixa e tenho ideia que nem chegou a falar. O Battaglia interveio para apaziguar, até pela proximidade que têm. O seu discurso era coisas de ‘Calma, tem calma’ e o indivíduo tinha palavras mais exaltadas. Era o Fernando Mendes, ou que se intitula Fernando Mendes. Houve intervenção também do Nelson [técnico de guarda-redes], uma pessoa muito antiga do clube. Falou com ele pessoalmente para tentar acalmar e parecia estar tudo a correr bem”, contou, antes de relativizar a chegada a Alvalade porque “quando os resultados não são os desejados, há pessoas lá”. “Não consigo diferenciar das dezenas de vezes em que isso aconteceu”.
[O resumo do dia 8 do julgamento do caso de Alcochete]
Sobre a reunião em Alvalade na véspera do ataque com o presidente Bruno de Carvalho, sobrou sobretudo alguma estranheza a Gonçalo Álvaro sobre o tema e o andamento da mesma. “Estava agendada folga para o dia seguinte, estaria marcado para o dia a seguir o treino, terça-feira. Não estava ainda marcado mas sempre que possível seria de manhã a menos que houvesse alguma coisa. Não sabíamos bem o que ia acontecer. Achávamos que aquela equipa técnica não ia continuar mas que tínhamos ainda a final da Taça de Portugal, achava que era uma reunião de incentivo ao trabalho. Estava o presidente e alguns membros da Direção. O tema foi o presidente a dizer que estava desapontado com o resultado na Madeira, a comentar a Taça de Portugal desprezando-a. Depois, começou com um discurso que não fazia muito sentido que era ‘Aconteça o que aconteça amanhã [n.d.r. 15 de maio, dia do ataque], quero saber quem está comigo e quem não estiver pode sair já da sala’. O que queria dizer? Não sei. No final disse-nos ‘Amanhã vemo-nos às 16h na Academia’. Foi falado nessa reunião que haveria treino 16h/17h, foi por indução. Depois o secretário técnico disse por mensagem, já depois da reunião”, relatou.
Na parte dos advogados dos arguidos, Miguel Matias pediu para que o preparador físico fosse confrontado com o que tinha dito à GNR em agosto de 2018 sobre as palavras proferidas por Fernando Mendes no aeroporto, que dizia não se recordar mas que há mais de um ano alegou terem sido ‘Diz lá agora outra vez o que disseste lá’. Também com Sandra Martins, advogado do antigo líder da Juventude Leonina entre outros arguidos, pediu para que fosse lido também outra parte desse mesmo depoimento à GNR que consta do processo, na sequência das explicações extra que deu sobre o que se tinha passado na Madeira após a apito final do jogo com o Marítimo.
[O resumo do dia 7 do julgamento do caso de Alcochete]
“No final do jogo o grupo [de jogadores] ia agradecer o apoio, primeiro aos grupos organizados. O Acuña foi com todos e dirigiram-se à bancada onde estavam os adeptos. Os adeptos estavam em contestação, como é normal. Os jogadores também nunca ficam contentes com essa contestação. Por linguagem corporal fazem sempre uns gestos e mostram também o seu desagrado quando os adeptos fazem isso… Não me recordo nesse dia de algo diferente. O coordenador da fisioterapia é sempre o último a sair do balneário. Quando saí não me recordo se ainda estavam os adeptos ao pé do autocarro mas não teria muita lógica estarem ali, pelo cordão policial. No autocarro tenho ideia que saí depois do Acuña e apareceu esse indivíduo. Se vi lá Jorge Jesus? Não me recordo”, disse esta quinta-feira no Tribunal de Monsanto. “Já lá estava um grupo de três ou quatro pessoas com polícia, alguém me disse que era o Fernando Mendes”, tinha referido no tal depoimento em agosto de 2018 à GNR.
Ainda em resposta às perguntas de Sandra Martins, Gonçalo Álvaro explicou que houve alterações na entrada para o balneário com a chegada de Jorge Jesus ao clube, antes de responder à million dollar question deste julgamento nas últimas sessões: quem gravou o vídeo do interior do balneário. “Não fui eu que filmei, não sei quem terá feito esse vídeo e não tenho ideia de ver esse vídeo antes de se tornar público”, assegurou. Seguiu-se Miguel A. Fonseca, advogado de Bruno de Carvalho, com quem houve uma maior tensão nas perguntas e respostas.
“Não me recordo se Bas Dost vinha sozinho ou acompanhado, não me recordo se vinha alguém do departamento médico. Penso que fui o primeiro. Se não estou em erro, ficaram com ele na sala o doutor Virgílio [Abreu] e o doutor Frederico [Varandas], mais um enfermeiro. Não tenho ideia se já lá estavam ou se se deslocaram nessa fase, era uma situação de emergência”, começou por dizer antes de um diálogo que começou com perguntas de Miguel A. Fonseca mas que terminou com a própria juíza Sílvia Rosa Pires a fazer as questões.
[O resumo do dia 6 do julgamento do caso de Alcochete]
– Pode dizer-me se o Acuña é jogador que leva mais cartões amarelos…
– Oh doutor, qual é a pergunta?
– Meritíssima, se me deixar queria perguntar se é o jogador mais admoestado…
– Por isso dos amarelo não, vou ver se arranjo outra maneira de dizer: sabe se o Acuña é o jogador mais aguerrido?
– O mundo do futebol é um bocadinho diferente…
– Já percebi que essa coisa da normalidade aqui… Mas não era um jogador diferente, se dizia umas coisas no jogo…
– É um homem de grupo, de família e que defende os seus.
– Bem, ou responde ou não responde mas a pergunta é se disse alguma coisa depois de ser insultado. Não é nenhum juízo de valor, que fique registado, é apenas para contextualizar. Se diz um palavrão com facilidade, basicamente se é uma pessoa que sente…
– Acho que qualquer jogador reage dessa forma perante isso
– Sim e volto a dizer: um palavrão não justifica que um bando vá lá para dar uma tareia..
– Sim mas a pergunta que me foi feita não foi essa, era dos amarelos…
Gonçalo Álvaro disse depois que “agora não é habitual os adeptos irem nas viagens mas que na altura era” e não teve grandes respostas quando o advogado do antigo presidente falou na reação dos adeptos com os jogadores e com o então líder no encontro com o P. Ferreira, após a derrota em Madrid e todo o período conturbado que se seguiu no clube. “Ninguém sabe quem é aplaudido ou quem é assobiado…”, referiu, antes de soltar a frase “Sobre essa reunião não me lembro do que Bruno de Carvalho disse no final mas lembro-me que disse que para ele a Taça de Portugal era uma merda”, num tom já diferente do que utilizara no início do testemunho.
– Dentro do que lhe mandaram lembrar…
– Não quero apartes para o público ou para a testemunha! Fica esclarecido e acabou.
– Mas não estou esclarecido…
Depois do diálogo com a juíza, Miguel A. Fonseca pediu também para que fosse lida uma parte do depoimento que tinha sido dado por Gonçalo Álvaro à GNR, sendo que desta vez o advogado do Sporting, Miguel Coutinho, acabou por vetar o pedido, fechando assim a possibilidade no final do testemunho do preparador físico.
[O resumo do dia 5 do julgamento do caso de Alcochete]
Alcochete. Arguido levado para a esquadra teve “comportamentos impróprios” com os polícias
Ludovico Marques teve ataque de ansiedade depois da invasão
Ludovico Marques, que esteve na Academia de 2012 sabendo-se agora chegou a sair e regressar ao Sporting durante um curto período (já lá iremos), foi a testemunha que se seguiu na parte matinal da sessão. “Ouvimos gritos. Diziam ‘Joguem à bola, filhos da puta’, ‘Vamos rebentar-vos a boca toda’. Tudo ainda lá fora, depois continuei a ouvir isso no balneário, foram continuando a gritar esse tipo de palavras e ameaças”, referiu enquanto explicava que ainda foi uma das pessoas que tentou ir à janela ver o que se passava no exterior do balneário.
[O resumo do dia 4 do julgamento do caso de Alcochete]
“Recordo-me que o Vasco tentou fechar a porta mas foi tudo muito rápido. Fomos surpreendidos pela entrada deles, que iam todos seguidos. Eram de certeza mais de 20, talvez 30. Pessoas no balneário também eram mais de 20. Entraram, dirigiram-se logo a alguns jogadores, começaram a empurrar, a bater, aos socos e aos pontapés. Aquilo que vi foi quatro ou cinco no meio do balneário a bater no William, uns quatro que cercaram o Acuña junto ao cacifo com murros, pontapés e chapadas, junto a mim houve pessoas a empurrar, o Bruno César também foi um bocado empurrado. Levei com algo na cara, fiquei tonto e quando levantei a cabeça vi uns três a bater no Battaglia, que levou depois com o garrafão de água. Ele recuou para um canto a tentar defender-se das agressões”, contou, prosseguindo a descrição do que se passou no balneário.
“Quando os indivíduos entraram perguntaram onde estava o Acuña e o Battaglia. Foram passando à frente dos jogadores, batendo em alguns, olhando para quem tinham à frente, sempre à procura de alguns jogadores. O William estava mais no centro. Levou umas chapadas, uns socos, uns pontapés, foi agarrado pela camisola. Onde? Na cabeça, nas costas, na cara. Ao Acuña, que estava perto do cacifo, também foi chapadas e pontapés, na cabeça e no peito. Perto de mim estava o Bruno César, o Battaglia e o fisioterapeuta Hugo Fonte. Afastaram o Bruno César e ameaçaram-no também, ele até subiu a uma das marquesas depois de recuar. Todos estávamos numa posição defensiva com as mãos à frente, não sabíamos se os indivíduos tinham armas. Não me apercebi o que me atingiu, pensei na altura que era um soco mas depois os jogadores disseram-me que tinha sido um necessaire. Ao lado esquerdo vi que estavam a agredir o Battaglia com chapadas e socos na cara e no peito, e depois com o garrafão de água. O enfermeiro Carlos Mota tentou à entrada acalmar e foi empurrado. Todos os indivíduos estavam em movimento, a empurrar e agredir. Se conseguíamos sair de lá se quiséssemos? Não porque eles estavam a entrar pela única entrada do balneário e não havia forma de sair dali”, adiantou.
[O resumo do dia 3 do julgamento do caso de Alcochete]
“Foram todos entrando e quando queriam sair iam pelo mesmo caminho. Se alguém tentou mesmo sair? Não sei, estava afastado, estava na zona de marquesas. Fiquei com a ideia de que não havia possibilidade de sair. O único objetivo era agredir e ameaçar, não havia nenhuma intenção de acalmar. Nós é que pedimos calma, não da parte deles. Diziam frases como ‘Vamos matar-vos’, ‘Vamos partir-vos a boca toda’, ‘Não jogam nada’, ‘Não ganhem no próximo que vão ver o que vai acontecer’. Eram vários a gritar. Tenho ideia que soou também o alarme, até porque havia o fumo de pelo menos duas tochas. Uma foi para o meio do balneário e outra foi para o caixote. Penso que não foi o mesmo a atirar, foi uma mais para o meio e outra final. Estavam todos de cara tapada, com máscaras, passa montanhas. Houve um que disse vamos embora à saída, fiquei com essa ideia”, rematou.
Ludovico Marques explicou também as razões que o levaram a ir ao hospital nesse mesmo dia, ao mesmo tempo que recordou onde viu Bas Dost, o elemento com a maior lesão de todas. “Saí para o corredor e disseram que o Dost tinha sido agredido. Fui para o posto médico e ele estava lá a ser assistido pelos dois médicos, Virgílio Abreu e Frederico Varandas, pelo enfermeiro Carlos Mota e também lá estava o Gonçalo Álvaro. Tive de ir ao hospital pela pancada que sofri, fiquei 15 dias com a marca, o olho inchado e negro, porque necessitava fazer uma radiografia para ver se não tinha fratura. Nos dias a seguir não consegui dormir como devia ser, nos dias a seguir não consegui mesmo trabalhar. Fiquei com receio de ser agredido por alguns indivíduos na rua porque alguns tinham sido presos mas não todos os que tinham lá estado”, relatou o fisioterapeuta que, mais tarde, acrescentou que tinha mesmo ido parar ao hospital após sofrer um ataque de ansiedade.
[O resumo do dia 2 do julgamento do caso de Alcochete]
Por fim, ainda nas respostas à procuradora do Ministério Público, Ludovico Marques foi a primeira testemunha a falar em “tom intimidatório” para descrever a reunião em Alvalade, na véspera da invasão. “Foi marcada uma reunião para o staff, depois da equipa técnica e dos jogadores. Quem falou foi o presidente Bruno de Carvalho mas saí sem perceber o objetivo dessa reunião. Perguntou quem ia continuar com a Direção, disse que quem não quisesse podia sair da sala, em tons intimidatórios e de ameaça. Quando saí pensei que ia despedir o treinador Jorge Jesus. Estava também zangado com o Manuel Fernandes porque era comentador num programa da TV, também referiu que estava zangado com os resultados, falou um bocadinho da Taça que até estranhei porque disse que se estava a borrifar e acabou a dizer que amanhã estaríamos lá às 16h para trabalhar”, contou, antes de ser inquirido por Miguel A. Fonseca, advogado do antigo presidente leonino, a esse propósito.
– Esteve sempre de 2012 até hoje no Sporting?
– Não, fui despedido no final de junho, pouco mais de um mês depois, por Bruno de Carvalho.
– E ele deu-lhe alguma explicação para isso?
– Não me deu nenhuma explicação…
– Em quantas reuniões esteve com Bruno de Carvalho?
– Muito poucas, talvez uma ou duas. Quando foi apresentado, foi uma vez falar ao balneário da equipa B em cinco anos, na equipa A não me recordo em específico.
– O tom era sempre o mesmo, na galhofa ou como nessa reunião de 14 de maio?
– Não estava como era habitual, estava a apontar para cada um de nós, a olhar nos olhos e a dizer quem estava com a Direção e que quem não estivesse podia sair da sala. Isso é no mínimo intimidatório.
– Então agarrou nas malas e não foi mais trabalhar, é isso?
– A seguir não fui, não…
[O resumo do dia 1 do julgamento do caso de Alcochete]