Natais há muitos e não há melhor forma de lhes tirar a pinta do que olhar para a mesa da consoada. Dos tradicionais aos modernos, dos rústicos aos sofisticados, dos que, ano após ano, caçam tendências e as sentam com a família aos que militantemente combatem o desperdício e o consumismo — quem diria que a quadra poderia ser tão versátil. Numa coisa, todas as correntes estão de acordo: da mesa e da atmosfera da noite de Natal, espera-se calor, conforto, harmonia e partilha.

Gradualmente, esta mesa tem vindo a dispensar a tradicional paleta. Não há cores proibidas, ao passo que as velas e castiçais continuam clássicos inabaláveis. A eles juntam-se as flores — em arranjos, dispostas sobre a mesa ou até penduradas no teto –, os elementos em madeira, cujo o aspeto rude e tosco não compromete em nada a estética natalícia, o regresso em força dos corredores de mesa (sobretudo os que conferem texturas ao cenário), penas (porque não?), figuras de animais e até o kitsch é convidado para cear.

Com ideias diferentes do que uma mesa de Natal deve ser, quatro designers de interiores partilharam com o Observador dicas, valores e um rol de objetos favoritos no que diz respeito à noite de 24 de dezembro. Tiago Patrício Rodrigues, Cláudia Soares Pereira, Michael Miranda e Gracinha Viterbo sabem bem o que deve ou não estar em cima da mesa nesta altura do ano, mesmo que, no limite, alguns não legitimem proibições. Quanto a nós, complementámos as sugestões dos especialistas com uma seleção de 35 peças. Atenção, nem todas são escolhas óbvias.

35 fotos

Natal, uma mesa com significado

O ambiente acolhedor e a confraternização entre família e amigos é, em última análise, a grande e eterna tendência natalícia. Cerâmicas, têxteis e outros elementos são meros acessórios para conseguir uma atmosfera que potencie os laços humanos. Para Tiago Patrício Rodrigues, arquiteto e diretor criativo da Pura Cal, a decoração de uma mesa é a derradeira ferramenta para promover a união e os afetos. E, por vezes, os sentimentos também podem materializar-se. “O importante será sempre ter um pouco de nós e dos que se sentam, ou já sentaram, connosco à mesa. Essa representação deverá ser um ponto de partida, com peças antigas de uma avó, um serviço de jantar de família ou um prato único de gosto duvidoso oferecido por uma prima há uma série de anos. O que conta será sempre a carga simbólica que atribuímos às coisas, sejam mais ou menos tradicionais, sofisticadas ou atuais”, apresenta ao Observador.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Nos pratos de Bela Silva, à venda na loja da Lx Factory, Tiago encontra os elementos perfeitos para representar o espírito dos novos ambientes. São peças únicas e pintadas à mão que trazem o artesanal e o manual para cima da mesa. A tendência, explica o arquiteto, tem vindo a revelar-se nos últimos anos, embora o seu impacto social esteja a ficar cada vez mais nítido. “Os materiais naturais e a execução artesanal, por motivos ambientais, ganham cada vez mais destaque e isso reflete-se também na decoração desta quadra”, confirma. Fala de elementos que regressam em força — bolas de vidro, fitas em ráfia, plantas naturais e secas e madeiras, entre outros.

Mesa de Natal Pura Cal, com peças de Bela Silva © Pura Cal

O especialista em projetos de interiores deixa outras dicas. Muitas vez, o eclético e o inusitado pode ser o segredo para uma consoada memorável. “Utilize peças associadas a outros contextos que não os da mesa, surpreenda os convidados e faça delas um tema de conversa — um lençol ou outro tecido a fazer de toalha, pequenos detalhes que os comensais possam ir descobrindo ao longo da refeição”, explica Tiago.

Como em todas as situações, o excesso e o mau planeamento da mesa de Natal tem as suas contraindicações. “Hoje, não há grandes regras na composição de uma mesa, desde que seja funcional e cómoda”, refere. De um registo mais minimalista, às grandes misturas natalícias, passando por uma rusticidade natural, o importante é que tudo se relacione com o lugar e com quem se senta à volta da mesa. “Esta ideia é fundamental, mas muitas vezes esquecida, transformando o Natal num autêntico Carnaval, sem qualquer raiz ou referência pessoal. Depois, há a luz, outro erro que se comete com facilidade. Esta nunca deverá existir em demasia, de modo a que possam haver sombras, e deverá ser sempre quente, mais amarela. Só assim se consegue um ambiente acolhedor”, conclui.

A tradição ainda pode ser o que era

Na Casa do Passadiço, estúdio de decoração comandado por Catarina Rosas e pelas filhas, Catarina e Cláudia Soares Pereira, há tradições que se mantêm intocadas, a começar pelas cores que têm lugar à mesa. Os vermelhos, os verdes e os dourados não fazem apenas parte de um exercício de persistência, são uma questão de manutenção da memória natalícia. “Gostamos do Natal com a base tradicional. Achamos que é importante mantê-lo assim para que possa continuar a haver memória, a que temos da infância e a que queremos passar às crianças”, refere Cláudia ao Observador.

Uma das propostas da Casa do Passadiço para a mesa de Natal © JOÃO CURITI

Ainda assim, o clássico não é antiquado. O serviço de porcelana, o faqueiro de prata e uma toalha bordada podem ser uma espécie de receita base, à qual são adicionadas pequenas doses de contemporaneidade — figuras de animais, copos coloridos e até peças de inspiração oriental. As flores, essas sim impreterivelmente vermelhas, variam entre rosas e amarílis. Os contrastes de cor são bem-vindos, o reaproveitamento de tecidos antigos para fazer uma tolha especial é prática frequente, não apenas nas dezenas de propostas que, a cada ano, o trio de decoradoras elabora no atelier sediado em Braga (e que recentemente abriu um novo espaço em Lisboa), mas também na mesa da família.

A toalha será sempre um bom ponto de partida para pensar toda a mesa. Caso esta seja lisa, o serviço de loiça e o centro de mesa assumem o comando da restante decoração. “Adicionamos sempre elementos mais natalícios como os ramos de pinheiro, mas por vezes também gostamos de misturar umas figuras em prata. Este ano, por exemplo, teremos uns veados na mesa”, completa Cláudia.

Usar, abusar e misturar

Mudam-se os tempos, mudam-se também as tradições natalícias, mas sempre assentes nas premissas de intimidade e partilha, seja entre irmãos, tios e primos ou na companhia das “novas famílias”, como ressalva Michael Miranda, do atelier de interiores Ding Dong que, depois de sete anos no Porto, abriu o primeiro espaço na capital, em outubro. “Cada um de nós deve definir a sua tradição”, afirma o diretor criativo do atelier ao Observador. Mas mude o que mudar, a mesa será sempre essencial, enquanto objeto e momento.

A esse respeito, a posição da Ding Dong é clara — misturar algo improvável e dar uma volta à tradição pode muito bem ser a fórmula de sucesso na hora de pôr a mesa, a começar pela própria toalha. “Se existem dúvidas na escolha da toalha de mesa, então retire a toalha e deixe a mesa à vista… O efeito pode ser surpreendente, sobretudo se adicionar pequenos objetos pessoais, decorativos e que tenham um valor simbólico”, apresenta Michael. Segundo elemento chave: os copos. “Misturar copos de várias proveniências — cores, formas e texturas — e originais, que tanto possam ser utilizados para vinho, água ou sumo. Gosto muito destes desenhados pelo Joe Colombo, por exemplo. Basicamente, são uma série de variações do copo balão”, explica o diretor criativo.

A mesa da Ding Dong com os copos desenhados por Joe Colombo © Ding Dong

O resto fica a cargo da imaginação. As velas são para usar e abusar “em bases e castiçais de várias formas e tamanhos”. “Pessoalmente, gosto de misturar cores para obter um ambiente festivo e divertido. Há mais cores para além do vermelho e dos tradicionais dourados e prateados. O Natal tem as cores que quisermos. O que evitar? A falsa sofisticação do preto e do branco nas decorações desta época”, remata.

As dicas de styling para a mesa da consoada prosseguem. Os elementos naturais estão na ordem do dia, por isso, das flores secas (ou frescas) a frutas da época, passando por galhos de árvores, vale tudo para criar um cenário mais naturalista. “Alguns ramos de magnólia num vaso de cerâmica podem facilmente ser um reinterpretação da simbólica árvore de Natal”, acrescenta Michael, ao mesmo tempo que se assume como descrente nos velhos pinheiros artificiais, apesar da reutilização ser uma prática a incutir. “É importante evitar comprar coisas que apenas sirvam para a mesa de Natal e optar, por exemplo, por castiçais versáteis que possam ser utilizados em qualquer ocasião ao longo do ano, eventualmente alterando a cor das velas e, assim, modificando o ambiente”, completa.

Nem todos os conselhos do arquiteto dizem respeito à mesa propriamente dita. Na noite e no dia de Natal, as distrações podem ser muitas. O derradeiro conselho passa por desligar a televisão, deixar de lado os telemóveis e, se houver uma lareira, acendê-la para completar o ambiente.

Penas, flores suspensas e animal print: um conto rebelde, de Natal

“Sou uma menina rebelde no que toca a tradições”. Quem o diz é Gracinha Viterbo, nome que dispensa apresentações. O intemporal, o artesanal e o contemporâneo são os ingredientes de uma receita que nem sempre segue as opções mais canónicas. “Porque não umas bolas em animal print para a árvore de Natal? Ou um runner [caminho de mesa] ou uma toalha — nos marcadores ou nos guardanapos — com um estampado de leopardo? Foi o que fiz há dois anos e a mesa ficou linda. O padrão integrou-se muito bem no tema Natal, um tanto ou quanto disruptivo, mas o que seria a vida sem um pequeno elemento disruptivo aqui ou ali?”, refere a designer de interiores ao Observador.

Sugestões de decoração de Natal de Gracinha VIterbo © Cabinet of Curiosities

À mesa e fora dela, o Natal de Gracinha é festivo e repleto de detalhes. As texturas, a luz e a música são essenciais, porém a designer prima por contornar a rigidez do convencional, inventando as suas próprias tradições. Algumas, há que avisar, são inesperadas. “Há já alguns anos que sou fã de flores suspensas sobre a mesa. Flores secas ou desidratadas misturadas com verdadeiras, arranjos selvagens, mas poéticos e esculturais, que ficam suspensos no teto. Não custa nada furar aqui e ali e pode sempre ir mudando as flores consoante as estações. Fazem mesas lindas até fora da hora de jantar”, explica.

Flores e ervas silvestres, pampas, penas de faisão, eucalipto, pinhas, musgo, romãs e até apontamentos néon — a tal rebeldia, bem como uma pitada de excentricidade, diluem-se em objetos tão natalícios como os centros de mesa. Em casa, Gracinha Viterbo aposta em detalhes diferenciadores, como é o caso das costas das cadeiras bordadas com traços da personalidade de cada um. Na loja do Estoril, a Cabinet of Curiosities, as opções variam para agradar a diferentes estilos, dos típicos soldadinhos de chumbo aos enfeites em vidro pintados à mão e produzidos por uma fábrica alemã, das mais antigas do ramo. Mesmo ao lado, há acessórios que seguem outras linguagens. Porque não cassetes a fazer lembrar os anos 80? Ou David Bowie como motivo natalício? É tudo uma questão de gosto e rebeldia.