2020 vai ser um ano de sacrifícios para o comércio automóvel, com os construtores a tentarem conseguir a quadratura do circulo. Por um lado, necessitam de comercializar os modelos mais caros, luxuosos e potentes, aqueles que teoricamente libertam maiores margens de lucro. Mas, por outro lado, têm de respeitar um limite máximo de apenas 95g de dióxido de carbono (CO2) para a média da gama, que mesmo os modelos mais pequenos e mais baratos do mercado têm dificuldades em cumprir. Qualquer deslize acima da fasquia dos 95g resulta numa multa de 95€ por cada grama excedido, a multiplicar pelo volume total de vendas.
Nas últimas décadas, os fabricantes de automóveis comparavam-se entre si com base no volume de vendas e de facturação, bem como no lucro, de que necessitam para investir em novos motores, veículos e tecnologias. Para o ano que se aproxima, o tema dominante vai ser o valor de CO2, batalha que vai passar por controlar a média dos veículos vendidos ao fim de cada dia de trabalho, para garantir que o limite imposto por Bruxelas é cumprido.
Isto vai obrigar a retirar do catálogo das vendas os carros mais poluentes, incentivando a comercialização dos mais “limpos”, com destaque para os eléctricos e os híbridos plug-in (PHEV), com estes últimos a serem beneficiados pela forma como o cálculo dos consumos e respectivas emissões é realizado, em que apenas são considerados os primeiros 100 km e partindo do princípio que a bateria está carregada, quando se sabe que há muitos condutores que raramente recarregam os seus veículos.
Para ver o que nos espera durante os 366 dias do próximo ano, o melhor é dar uma espreitadela ao mercado francês, perante os últimos números das médias de CO2 disponíveis, pois permitem-nos ter uma ideia do que se passa no resto dos mercados europeus. E França nem sequer deverá ser o exemplo mais complexo, uma vez que é dominada pelas marcas locais, todas elas centradas em veículos utilitários, compactos e familiares do segmento médio, mas sem grande representatividade nos grandes topos de gama, tipicamente com emissões superiores.
De acordo com os dados de 2019 até finais de Outubro, a média de CO2 em França é de 111,7g, relativamente longe do objectivo, apesar de existirem alguns fabricantes que, pelo tipo de veículos que produzem (mais pesados, por exemplo) podem ultrapassar ligeiramente os 95g.
O líder incontestado nos primeiro 10 meses do ano é claramente a Toyota, cujos 63% de motorizações híbridas lhe permitem atingir uma média de 93,6g de CO2, não só o único construtor abaixo do objectivo dos 95g, como igualmente o único abaixo da fasquia dos 100g.
Entre os grupos franceses, a guerra é grande e todos necessitam de realizar um esforço considerável para cumprir as imposições da União Europeia. A Citroën é a mais bem posicionada, com 105,3g, não muito longe da Peugeot, com 106g, mas ambas à frente da Renault, com 111g. Isto apesar de ter vendido 4,4% de veículos eléctricos. Com percentagens muito similares de motores diesel, tal indicia que os modelos de origem Nissan que a Renault comercializa, respectivamente o Kadjar e o Koleos, necessitam de sair da gama ou adoptar soluções menos poluentes, idealmente PHEV.
Apesar destes valores relativamente elevados, os construtores franceses têm muito por onde “poupar” nas emissões. As marcas da PSA preparam a entrada, já no início do ano, de vários modelos 100% eléctricos. Para ajudar a alcançar a meta, os 508, 3008 e 5008 vão começar a oferecer versões PHEV (à semelhança do que também vai acontecer na Citroën, DS e Opel, em modelos construídos sobre a mesma base), apesar de serem versões com ênfase na potência e não no preço reduzido. E em relação à Opel, cuja média em França está nos 120,1g, os valores devem baixar rapidamente com a actual introdução do novo Corsa, com as mecânicas menos poluentes da PSA. Pelo seu lado, a Renault vai introduzir versões híbridas no Clio, híbridas e PHEV no Captur e PHEV no Mégane, os seus três modelos mais vendidos, o que irá reduzir consideravelmente as emissões. Como se isto não bastasse, espera-se que as vendas dos EV, como o Zoe, dupliquem em 2020, para depois subirem quase outro tanto em 2021. E é bom que assim seja, pois têm de absorver a média de 106g da Nissan (também ela a preparar versões híbridas para o Micra e PHEV para o Juke, além de poder impulsionar as vendas do eléctrico Leaf) e os 120g da Dacia.
Entre as marcas estrangeiras, as mais bem posicionadas são a VW (112,8g) e a Seat (113g), ambas com eléctricos agendados para vir a público em 2020, respectivamente os pequenos e-up! e Mii Electric, além dos compactos ID.3 e el-Born. Segue-se a Fiat, com 121,8g, à frente da BMW (122,9g), Audi (124g) e Mercedes (128g).