O norte-americano Dennis Muilenburg foi demitido esta segunda-feira do cargo de presidente da Boeing, empresa de desenvolvimento aeroespecial e de defesa que é também uma das maiores fabricantes de aviões do mundo.
O conselho de administração da empresa justificou a saída de Muilenburg como uma mudança “necessária para restaurar a confiança” dos clientes e cidadãos na Boeing, após dois grandes acidentes com um modelo de avião da empresa, o 737 Max, que resultaram na morte de 346 pessoas.
O primeiro acidente aconteceu em outubro do ano passado, quando um avião Boeing 737 da companhia aérea Lion Air caiu e provocou a morte de 189 pessoas. Cinco meses depois, em março, um avião do mesmo modelo mas da companhia Ethiopian Airlines voltou a estar envolvido num desastre aéreo, que provocou a morte das 157 pessoas que iam a bordo.
Muilenburg ocupava o cargo de presidente executivo da empresa desde 2015, mas em outubro deste ano tinha deixado de ser o presidente do Conselho de Administração da Boeing — cargo que até aí conciliava com o de presidente executivo. Muilenburg começou a trabalhar na empresa como estagiário há 34 anos, sendo um dos históricos da casa.
Já está também escolhido o próximo presidente executivo da empresa: chama-se David Calhoun e tomará posse a 13 de janeiro. A Boeing pretende que a alteração ajude a “reparar as relações com reguladores, clientes e outros acionistas”.
As alegadas pressões ao regulador e a falta de sensibilidade
Há muito que a pressão sobre o até aqui presidente executivo da Boeing era notória, primeiro pelos desastres em que o modelo de avião 737 Max desenvolvido pela empresa esteve envolvido, depois pela reação oficial da Boeing e do seu presidente aos desastres (considerada insensível).
De acordo com o The New York Times, a relação de Dennis Muilenburg com os reguladores, nomeadamente com a Administração de Aviação Federal dos EUA (responsável por regular toda a aviação civil), tinha ficado gravemente deteriorada depois de a agência pública ter sentido pressões. O antigo presidente executivo da Boeing terá tentado persuadir a entidade reguladora a voltar a permitir viagens comerciais com o modelo de avião Boeing 737 Max, que estão suspensas desde março deste ano devido aos acidentes.
A alegada tentativa de persuasão de Dennis Muilenburg não terá surtido efeito, já que o modelo 737 Max da fabricante de aviões continua sem poder voar e, na última semana, a empresa anunciou mesmo que iria suspender a produção de novos aviões 737 Max até que o modelo seja considerado seguro pelos reguladores.
Além destas alegadas pressões, Dennis Muilenburg era há muito acusado publicamente — inclusivamente pelas famílias das vítimas dos dois acidentes — de ter-se mostrado relutante em conceder pedidos de desculpa públicos, “deixando enfurecidos os legisladores e levando as famílias das vítimas a sentir que [a empresa, através do seu CEO] não se importava com as suas perdas”, refere o jornal The New York Times.
O problema com o software do avião e os cursos “online” para pilotos
No modelo de avião da Boeing 737 Max, que esteve envolvido em dois grandes desastres em pouco mais de um ano, foi identificada uma falha no sistema tecnológico MCAS — Maneuvering Characteristics Augmentation System, que estava presente neste modelo mas não nos anteriores da fabricante de aviões. A empresa admitiu que detetou que o sistema de software recebia informação errada, dando sinais erróneos ao piloto e levando à descida da aeronave.
As responsabilidades da empresa e fabricante de aviões nos acidentes estão ainda a ser apurados. Sabe-se, porém — e já se sabia antes do segundo desastre envolvendo um avião Boeing 737 Max — que a generalidade dos pilotos que voavam com o anterior modelo 737 da marca tiveram apenas de fazer um “breve curso de diferenças”, considerado por especialistas e pelos próprios como insuficiente, para passar a pilotar este novo modelo. O curso era, ainda por cima, feito online, sem experiência de simulação prática.
Também se sabe que a APA, associação que representa cerca de 15 mil pilotos norte-americanos, garantiu que o funcionamento do sistema tecnológico MCAS — Maneuvering Characteristics Augmentation System, presente neste modelo e não nos anteriores e que esteve na origem dos desastres que vitimaram mortalmente mais de 300 pessoas, não foi explicado aos pilotos que a associação representa “durante o treino ou em quaisquer outros manuais ou materiais”.
Além das responsabilidades da Boeing, estão também a ser apuradas as responsabilidades da Ethiopian Airlines no segundo desastre com um avião 737 Max. Isto porque, segundo uma investigação da Bloomberg News, um piloto da companhia aérea tinha alertado os seus superiores mais de dois meses antes do desastre de março — altura em que um avião que viajava da Etiópia para o Quénia despenhou-se — para os riscos de voar com aquela aeronave.
A 13 de dezembro do ano anterior, o piloto em causa da Ethiopian Airlines terá mesmo avisado os seus superiores que aconteceria “um acidente de certeza” se nada fosse feito quanto àquele avião. O funcionário da companhia aéreo tinha então uma preocupação em particular, a resposta que os pilotos não estavam preparados para dar caso o sistema de controlo automático de voo dos aviões deste modelo voltasse a dar problemas — como dera no primeiro grande acidente, em outubro de 2018 — e os pilotos recebessem avisos no cockpit de que estavam a voar demasiado perto do chão.
Embora o acidente de março tenha “acontecido de maneira diferente daquela que foi descrita” pelo então piloto, ele “previu com precisão o caos e o perigo que resultaria dos múltiplos avisos no cockpit com os quais os pilotos tiveram de lidar no acidente de março”, que provocou a morte de 157 pessoas, chegou a apontar a Bloomberg News.
Sindicato de Pilotos alerta para necessidade de treino adequado
Já há reações à saída do presidente executivo da Boeing. Dennis Trajer, porta-voz do Sindicato de Pilotos da American Airlines, afirmou que “isto não muda nada quanto à necessidade de garantir que o modelo do avião é seguro e que os pilotos são devidamente treinados”.
A presidente da Associação Sindical dos Comissários de Bordo, Sara Nelson, afirmou que este “é um momento de mudança” e que depois de se ter perdido a “confiança pública” na Boeing, era preciso “uma nova liderança” para garantir que possa vir a ser possível “a redenção”.
Já Michael Stumo, pai de uma das vítimas mortais do acidente da Ethiopia Airlines (Samya Rose) e porta-voz de uma associação de familiares de vítimas que se uniram para exigir responsabilidades à Boeing, considerou a mudança “um bom passo em frente para restaurar a imagem da Boeing enquanto empresa que se foca na segurança e na inovação”.