Ao contrário do que era esperado esta sexta-feira, o caso do homicídio do triatleta não fechou mais um capítulo: os juízes decidiram fazer alterações não substanciais em vários factos da acusação e, apesar de estar pronto para ser lido, o acórdão teve de ser arrumado novamente na gaveta. Isto porque a defesa não prescindiu do prazo de 15 dias para analisar cada uma das alterações.

Mas porque foram feitas estas alterações? Segundo explicou a juíza presidente, Ana Clara Baptista, o tribunal chegou à conclusão de que, com base na prova produzida ao longo do julgamento, alguns factos da acusação tinham de ser alterados. Não há, por isso, qualquer decisão — até porque estes factos, mesmo alterados, serão ainda dados como provados ou não provados. O que aconteceu foi apenas que alguns factos que tinham alguma imprecisão foram reescritos. Se os arguidos vão ser condenados por eles? Só se saberá com a leitura do acórdão.

António Joaquim e o advogado, Ricardo Serrano Vieira, à entrada do Tribunal de Loures, esta sexta-feira (FILIPE AMORIM/OBSERVADOR)

Algumas mudanças prendem-se com detalhes: alterações em datas, minutos ou o número de mensagens trocadas entre Rosa Grilo e António Joaquim. Mas há outros tipo de mudanças — uma delas exclui António Joaquim de ter tomado a decisão de matar Luís Grilo.

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1 A decisão de matar o triatleta. Na acusação do Ministério Público (MP), lia-se que “Rosa Grilo e António Joaquim decidiram tirar a vida a Luís Grilo, a fim de assumirem publicamente a sua relação amorosa” e para ambos poderem beneficiar dos seguros de vida do triatleta no valor de meio milhão de euros. Agora, António Joaquim foi retirado de dois dos pontos que referiam essa motivação. Na nova formulação desses dois pontos, a decisão de matar Luís Grilo é atribuída apenas a Rosa Grilo e apenas com a motivação de ficar com o dinheiro das apólice dos seguros.

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No despacho de alteração não substancial dos factos, a que o Observador teve acesso, lê-se que “a arguida Rosa Grilo decidiu tirar a vida a Luís Grilo”. Mais: agora lê-se também que essa decisão foi tomada dois dias antes da morte do triatleta e não antes de 2 de julho, como estava inicialmente escrito na acusação.

2 As mensagens trocadas antes do alegado homicídio. Os factos alterados acusam agora os alegados coautores do crime de trocarem 21 mensagens — e não 22 — entre as 19h02 e as 19h23 — e não 22 entre as 19h02 e as 19h05. Além disso, desse facto está agora excluída a parte em que se lia que estas mensagens serviram para combinar “últimos detalhes relativos ao plano por ambos delineado para tirar a vida de Luís Grilo, acordando desligar os respetivos telemóveis”.

3 O dia em que António Joaquim passou a frequentar a casa de Rosa Grilo. A acusação indica o próprio dia do alegado homicídio como aquele em que o amante de Rosa Grilo teria começado a frequentar a sua casa: 16 de julho. O tribunal alterou essa data para 21 de julho — cinco dias depois.

4 A arma levada para casa de Rosa Grilo. De acordo com a acusação do MP, teria sido António Joaquim a levar a sua arma até casa da arguida, no dia do alegado homicídio. Lá chegado, e munido da pistola, ter-se-ia dirigido, com Rosa Grilo, ao quarto de hóspedes onde o triatleta dormia. O facto modificado diz agora que foi Rosa Grilo quem “entrou na posse” da arma de António Joaquim “de forma que não foi possível apurar”. E que isso aconteceu antes de 14 de julho de 2018 — dois dias antes do homicídio.

Rosa Grilo continua em prisão preventiva e foi levada pelos Serviços Prisionais ao tribunal (FILIPE AMORIM/OBSERVADOR)

Os três pontos da acusação que relatam como é que António Joaquim entrou na casa da arguida com a arma e se dirigiu com ela até ao quarto onde dormia o triatleta foram, assim, modificados. No entanto, o ponto seguinte, manteve-se inalterado. Nele, lê-se que ambos se dirigiram-se ao triatleta e que “António Joaquim apontou a referida arma na direção do corpo de Luís Grilo e efetuou um disparo”. Ainda assim, qualquer um destes factos — os que foram alterados e os que não foram — são suscetíveis de serem dados como não provados.

5 A licença da arma de António Joaquim. Na acusação, o MP mencionava apenas que o arguido não é titular de licença de uso e porte de arma e não se encontrava autorizado a ter na sua posse as armas e munições que foram apreendidas na sua casa, aquando das buscas domiciliárias.

Agora, os factos que lhe são imputados e que se referem à licença de uso e porte de arma foram modificados. Na nova matéria, e de acordo com o despacho do tribunal, lê-se que António Joaquim estava “legalmente dispensado de licença de uso e porte de arma, relativamente a armas de calibre 6,35 mm”, devido à sua profissão de oficial de justiça. Isto é, das três armas que o arguido tinha em casa, apenas uma tinha este calibre e, por isso, dispensava de licença.

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Mais: de todas as armas, lê-se nos factos alterados, apenas a arma que a investigação acredita ser a que matou Luís Grilo — uma pistola semiautomática, da marca CZ, calibre 7,65 mm — estava registada. Em relação às restantes, António Joaquim “não procedeu ao registo/manifesto”, lê-se no despacho.

O que se segue? E quando será lido o acórdão?

Agora é dada uma nova oportunidade aos arguidos para se defenderem, tendo em conta estas alterações. Os advogados têm 15 dias para analisar cada uma delas e comunicar se têm novos elementos a apresentar: audição de testemunhas, peritos ou provas documentais a juntar ao processo, por exemplo. Se o fizerem, a audiência de julgamento será reaberta para permitir esses depoimentos. Só depois serão marcadas novas alegações finais e agendada nova data para a leitura do acórdão.

À saída do tribunal, advogada da arguida, Tânia Reis, disse que iria primeiro analisar todas as alterações feitas pelo tribunal e só depois decidir se vai requerer prova suplementar — que pode sempre ser recusada pelo tribunal. Já Ricardo Serrano Vieira, advogado de António Joaquim, revelou também à saída do tribunal que não irá requerer novos meios de prova.

A advogada de Rosa Grilo não revelou se vai requerer prova suplementar (FILIPE AMORIM/OBSERVADOR)

Até lá, António Joaquim permanece em liberdade, com a medida de coação mínima. Já Rosa Grilo continuará a aguardar a decisão em prisão preventiva. Pelo menos, por enquanto. Desde logo porque a advogada recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, depois de o seu requerimento para libertar Rosa Grilo ter sido recusado pelo Tribunal de Loures — e se a decisão da Relação for positiva para a defesa, a arguida sai da prisão. Depois porque o prazo da prisão preventiva de Rosa Grilo acaba a 29 de março e se, até lá, não houver uma decisão, a arguida terá de ser libertada.