Bruno Fernandes saiu “finalmente” para o Manchester United, Raúl de Tomás voltou a Espanha e Dyego Sousa consumou o amor prometido com o Benfica, o FC Porto pouco se mexeu. Trincão tem voo marcado para Barcelona no verão, Tapsoba encheu os cofres do V. Guimarães, Gedson e Cédric fazem agora parte dos big six da Premier League e Ibrahimovic voltou ao AC Milan. Mas o mercado de inverno da temporada 2019/20 foi muito mais do que isso.

Num último dia em que se esperava a saída de Cavani do PSG, a chegada de um avançado ao Tottenham ou ao Barcelona e até se especulou um regresso de Gareth Bale a Londres, a verdade é que nenhum desses três cenários se realizou. Em janeiro, os pontos fortes da janela de transferências passaram por Haaland — que surpreendeu, assinou e já corresponde –, pela luta entre Real Madrid e Barcelona pelos jovens jogadores brasileiros e ainda pelo êxodo que está a assolar o futebol chinês.

Haaland, o protótipo do “chegar, ver e vencer” que não sabe desiludir

Se resumirmos em linhas gerais aquilo que foi o mercado de inverno da temporada 2019/20, a verdade é que o principal destaque da janela de transferências ficou resolvido ainda antes de o ano passado terminar. A 29 de dezembro, há mais de um mês, o Borussia Dortmund anunciava a contratação de Erling Haaland, o avançado norueguês de 1,94 metros que deixou rendida meia Europa ao marcar em cinco dos seis jogos da fase de grupos da Liga dos Campeões. A Juventus estava interessada, o Manchester United olhava para Haaland como o avançado puro que continua sem ter e o futuro do norueguês parecia estar destinado a juntar-se a Cristiano Ronaldo em Turim ou a ser treinado pelo bem conhecido Solskjaer em Inglaterra: mas num golpe de teatro que surpreendeu toda a gente, Haaland preferiu o projeto do Borussia e mudou-se de Salzburgo para Dortmund.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Mais do que ser o principal destaque da janela de transferências, a verdade é que Haaland é também um dos poucos reforços que já começaram a justificar o investimento. O avançado teve uma estreia notável, ao saltar do banco contra o Augsburgo para marcar três golos em 23 minutos já na segunda parte, e somou mais dois na partida seguinte, frente ao Colónia. Em dois jogos ao serviço do Borussia Dortmund, Haaland leva cinco golos e a certeza cada vez mais vincada de que vai ser um dos jogadores em destaque na próxima década. Com apenas 19 anos, o avançado até relativizou o sucesso imediato, recordando que foi exatamente para isso que foi contratado.

Quer ser o próximo Ibra mas tem números acima de Ronaldo e Messi: Haaland estreia-se com hat-trick em 23 minutos

“Vim para aqui para marcar golos, por isso foi uma boa estreia para mim. Jogar diante destes adeptos tão apaixonados é ainda melhor e dá-te mais alegria a jogar. Estamos a ir jogo a jogo, tentar vencer sempre e depois logo se vê o que acontece”, disse o jogador. O Borussia Dortmund pagou 20 milhões de euros por Haaland, o valor da cláusula de rescisão apontado pelo Salzburgo, mas é a quantia referente aos intermediários no norueguês que acabam por estar em destaque na história da ida do jovem avançado para a Alemanha.

Alf-Inge Haaland, o pai do jogador que chegou a representar o Leeds durante a carreira, recebeu individualmente 10 milhões de euros, enquanto que Mino Raiola, o italiano que é agente do avançado — e que também tem a seu cargo os passes de Ibrahimovic, Pogba e De Ligt –, encaixou 15 milhões em comissões. Tudo somado e o Borussia Dortmund despendeu mais no valor pago ao pai e ao agente de Haaland, 25 milhões de euros, do que ao próprio Salzburgo.

Erling Haaland, o “menino-homem” que é o próximo Ibrahimovic, quer ser campeão no Leeds e se tornou a estrela do mercado de inverno

Bakambu, o protagonista de uma história digna de filme

Se o existisse, Cédric Bakambu tinha conquistado esta sexta-feira o Oscar de Mais Azarado do Ano. O avançado congolês, atualmente ao serviço do Beijing Guoan, recebeu uma chamada de Eric Abidal, diretor desportivo do Barcelona, a propor um empréstimo aos catalães até ao final da temporada com opção de compra. Bakambu aceitou os termos do negócio, o clube chinês concordou e autorizou o jogador a viajar de Seul — onde a equipa estava a fazer escala para um jogo da Liga dos Campeões asiática — para Hong Kong, onde apanharia o voo de ligação para Barcelona.

Bakambu, de 28 anos, seria o substituto natural para Luis Suárez, que está lesionado e não vai ser opção até ao final da temporada, e a alternativa a Rodrigo, Aubameyang ou Lautaro Martínez, três jogadores que estiveram no radar do Barcelona mas cuja contratação acabou por não acontecer. Em Hong Kong, porém, Bakambu recebeu uma segunda chamada de Abidal: o Barcelona tinha repensado o negócio e já não estava interessado na contratação do avançado. A reviravolta na história foi contada pelo próprio jogador nas redes sociais, onde escreveu que o próprio perfil no Transfermarkt pode agora dizer “quase Barcelona”.

Cédric Bakambu é internacional pela República Democrática do Congo mas nasceu em França, onde começou a jogar no Sochaux. Passou pelo Bursaspor da Turquia e pelo Villarreal de Espanha antes de assinar pelo Beijing Guoan, em 2018. Esteve quase a reforçar o Barcelona mas ficou, literalmente, a meio caminho. Entretanto, e goradas as investidas por Rodrigo, Aubameyang e Lautaro Martínez, o Barcelona deixou mesmo janeiro terminar sem ter contratado um avançado para render o lesionado Suárez. Os catalães ainda cederam Abel Ruíz, da equipa B, ao Sp. Braga, e só registaram a entrada de Francisco Trincão — mas o avançado português só chega na próxima temporada.

Trincão e Kulusevski, duas vidas separadas pelo tempo

O que é que um português de 20 anos e um sueco de 19 com pais macedónios têm em comum? À partida, pouco. Mas a verdade é que Francisco Trincão e Dejan Kulusevski podiam partilhar este mês o Oscar de Gémeos dos Negócios. Mas vamos por ordem cronológica. No segundo dia do ano, a Juventus anunciou a contratação de Kulusevski, um médio internacional sueco que pertencia aos quadros da Atalanta mas estava emprestado desde o início da temporada ao Parma. Ao serviço da equipa de Bruno Alves, nos primeiros meses da época, era em dezembro o jogador mais novo das cinco principais ligas europeias a ter três ou mais golos no Campeonato e era também, a par de Jadon Sancho, um de dois jogadores nascidos depois de janeiro de 1999 a ter sete ou mais assistências na Europa.

O médio sueco deu nas vistas esta temporada ao serviço do Parma

A Juventus pagou à Atalanta — onde o médio realizou praticamente toda a formação — 35 milhões de euros por Kulusevski e estabeleceu um acordo que dita que o jogador vai permanecer emprestado ao Parma até ao final da temporada. No início da próxima época, Kulusevski vai então juntar-se a Cristiano Ronaldo e companhia no plantel de Maurizio Sarri. Quase um mês depois e já na reta final do mercado de inverno, o Barcelona olhou para a Primeira Liga para fechar um negócio em tudo semelhante.

Os catalães vão pagar 31 milhões de euros por Francisco Trincão, avançado de 20 anos do Sp. Braga que pertence à formação minhota e que esteve em destaque no Europeu Sub-19 que Portugal conquistou, em 2018, onde foi o melhor marcador (em ex aequo com Jota). O jogador assinou um contrato válido por cinco temporadas, vai ficar com uma cláusula de rescisão de 500 milhões de euros — só inferior à de Messi e Griezmann — mas só integra o plantel do Barcelona na próxima temporada. Assim como Kulusevski, Trincão vai permanecer no Sp. Braga até ao fim da época atual e só se muda para a Catalunha depois do verão.

Trincão, o Mahrez do Minho que precisou de autorizações para viajar com o Sp. Braga e agora vai ser reforço do Barcelona

Juventus e Barcelona voltam a atestar uma aposta na juventude e no futuro que está para lá da própria formação mas acrescentam ainda uma crucial adenda às investidas pelos dois jogadores. A manutenção nos clubes onde acabaram por dar nas vistas, Parma e Sp. Braga, significa que tanto Kulusevski como Trincão terão vários meses para se habituarem à ideia de saltar para um gigante europeu na próxima temporada. Mais do que isso, não atira os dois jogadores para dentro de um plantel formado e cimentado, a meio do ano, onde poderiam perfeitamente acabar por render menos do que a qualidade que têm justifica. De recordar que na temporada passada o Barcelona fez exatamente esta movimento com o holandês De Jong: o médio de 22 anos estava na altura no Ajax, assinou em janeiro pelos catalães mas ficou na Holanda até ao final da época, reforçando o clube espanhol apenas em 2019/20.

O êxodo chinês (que o coronavírus pode ter provocado)

Outro dos capítulos fulcrais deste mercado de inverno. Nas últimas duas janelas de transferências, em janeiro de 2019 e no passado verão, foram vários os jogadores das principais ligas europeias a rumarem ao futebol chinês. As regalias financeiras, da mesma forma que atraíram e ainda atraem jogadores para a Arábia Saudita, para os Estados Unidos ou para o Qatar, levaram muitos elementos de clubes europeus para a liga chinesa — uns à procura de uma reforma dourada, outros em busca de uma espécie de segunda rampa de lançamento.

Desta vez, aconteceu o inverso. Dyego Sousa, do Shenzhen para o Benfica, Ferreira Carrasco, do Dalian para o Atl. Madrid, ou Odion Ighalo, do Shanghai Greenland Shenhua para o Manchester United, são apenas alguns exemplos dos vários jogadores que regressaram à Europa durante a janela de transferências que encerrou esta sexta-feira. E o motivo, ainda que algo especulativo, pode ir além de um simples desejo de regressar à alta competição. O surto de coronavírus que surgiu na cidade chinesa de Wuhan e que já matou mais de 200 pessoas, infetando mais de sete mil, suspendeu de forma indefinida a liga chinesa.

Não se sabe durante quanto tempo vai estar parado o futebol chinês, não se sabe quando vai regressar, não se sabe quanto tempo vão estar sem competir os jogadores dos clubes chineses: talvez por isso, de forma muito provável, vários jogadores tenham optado por deixar a China e as regalias financeiras de que dispunham no país asiático.

A luta entre dois joalheiros pelas pérolas por esculpir

Podemos facilmente continuar na senda dos Oscares e atribuir o de Melhor Jogador Estrangeiro. De há uns anos para cá, Real Madrid e Barcelona têm disputado durante várias janelas de transferências jovens jogadores de um determinado país. No verão passado, apontaram atenções aos japoneses: o Real Madrid contratou Takefusa Kubo, que até esteve em La Masia durante a formação, e o Barcelona resgatou Hiroki Abe, que estava nos Kashima Antlers. O primeiro foi emprestado ao Maiorca, o segundo está na equipa B — e entretanto, os dois clubes espanhóis viraram-se para o país onde já fizeram escola.

Reinier, o miúdo que Jorge Jesus lançou e que vai para o Real Madrid para ser como Zidane

Ronaldo esteve nos dois, Rivaldo e Ronaldinho foram estrelas no Barcelona, Kaká, Roberto Carlos e Marcelo foram (e são) ídolos no Real Madrid. Partindo de uma plataforma onde já sabem reconhecer qualidade, catalães e merengues disputaram nos últimos meses a contratação de Vinícius ao Flamengo, de Rodrygo ao Santos, de Reinier também ao Flamengo e de Matheus Fernandes ao Palmeiras. O Real Madrid ganhou os duelos pelos três primeiros — Vinícius e Rodrygo chegaram no verão e estão no plantel principal, Reinier chegou há poucas semanas e deve integrar a equipa B — e o Barcelona conseguiu agarrar o último neste derradeiro dia de janela de transferências.

Matheus Fernandes, médio de 21 anos, chega ao Barcelona a troco de dez milhões de euros num negócio em tudo semelhante ao de Trincão e Kulusevski: foi imediatamente emprestado ao Valladolid até ao final da temporada e vai integrar o plantel catalão na próxima temporada. As disputas dos dois gigantes espanhóis pelas pérolas brasileiras surgem depois de um verão pautado pela luta por Neymar, um diamante já esculpido que em 2013 escolheu o Barcelona e rejeitou o Real Madrid. Pelo meio, neste último dia de mercado, acabaram por perder Yan Couto, lateral de apenas 17 anos do Palmeiras, para o Manchester City.

O Dia dos Filhos (das antigas estrelas)

O ditado popular diz que filho de peixe sabe nadar. Ainda assim, e tal como o futebol já tantas vezes nos ensinou, nem sempre um filho de uma antiga glória consegue corresponder ao entusiasmo motivado pelo apelido que carrega nas costas. O último dia do atual mercado de inverno, porém, ficou também marcado pelas movimentações de vários jogadores cujos pais fizeram carreira no futebol internacional.

O filho de Zidane só fez 11 jogos ao serviço do Desp. Aves

O primeiro a provocar manchetes foi Ianis Hagi, médio romeno de 21 anos que é filho de Gheorghe Hagi, antiga estrela do futebol da Roménia que passou pelo Real Madrid e pelo Barcelona. Ianis realizou parte da formação no Steaua Bucareste, esteve na Fiorentina e no Genk e agora assinou pelo Glasgow Rangers de Steven Gerrard, que vai defrontar o Sp. Braga nos 16 avos de final da Liga Europa. Depois, Guillermo Amor: o médio espanhol que herdou do pai tanto o nome próprio como o apelido trocou o Leeds pelo Getafe, ainda que vá integrar a equipa B do clube espanhol. Amor, que é filho do Amor pai que jogou no Barcelona e que agora integra a estrutura dos catalães, é formado em La Masia mas estava no Leeds desde o verão passado.

Por fim, e aqui com relações a Portugal, Enzo Zidane. O médio de 24 anos, que no verão assinou pelo Desp. Aves, decidiu regressar a Espanha e assinou pelo Almería. Na Primeira Liga, o filho mais velho do treinador do Real Madrid realizou apenas 11 jogos e marcou dois golos.