Ricardo Vila Nova é português, mas é no Reino Unido e, pensando bem, um pouco por todo o mundo que foi ganhando fama como hair whisperer. Nada de místico, para dizer a verdade, apenas um olhar microscópico sobre fios de cabelos e uma interpretação deveras científica deste histórico biológico que permite ao tricologista analisar os hábitos e transformações dos últimos cinco anos. No final, a prescrição varia — pode nem passar pelo couro cabeludo, mas sim por um consultório de endocrinologia, pode ser uma reeducação alimentar ou então a especialidade da casa, “mandar o cabelo para o ginásio”, como o próprio disse ao Observador.
Tricologia — outro palavrão que merece explicações. No contexto, refere-se ao ramo da dermatologia dedicado em exclusivo ao estudo, diagnóstico e tratamento do cabelo e ao couro cabeludo, com origem no grego trikhos, que significa cabelo. A especialidade, pelo menos com este nome, surge na transição do século XIX para o século XX. Em 1902, um grupo de médicos, cientistas e cabeleireiros no Reino Unido criou o Colégio das Doenças do Cabelo, mais tarde convertido no atual Instituto de Tricologistas, organismo que, em 2004, ajudou a criar o curso frequentado pelo especialista português.
A área está a crescer, acredita Ricardo, cuja missão, em parte, é estender o leque de ferramentas e cuidados à disposição do cuidado da pele ao cabelo. É ambicioso, mas a evolução já está a acontecer. Portugal pode ser o seu país natal, mas não é onde passa a maior parte do tempo. Em Lisboa, abriu a 212.2 Ricardo Vila Nova em março de 2018. No Harrods, os luxuosos armazéns londrinos, está há quase dez anos. No Médio Oriente, segue clientes em três países. Tem ainda agenda no Japão e em Singapura.
É um especialista, mas nunca frequentou o curso de medicina. Ricardo distinguiu-se dos seus pares, bem como dos dermatologistas, por causa da leitura do ADN através do cabelo. É a sua principal ferramenta de diagnóstico — permite-lhe desbravar a árvore genealógica e identificar o que está a falhar no metabolismo capilar e até já o fez descobrir uma gravidez, e em primeiríssima mão. Devíamos ter mais cuidado com a saúde do nosso cabelo, em vez de massacrá-lo, segundo defende. Se bem que é sobre essa margem de descuido que Vila Nova tem construído o seu império. O nome permanece pouco conhecido, pelo menos entre os afortunados de cabeleira farta. Os outros (com algumas figuras públicas pelo meio) acabam por lhe bater à porta. É como o própria explica: “Vão ao Google e aí apareço”.
Antes de se especializar em cabelos, trabalhou com cuidados de rosto. Este interesse pelo mundo da beleza veio de onde?
Quando era mais novo, tinha imensa vontade de estudar o tema, só me interessava por isto. A minha mãe também é um bocado responsável. Ela tinha uma mente um pouco arrojada para a época e para o país, então deixava-me comprar a Vogue e a Elle. Naquela altura, havia muitas amostras de cremes e novidades que vinham com as revistas. Lia e pesquisava. Quando chegava às aulas, quase que deixava a matéria de lado e contaminava toda a gente. Era algo muito nato em mim, queria perceber em que direção a tecnologia da estética estava a avançar. Foi uma fase de muitas descobertas — a vitamina c aplicada ao skincare, o retinol, os peptídeos. E a própria comunicação tornou-se, de certa forma, mais agressiva. Já não era o creme Nivea que deixava a pele macia e hidratada. Estávamos a entrar numa fase em que a cosmética prometia entrar dentro da pele. Mas sim, acho que já fazia parte do meu ADN.
Não deixa de ser curioso que uma criança se interesse por fórmulas de cosmética.
Perdia para aí uma hora a tomar banho todos os dias, a pôr coisas, a experimentar. Isso era muito irritante para a minha mãe e para as minhas irmãs, mas queria sentir os cheiros, as texturas. Passava horas a ver produtos nas prateleiras do supermercado, no cabeleireiro, na perfumaria. Era fascinado com o quão rápido o mundo estava a mexer. Qualquer pergunta que me fizessem, parecia quase um assistente de perfumaria. Olhando para trás, vivia aquilo de uma forma um bocado obsessiva.
Senti a necessidade de trabalhar a cosmética numa vertente mais médica e aqui não tinha como fazê-lo. Queria usar no cabelo as técnicas que já eram usadas na pele — vitaminas injetáveis, mesoterapia, laser — e isso não existia simplesmente.”
E tinha noção de que Portugal não seria o melhor sítio para se acompanhar os avanços nessa área?
Não concordo. Foram os anos de ouro de Portugal, em que as pessoas tinham um consumo bem mais requintado. Havia algum atraso, claro. As coisas eram lançadas em Paris — Londres quase não existia –, mas não demoravam muito tempo a chegar cá. Falo do skincare da Yves Saint Laurent, da Chanel, da Dior. Quando comecei a estudar, fazia a ponte entre Portugal e França, então vinha sempre todo contente porque tinha acesso às coisas primeiro. Mas não, ir lá fora comprar deixou de fazer sentido, as coisas chegavam rapidamente. Não acho que Portugal estivesse muito atrasado nessa altura.
Quando chegou a altura de prosseguir estudos, agarrou-se a esta área.
Queria ter acesso a tudo o que era fórmulas de laboratório, misturas, combinações. Era muito bom em Química, em Matemática e, aos 16 anos, a minha tutora propôs-me ir para Paris. Vivia no Porto e a minha mãe teve de me emancipar, fomos ao notário e tudo — lembro-me que ela chorou um pouquinho. Mas foi uma viragem muito grande na minha vida. Completei os meus estudos através de equivalências e comecei a trabalhar em laboratórios. Aí, a minha tutora disse-me: “Foste brilhante, mas se quiseres ser alguém sai daqui. Em território francês, só os franceses se destacam. Tens muito conhecimento, mas acho que não vais ganhar o nome que é suposto ganhares se continuares aqui. Vais ficar sempre a trabalhar para alguém grande”. Foi um pouco dececionante porque Paris era aquele sonho.
Mas voltei e foi incrível — comecei a receber propostas, os ordenados eram altos e eu era um miúdo. Comecei por voltar para o Porto, depois fui para Aveiro e também morei em Lisboa. Trabalhei com um grande grupo português, fazia todo o trabalho de novos lançamentos, ia buscar novas tecnologias e implementava-as. À medida que fui evoluindo, senti a necessidade de trabalhar a cosmética numa vertente mais médica e aqui não tinha como fazê-lo. Havia a dermatologia e a cirurgia plástica e havia ainda a dermatologia aplicada aos cuidados de cabelo, mas não havia nada no meio. Queria usar no cabelo as técnicas que já eram usadas na pele — vitaminas injetáveis, mesoterapia, laser — e isso não existia simplesmente. Nos anos 1980, 1990 e até aos 2000, os cuidados da pele cresceram imenso — era laser para isto e para aquilo, pôr pelo, tirar pelo, vitaminas, botox, ácido hialurónico. E o cabelo estava ali com o champô, com o amaciador e com a máscara. Era preciso mais.
Ao mesmo tempo, não podia chegar à Faculdade de Ciências ou à de Medicina e criar um novo departamento. Foi então que se lançou esse curso em Londres, com o Instituto dos Tricologistas e com o Imperial College London. Mantém-se até hoje e este é um ramo da dermatologia que só trabalha o cabelo. Para mim, foi um atalho porque não tive de fazer os oito anos de universidade. Mudei-me para Londres em 2004 e, entre 2006 e 2007, comecei a focar-me só em medical hair.
Há um fator muito forte que terá sempre de ser controlado. Tem a ver com o estilo de vida, com o próprio sistema nervoso e com o foro metabólico. Falamos de elementos que podem induzir à redução ou alterar o metabolismo do fio do cabelo.”
É nessa altura que surge esta imagem do Ricardo como “encantador de cabelos”?
Quando comecei a trabalhar com tecnologia de cabelo, havia muito poucos recursos de diagnóstico. A tecnologia injetável é igual — aplicá-la no rosto ou no couro cabeludo é a mesma coisa –, os ingredientes é que diferem. Mas faltava o diagnóstico, então fui procurar uma maneira de fazer diagnóstico de cabelo e encontrei a leitura de ADN, a única forma de perceber como é que o cabelo funciona metabolicamente. A partir daí, vem a fama do hair whisperer, porque tudo o que via, dizia. Mas não adivinho nada, está lá tudo descrito.
Que tipo de coisas consegue ver através do cabelo?
Alimentação, cirurgias, pós-parto. Quando comecei em Lisboa, muitas vezes, a equipa enviava-me as análises para poder dar de imediato os resultados. Num desses casos, perguntei se a menina em questão estava grávida. A equipa dizia-me que não, o que era estranho porque, de facto, ela estava com uma oscilação hormonal. A cliente acabou por confirmar que, realmente, não estava grávida, mas estava lá um indício de que poderia haver uma gravidez. Uma semana depois, a cliente telefonou a dizer que tinha feito um teste e que, de facto, estava grávida. São coisas que a própria constituição do cabelo transmite. Vejo várias oscilações e acabo por dizer coisas que as pessoas não sabem. Consigo recuar mais ou menos cinco anos no histórico da pessoa. Chamam-me encantador, mas tenho alguns limites.
E que fatores é que podem influenciar a saúde do nosso cabelo?
Do pai e da mãe, herdamos a constituição genética. Isso define a cor do cabelo, o fio, o quanto estende, uma performance que varia de acordo com a posição de nascimento — se somos o primeiro, o segundo ou o terceiro filho — e com a condição da mãe e do pai. Basicamente, é isso que define o metabolismo do nosso cabelo, embora haja, à medida que vamos crescendo, fatores que provocam alterações. Na puberdade, por exemplo, as mudanças no corpo estão na origem de uma performance celular diferente também no cabelo. Quando falamos de um processo de redução androgenético, significa que há uma predisposição herdada dos pais, independentemente do nosso estilo de vida, e que vai definir a linha da frente, a redução na área de cima ou da coroa. Faz parte da nossa constituição genética, tenhamos os níveis de ferro altos ou não, tomemos suplementos ou não.
À parte disso, há um fator muito forte que terá sempre de ser controlado. Tem a ver com o estilo de vida, com o próprio sistema nervoso e com o foro metabólico. Falamos de elementos que podem induzir à redução ou alterar o metabolismo do fio do cabelo. Nas mulheres, durante a gravidez e no pós-parto, independentemente de terem tendência genética ou não, o cabelo sofre uma alteração. Normalmente, sofrem de queda. Em alguns casos, recuperam organicamente, noutros casos têm de trabalhar no restauro. A ação de medicamentos, anestesias e antibióticos cria toxinas que podem reduzir o metabolismo do fio.
Alterações do foro hormonal como problemas de tiroide, colesterol, níveis de testosterona e de progesterona não resultam num couro cabeludo totalmente descoberto, mas provocam um afinamento e uma transparência dos fios. Se um jovem de 18 anos já tem tendência para a redução genética e depois ainda catalisa isso com stress, com um problema hormonal e com uma alimentação que não ajuda, a redução que aconteceria em cinco ou dez anos, é muito mais rápida.
Nesse caso, faço o scanning. Olho para a constituição — se vem da mãe ou do pai, até onde estende, a área que se definiu, a área que enfraqueceu e como é que a adrenalina e a serotonina estão a afetar o cabelo — para depois poder prescrever o tratamento, que pode ser de ação mineral ou hormonal. Quando é queda metabólica, mudança da textura ou dificuldade de crescimento, é mais fácil. Só temos de trabalhar o metabolismo através de multiplicação celular, de aumento da cutícula e de proteína. Isso faz com que o cabelo ganhe textura. Quando são fatores genéticos, aí já dá um pouco mais de trabalho. É quase como mandar o cabelo para o ginásio. Temos de ter a certeza de que o metabolismo do cabelo continua ativo, ou seja, contrariar aquilo que a natureza determinou. Conseguimos adiar, não eliminar. Mesmo quem faz terapia hormonal com minoxidil ou finesterida — que não prescrevo porque não concordo — há cinco ou dez anos, chega a um ponto em que não consegue multiplicar mais.
Fala das várias opções de tratamento. São fórmulas naturais?
Trabalho numa plataforma onde o consumo de cosmética é muito alto. Neste momento, o consumidor e as marcas têm necessidade de se tornarem mais orgânicos e de utilizarem mais agentes naturais, hipoalergénicos. Obviamente, as pessoas continuam a gostar dos agentes de silicone, anti-frizz e de volume, que usam polímeros. Têm sempre de existir agentes csméticos, precisamos dessa parte. Em clínica, vou um pouquinho mais além do efeito cosmético, porque dar um efeito glossy ao cabelo é super fácil — adiciona-se um pouco de silicone num dia no dia a seguir lava-se e sai. É muito mais interessante construir os elementos que dão à pele aquela película hidroprotetora, que proporcionam uma camada de hidratação, que conferem elasticidade ao fio de cabelo e que permitem a reconstrução do córtex. Para isso, utilizamos agentes bioidênticos com poder de reconstrução. São extraídos de plantas ou compostos a partir de fórmulas como o ácido hialurónico para produzir o que o corpo não produz. Mas também não posso dizer que o que utilizo é 100% orgânico. Trato infeções, inflamações e problemas de tiroide, posso ter de utilizar antibacterianos, antissépticos, antibióticos ou anti-inflamatórios e esses são feitos em laboratório.
No cabelo, vejo muitas características do paciente — se dorme bem ou não, se tem ansiedade, se o cabelo vem da mãe ou do pai.”
E estamos a falar de produtos, na maioria, desenvolvidos pelo Ricardo?
Não tenho nenhuma linha. Vejo nos ingredientes de cada produto se ele é bom ou menos bom. Tenho a felicidade de ter casamentos com alguns laboratórios — um na Alemanha e um no Japão, onde estou com a Shiseido que me faz os suplementos e tudo o que é tecnologia injetável hidrolisada. Agentes de conforto como óleos naturais e essenciais, vou buscá-los à origem. Depois, trabalho ainda com agentes reconstrutores, caso da proteína e do colagénio. Vou buscar vários destes elementos e faço um condicionador ou um champô, seja para balançar, para higienizar ou para fazer um detox ao couro cabeludo, no caso de ser muito oleoso. O resultado não é tão cosmético, é algo que vai reconstruindo algo dentro do próprio organismo. Com a idade, vamos perdendo algumas particularidades. A pele fica mais seca, perde elasticidade. O cabelo é exatamente igual, então vamos reconstruindo os elementos que o organismo vai perdendo.
Por isso é que o primeiro diagnóstico é tão importante?
Tenho muita experiência, posso tocar no seu cabelo, olhar e ver. E sou meio cusco — quero saber de onde ele veio, como é que ele era há cinco anos, há dez anos, quero perceber quantas células de cutícula é que ele está a produzir agora, de onde é que vem o desequilíbrio. É falta de vitaminas no sangue? Vem de um processo imunitário ou hormonal? O cliente não descansa bem? Não dorme bem? Não come bem? No cabelo, vejo muitas características do paciente — se dorme bem ou não, se tem ansiedade, se o cabelo vem da mãe ou do pai. Gosto de ir mais a fundo.
Em 2018, volta a Portugal para abrir a clínica em Lisboa, mas mantém-se radicado em Londres. Porquê?
A minha casa é em Londres, a minha flagship é no Harrods. Estou sempre a viajar, todas as semanas. Mas o meu país é este. O facto de ter aqui uma clínica grande, cheia de conforto, é também uma forma de poder agradecer às pessoas daqui. Não renego de onde vim, foi aqui que tive as minhas oportunidades, que cresci e que a minha vida começou. Gosto de trazer para cá o que é bom, tal como já gostava em miúdo. Há um reconhecimento, não só no Reino Unido, mas em todos os sítios onde trabalho. Gosto que saibam que continuo aqui — e não é pelo negócio, é pela satisfação que tenho. Há sempre um patriotismo.
Estou no Harrods há quase dez anos […] Comecei com uma coisa pequenina num cantinho bem escondido, com muito pouca divulgação, para ver se aquilo não dava problemas, se ninguém tinha de sair dali de ambulância.”
E na realidade, quando abre a clínica em Lisboa, já está mais do que estabelecido no Harrods.
Estou no Harrods há quase dez anos. Fui convidado na altura em que o Mohamed Al-Fayed o vendeu à família real do Qatar, quando a visão do que era o luxo estava a mudar. Os vendedores estavam a antecipar o crescimento do online e a focarem-se nos serviços. Mesmo no caso das marcas de roupa ou de maquilhagem — não podia ser só chegar e comprar, tinha de haver serviço. Eles foram corajosos, começaram a levar procedimentos médicos para lojas de luxo. Comecei com uma coisa pequenina num cantinho bem escondido, com muito pouca divulgação, para ver se aquilo não dava problemas, se ninguém tinha de sair dali de ambulância. Era um risco, nada daquilo tinha sido explorado, mas para mim foi um privilégio. O departamento foi crescendo e crescendo. Hoje, temos o departamento Hair & Beauty e, no piso de baixo, temos um Wellness Center, com pequenos procedimentos médicos, terapias intravenosas, crioterapia — só não se fazem cirurgias. Em dez anos, esse departamento cresceu e as vendas convencionais desceram. Foi sorte, foi aquela mudança estratégica e foi ter sido arrojado. Quando voltei para Portugal, já estava muito mais estável, já tinha um negócio que me dava lucro. Estava confortável para abrir a porta dois, a porta três, a porta quatro…
Alguma vez se sentiu intimidado pela dimensão mediática de um cliente?
Intimidado, nunca. Há um nível de confiança muito grande, sobretudo com pessoas do poder político, para quem qualquer pessoa pode ser uma ameaça, sobretudo alguém que lhes entra em casa com uma caixa de injetáveis e com uma seringa, como eu. Mas não me sinto intimidado pela pessoa, pelo que ela faz ou pelo que ela tem. No fundo, acaba por haver uma certa vulnerabilidade, independentemente da fama e do poder que ela tenha. Quando me procura é porque algo a preocupa e, se me vou mostrar mais nervoso ou mais desconfortável, ainda vou alimentar mais a preocupação e vulnerabilidade dela. Tenho de ter um papel empoderador, entusiasmado e otimista. Quando vejo o seu ADN, não estou a ver o dinheiro ou os seguidores que tem. Mas sim, há situações em que fico impressionado com certas residências.
O próprio diagnóstico do ADN expõem um pouco as pessoas.
Expõe as pessoas de uma forma que não é a que querem passar para os média. Elas têm de sentir que aquela informação vai ficar ali, que vai ser confidencial.
Mas basta estabelecer essa relação de confiança ou também se assinam acordos de confidencialidade?
Com algumas pessoas sim — tenho de assinar contratos, veem tudo o que levo. Há casos em que vou a casa dos clientes, mas não sei a qual. Só quando o motorista deles chega é que fico a saber para onde vou, por isso, pode ser uma viagem de meia hora ou de duas horas. Às vezes, o computador tem de ficar cá fora, outras vezes é o telefone. Aconteceu-me uma muito engraçada há pouco tempo: esqueceram-se de mim e não tinha telefone. Então fiquei três horas à espera numa sala.
Há muita gente a usar os produtos errados no cabelo? Isso pode estar na origem de certos problemas?
O mercado do cabelo está segmentado, mas não está organizado. Ou melhor, ainda não está igual ao da pele. Na pele, as pessoas sabem que põem a maquilhagem, lavam a cara, fazem uma esfoliação uma vez por semana ou de duas em duas semanas, fazem uma máscara de hidratação, põem um tónico, põem um sérum, põem um hidratante, um creme de olhos. O couro cabeludo ainda é uma incógnita. O champô lava, a laca dá volume, a espuma faz caracóis, o óleo ajuda a alisar, depois lava outra vez. As pessoas percebem depressa o que é que lhes dá conforto — se tiverem um cabelo oleoso e usarem um champô para cabelo seco notam logo. As pessoas só continuam a não estar muito atentas à quantidade de cosméticos que aplicam e aos resultados que têm de retirar. Agora, já se vê esfoliante para o couro cabeludo, tónico, máscara de detox. Já começa a haver alguma semelhança com o skincare, mas ainda muito no início.
Todos nós gostamos de champôs de volume ou que ajudam a tirar o frizz, mas de vez em quando temos de fazer um detox, porque esses agentes cosméticos criam congestionamento no couro cabeludo e asfixiam a condição integral do cabelo.”
Ainda não faz parte de um ritual. Se chegar a uma La Mer, a uma La Prairie ou a uma Clinique, todas têm o kit inteiro. Vai ali ao cabeleireiro, têm um champô ótimo e falam-lhe num produto de styling incrível. Não há este passo a passo. Tento educar o paciente no sentido de aproximar couro cabeludo e pele. Temos de tirar descamação e toxinas e não há problema nenhum em utilizar agentes cosméticos — todos nós gostamos de champôs de volume ou que ajudam a tirar o frizz –, mas de vez em quando temos de fazer um detox, porque esses agentes cosméticos criam congestionamento no couro cabeludo e asfixiam a condição integral do cabelo. Se criamos congestão, o cabelo começa a funcionar mal, cria uma personalidade um pouco mais descontrolada e começa a desencadear-se um problema colateral que a pessoa nem se apercebe muito bem de onde vem. Falo de um cuidado integral, não cosmético: balançar pH, desintoxicar, hidratar — todos esses fatores deveriam estar mais implementados.
Acha que isso acontece também porque as pessoas veem o cabelo como um elemento estético e não pelo prisma da saúde?
Temos os dois lados. Principalmente para as mulheres, o cabelo é um acessório — dá para mudar a cor, dá para usar ondulado, depois liso, para pôr extensões. Às vezes, dizem-me que nunca ouviram falar de mim. Claro, isso é porque só ouvem falar de mim quando percebem que o cabelo não está bem, vão ao Google e aí apareço. “Ah eu pinto mas depois cresce, não tem problema nenhum. E descoloro todas as semanas” — mas quando os problemas chegam é que vêm ter comigo e, às vezes, tarde demais. Tento sempre ajudar, mas as pessoas deviam ter mais cuidado com a saúde do cabelo em vez de o massacrarem. Atenção: muitos cabelos nem sofrem, há pessoas que fazem cor a vida toda e o cabelo está ótimo, porque tem uma boa condição genética. Mas as pessoas já começam a preocupar-se mais. Começam a tomar suplementos e, quando não conseguem comer saudável, compensam com vitaminas. Querem encontrar o champô certo, mesmo que não tenham nenhum problema.
Ainda existem muitas ideias erradas de como cuidar do cabelo?
A pergunta que toda a gente me faz: “É verdade que lavar o cabelo todos os dias apodrece a raiz e fá-lo cair?”. Eu lavo o meu cabelo todos os dias, tem sinais de estar apodrecido? Faço-o porque tem uma condição em que, se não o lavar, fica super oleoso. Se o cabelo for muito oleoso e houver muitas toxinas, é melhor higienizá-lo com mais frequência do que deixar toxinas asfixiarem a raiz do cabelo. Agora, o que chamo a atenção é: se tiver de levar todos os dias, seja seletivo no champô que vai usar. Não posso usar um champô com uma ação detergente super agressiva todos os dias, vou criar dermatite. E dou sempre um exemplo: se fosse pela água, não era só o cabelo que apodrecia, eram as sobrancelhas, a barba, os pelos do peito. Há outras áreas com cabelo que são expostas à água diariamente, ou até mesmo mais do que uma vez por dia, e não é por isso que o fio apodrece. A nossa pele só absorve a água até um certo ponto. É um mito. Pode fazer mal se o couro cabeludo for muito seco e desidratado. Se lavar todos os dias, vai ter muito desconforto. Se ele tiver tendência genética para cair, lavando ou não, isso vai acontecer de qualquer forma. Aí a questão é outra, não tem a ver com a água.
Dizem-me que nunca ouviram falar de mim. Claro, isso é porque só ouvem falar de mim quando percebem que o cabelo não está bem, vão ao Google e aí apareço […] Tento sempre ajudar, mas as pessoas deviam ter mais cuidado com a saúde do cabelo em vez de o massacrarem.”
Muitas perguntas sobre cabelos brancos?
Ai o cabelo branco. Todos os órgãos que produzem melanina, quer no corpo quer no cabelo, são muito sensíveis. Cada folículo tem a sua própria produção de cor e, quando para, é muito difícil reativar. Através de anti-ageing e de agentes de regeneração, muitas vezes, verificamos que a percentagem de cabelo branco pode reduzir, mas digo sempre: “No dia em que tiver a resposta para o cabelo branco não me veem mais”. É o que toda a gente quer, mas é muito difícil. E ele aparece em qualquer altura, não tem a ver com a idade, não tem a ver com o tipo de comida. É a sensibilidade das células de pigmentação. Uma vez paradas, é impossível pô-las a pigmentar outra vez.
Temos assistido ao surgimento de novas marcas que banem os componentes não naturais. É claramente uma tendência. Isso reflete-se, de facto, num cabelo mais saudável?
Sem dúvida que sim. Temos um bom movimento. Na parte do tratamento de cabelo — champô e condicionador — temos esse lado mais orgânico e respeitador da condição integral do ser humano. Tentamos minimizar os sulfatos, agentes que retiram propriedades essenciais à saúde do cabelo. Se olharmos para a coloração, já vemos coloração à base de óleo, sem amoníaco. Todos esses passos já vieram melhorar tudo, tendo em conta o haircare de há 20 ou 30 anos. Regulamentar também funciona aqui. Há um limite de químicos a que cada produto pode expor a pele. Se for medicamente formulado é diferente.
Qual a diferença entre ter uma consulta consigo e uma ida a um dermatologista?
Todos nós temos a responsabilidade de solucionar, dentro das tecnologias que temos, o problema de qualquer pessoa. Temos de obedecer a protocolos. No que me destaquei foi em trabalhar metabolicamente a reconstrução do fio. Deixei a parte da cosmética, das soluções rápidas, e entrei numa área um pouco mais alargada. Com a constituição do ADN do paciente, não só identifico o sintoma como vou à raiz do problema. E muitas vezes a resposta ao problema nem passa por um tratamento ao couro cabeludo, mas por um tratamento de imunologia, de endocrinologia, de nutrição. E, como opero de uma forma global, tenho de olhar a muitos constituintes — o clima, a água, a medicamentação, fatores étnicos, metabólicos.
Se o cabelo for muito oleoso e houver muitas toxinas, é melhor higienizá-lo com mais frequência do que deixar toxinas asfixiarem a raiz do cabelo. Agora, não posso usar um champô com uma ação detergente super agressiva todos os dias”
No início da entrevista, falou nas portas que quis abrir depois de se estabelecer em Londres. Neste momento, quais são os planos para o futuro?
Tenho sempre este lado ambicioso — abri no Harrods, abri em Lisboa, abri em Abu Dabi, no Dubai e no Bahrain, e ainda tenho uma boa agenda no Japão e em Singapura, mas ainda não cheguei à América. Já percebi, quando vou a Los Angeles e a Nova Iorque, que há muito pouca oferta desta especialidade. É uma história que está a pedir para ser contada. Será um pouco mais complexo, mas será o próximo passo. E o modelo tem de ser o mesmo, senão não abro. Toda a gente se senta comigo, toda a gente tem diagnóstico e prescrição e toda a gente tem bons resultados, não interessa onde é. Além disso, são só seis horas. Depois, tenho uma equipa que dá continuidade e que segue o meu protocolo.
A alternativa seria revelar alguns dos segredos do encantador de cabelos?
Não vejo por esse lado. Tenho uma equipa que trabalha muito perto de mim e não tenho nada fechado. As formulações ficam feitas. Há casos que são semelhantes e em que eles próprios conseguem perceber o que estamos a tratar. Mas há o meu outro lado, o meu dom, que é difícil transmitir. Quer dizer, alguém vai ter de seguir isto porque também não vou durar para sempre. Por enquanto, estou a divertir-me a viajar e a conhecer pessoas. Não me desgasta, daqui a dez anos não sei.