De continente em continente, de oceano em oceano e agora entre as estrelas. Andrew Rader, gestor de missões espaciais da empresa privada norte-americana SpaceX, lançou em Portugal um livro sobre as grandes explorações da humanidade. “Rumo ao Desconhecido”, da editora Marcador, revela as histórias desconhecidas dos grandes avanços do Oriente, analisa os Descobrimentos portugueses e teoriza sobre o que nos reserva o futuro fora da Terra.

Em entrevista ao Observador por e-mail, mesmo escapando às perguntas sobre o papel da companhia de Elon Musk no novo capítulo da aventura da Humanidade pelo mundo, Andrew Rader revelou porque é que precisamos de viver noutros planetas, porque é que não vale a pena levantar questões éticas sobre a responsabilidade do Homem em corpos como Marte — “são objetos inanimados, como montanhas” — e responde se estamos ou não perante uma nova corrida espacial.

A capa de “Rumo ao Desconhecido” de Andrew Rader. Créditos: Marcador

No livro diz que já temos a capacidade de nos tornarmos uma espécie multiplanetária. Porque é que ainda não o somos, então?
Acho que estamos no caminho de nos tornarmos uma espécie multiplanetária. Depois de os humanos terem pousado na Lua em 1969, abrandamos um pouco. Temos a tecnologia para iniciar esse processo e perseguir a vontade de dar esse passo estimulará as inovações necessárias para viver no espaço por longos períodos de tempo. Como a história da exploração nos ensina, a tecnologia sempre funcionou dessa maneira. Estabelecemos uma meta primeiro, depois a nossa tecnologia alcança as nossas aspirações e lutamos para realizar os nossos sonhos. Tenho a sensação de que as pessoas agora estão a começar a ficar realmente empolgadas em viajar para o espaço. A longo prazo, desde que não nos destruamos, é inevitável que pelo menos uma pequena porção da humanidade deixe o nosso planeta para viajar para o espaço.

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E a humanidade está pronta para essa nova responsabilidade?
Planetas são objetos inanimados, como as montanhas. A única coisa que importa em termos de responsabilidade é o impacto que podemos ter sobre os outros seres vivos. Tanto quanto sabemos, não existem outras formas de vida em lugar nenhum do Universo. Pode haver, pode não haver, mas certamente não existem civilizações avançadas noutros planetas no nosso sistema solar, como Marte. Viajar para Marte e aprender a viver em condições tão desafiadoras proporcionaria um grande incentivo para aprender como sustentar melhor a vida em dificuldades. Pense nos incentivos gerados para a produção local de alimentos em pequena escala, reciclagem de água, energia solar e eficiência energética. Foi ao estudarmos Vénus e Marte que descobrimos as possibilidades dos efeitos de estufa e invernos nucleares. Aprender a viver noutros planetas seria um enorme benefício para a vida por conta própria.

Mas porquê fazê-lo, além daquela motivação natural para conhecer o mundo que nos rodeia?
Uma presença sustentável fora da Terra forneceria uma apólice de seguro de último recurso contra muitas das ameaças que enfrentamos. Considerando o pouco que isso custaria, não parece negligente não tomar essa precaução contra a extinção? Sustentar a humanidade na Terra é obviamente muito mais importante do que fundá-la noutros mundos. No entanto, longe de estar em concorrência com esse objetivo, estabelecer uma presença humana no espaço avançaria significativamente ao atuar como um motivador de tecnologia para a sustentabilidade.

Pode dar-me alguns exemplos?
Enfrentamos enormes pressões de populações crescentes e recursos cada vez menores, mas a escassez é puramente uma questão de tecnologia. A cada hora, a Terra é bombardeada por energia solar suficiente para alimentar a nossa civilização por um ano. O nosso mundo está a nadar em água, então porque é que as pessoas têm sede? A tecnologia é a melhor — talvez a única — maneira de elevar o padrão de vida de todos. As inovações necessárias para viver no espaço são exatamente as mesmas que são necessárias para salvar o nosso planeta, mas para o assentarmos no espaço há um imperativo direto. Fáceis de adiar na Terra, tecnologias como a filtragem portátil de água, a produção eficiente de alimentos em pequena escala, a captura solar e p armazenamento de energia e impressão 3D a pedido são necessárias para a sobrevivência básica noutros mundos.

E se não falarmos de tecnologia, apenas da nossa evolução enquanto comunidade?
Viajar para o espaço dá-nos uma perspetiva como espécie. Quão insignificantes e desprezáveis as nossas disputas terrenas parecem em órbita… Imagine os impactos sociais de ter colonos humanos noutro mundo. Que perspetivas únicas desenvolveriam? Que problemas resolveriam? O que nos poderiam ensinar? A exploração pode aproveitar energias inquietas para fins construtivos. O objetivo de nos estabelecermos noutros mundos é que serviria como uma chamada de atenção para que os nossos jovens desenvolvam as suas habilidades tecnológicas, para que também possam participar da maior aventura da nossa era. Esse é um desafio que enfrentamos muitas vezes ao longo de nossa existência, está no coração da nossa própria natureza. Depois de andarmos pelas planícies da África, agora fazemos um círculo completo nas nossas viagens. De um mundo que se tornou pequeno demais, estamos a mudar-nos para um universo que será para sempre muito grande.

No seu livro olhou para a História para identificar os momentos em que a humanidade deu um passo em frente e iniciou novas explorações. Boa parte desses passos veio em tempos de guerra. Estamos, de alguma maneira, a viver uma nova e silenciosa era da corrida espacial?
É verdade que a guerra tem sido um grande impulsionador tecnológico ao longo da história, como na exploração. A chave da inovação tecnológica é desafiarmo-nos a nós mesmos e a concorrência também desempenha um papel importante. Explorar é, por definição, colocarmo-nos na vanguarda do que é possível e tentar ir além disso. E, ao contrário do que acontece na guerra, que é destrutiva e tem muitos impactos negativos, a exploração tem impactos predominantemente positivos, como a capacidade de nos unir e aprender sobre o mundo.

A China foi muito importante para a exploração do mundo antes do século XV. Porque é que diminuíram o ritmo depois disso, mas decidiram regressar na modernidade?
A China era uma burocracia imperial monolítica governada por uma pequena elite. Eles, em última análise, não viram nenhum benefício para a exploração. O contacto com o estrangeiro trazia novos conhecimentos, mas foram uma ameaça para os que estão no poder. A mudança é motivada pelo desejo de perturbar o status quo e, portanto, é uma ameaça para os que estão no poder. Um imperador tinha o poder de isolar a China e impedir que ela se expandisse para o exterior.

Isso também era verdade na Europa.
Mas a Europa era uma colcha de retalhos de estados a discutir e a competir entre si pela sobrevivência. Se um explorador não conseguia encontrar apoio num país, ele ia para outro. Dessa maneira, Colombo tentou a Itália, Portugal, Inglaterra e França, antes de finalmente encontrar apoio em Espanha. Magalhães viajou para Espanha porque Portugal já havia encontrado uma rota pela África para o Oriente e não queria perturbar o seu monopólio comercial. A competição significa oportunidade. Hoje, a China percebeu o seu erro e é recetiva a influências e ideias estrangeiras. Ao longo da história, as nações mais abertas sempre foram as mais bem-sucedidas.

De qualquer forma, porque é que essa contribuição chinesa não é tão reconhecida no ocidente?
No mundo ocidental, enfatizamos sempre a nossa própria história. Provavelmente é isso que toda a gente faz, especialmente aqui na América. As pessoas querem conhecer a sua própria história e isso é importante. Mas em “Rumo ao Desconhecido” estou a contar a história da humanidade. É claro que os europeus tiveram um papel fundamental na história da exploração e uniram o mundo, mas eu queria o máximo possível contar a história dos não europeus. Sempre que pude no livro, conto a história dos outros, como os polinésios, chineses, indianos, nativos americanos e africanos. Hoje, às vezes, temos a sensação de que os europeus desenvolveram uma superioridade tecnológica e depois partiram para o mundo para descobri-lo e conquistá-lo.

Não foi isso que aconteceu?
Foi ao contrário. Quando o Infante Dom Henrique, o Navegador, organizou as primeiras expedições, a China era a principal potência do mundo e a Europa era pobre e tecnologicamente atrasada. Foi descobrindo o mundo e abrindo-se ao comércio global que a Europa passou a ser predominante no mundo no século XX. Isso ocorre porque a própria exploração e as oportunidades que ela criou geraram incentivos, inovação e sucesso económico.

E no presente, há algum país a fazer grandes progressos e que não está a receber créditos suficientes para isso?
Muitas nações percebem agora que o espaço é importante para o seu futuro. A China talvez se esteja a mover mais rapidamente para alcançar, com astronautas, uma estação espacial, missões robóticas na Lua e um objetivo de construir uma estação espacial na Lua. Mas a Índia e o Japão não estão muito atrás, com lançamentos de foguetes para o espaço e planos para enviar seres humanos num futuro próximo. Até o Brasil tem um programa espacial incipiente.