Enviada especial à Índia

Quando entrou, logo pela manhã deste sábado, pelo Hotel Taj Mahal Palace, em Mumbai, para uma pequena cerimónia de homenagem aos mortos do atentado terrorista de 2008, Marcelo Rebelo de Sousa foi brindado com flores, um pano sobre os ombros e o famoso bindi na testa (o ponto vermelho pintado entre os olhos que, entre outras coisas, também faz parte do ritual de boas-vindas hindu). O pequeno ponto só ali ficou o tempo estritamente necessário, quando passados 15 minutos abandonou o hotel, Marcelo já ia de testa limpa. O mesmo na receção em Goa, horas depois, o mesmo bindi e a mesma velocidade em limpar a testa e voltar a vestir o fato de Presidente-caixeiro-viajante. Não do estadista dos rituais quase turísticos. E muito menos do roteiro da saudade, ainda que Marcelo diga que não há que ter “complexos” com o passado português na Índia.

Em 17 horas apenas, o Presidente português pisou três cidades indianas. Partiu de Deli já de noite, na sexta-feira, para Mumbai (antiga Bombaim), onde chegou de madrugada, e daí para Panaji, no Estado de Goa, na tarde de sábado. Pelo meio ainda houve umas horas de sono, mas logo depois a partida para encontros com empresas e a assinatura de acordos de parceria. Por territórios que Portugal já teve em mãos — num passado que Marcelo quer deixar bem lá atrás — acabou por pegar de frente eventuais nostalgias, ao contrário do que se contava entre diplomatas que o assessoraram na preparação desta visita.

Nos dias antes da visita começar, quem preparava a visita em Belém avisava que não se esperasse um roteiro a olhar para o passado, sobretudo em Goa, onde até nem estava previsto o encontro com a comunidade portuguesa que de repente surgiu na agenda para acontecer neste domingo, último dia da viagem. Por pressão do próprio Presidente. Era de esperar, dizia-se, ainda menos referências a esse passado colonial que podia fazer surgir incómodo entre os locais. Mas Marcelo trocou essa voltas e precisamente em Goa (que foi a capital do Estado português na Índia entre 1510 e 1961), entrou por um seminário de design e planeamento urbano, na empresa pública Panaji Smart City Development, a dizer que não quer nostalgias, mas que isso também não pode significar um apagamento do passado.

“Orgulhamo-nos da herança cultural que deixámos em Goa, Damão e Diu”, sintetizou Marcelo em declarações aos jornalistas no fim da intervenção no seminário. Há “cruzamentos culturais que são históricos e outros que são presentes e que são novos desafios que se colocam hoje”, apontando ali sobretudo à evolução da “ciência, no domínio das matemáticas, na geografia, na geofísica”.

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No seminário sobre Design Urbano no Estado de Goa. Estela Silva/LUSA

Estes cruzamentos devem ser vistos sem nostalgia, mas sem complexos no aproveitamento do passado virado para o futuro e em como isso pode servir para enriquecer os nosso laços com a Índia”, acrescentou querendo mesmo sublinhar que esta relação “não é uma nostalgia, nem uma realidade que está a morrer, é uma realidade que se vai enriquecer virada para o futuro”. Daí a troca de experiências empresariais e de conhecimento que quis promover nesta viagem.

O “microclima cultural” da Índia “tem a ver com a herança” portuguesa, reforçou ainda. E é no âmbito da troca de conhecimentos que coloca, por exemplo, o acordo assinado em Goa entre a Águas de Portugal e o Governo de Goa para que a empresa portuguesa dê assistência técnica à autoridades goesas para a modernização do sistema de tratamento de águas. O investimento previsto nesta colaboração é de meio milhão de euros em dois anos, explicou a administradora executiva da AdP, Alexandra Serra, que classifica o projeto de “extremamente importante” para a empresa já que “é o primeiro” que tem na Índia. E também assegura que já foram identificados outros estados indianos onde o know how da AdP pode ser aproveitado.

As raízes de Costa ajudaram à “empatia”

Marcelo ainda mencionou outras áreas de colaboração, depois de Portugal ter deixado em Goa sete documentos assinados com a Índia. Embora a esmagadora maioria (seis em sete) destas parcerias seja conseguida através de memorandos de entendimento (na saúde, ao nível da investigação cientifica e tecnológica, articulação entre institutos e ainda entre os Estaleiros Navais de Peniche e os indianos West Coast Shipyard) para trocarem conhecimentos e partilharem a ambição de construção em conjunto. Estreitar laços, mas ainda com pouco investimento direto em cima da mesa. Para já, é partilhar experiências.

E Marcelo tem a tese — exibida nesta visita — de que esta relação concreta leva tempo a construir. Mas agora teve um empurrão forte, que referiu logo de manhã em Mumbai, no Seminário Empresarial. “Há uma coisa que faz muita diferença num homem de negócios [e na plateia, na capital financeira da Índia, estavam alguns]: a empatia. A relação pessoa para pessoa“. E isto para introduzir um episódio. Aquele em que o “primeiro-ministro António Costa, que é o único primeiro-ministro europeu com raízes indianas e o primeiro de sempre a ser primeiro-ministro, criou empatia com o primeiro-ministro Modi”.

Em Mumbai, no encontro com empresários indianos.

No seminário, o presidente português puxou deste trunfo, mas também exibiu entre os empresários indianos na assistência a “plataforma” que é Portugal e como somos e somos confiáveis” e “a evolução da nossa economia, a implementação da democracia, a estabilidade e segurança, a estabilidade política e económica”. Um verdadeiro panfleto vivo da promoção de Portugal como destino empresarial. 

O Presidente dança?

Da Índia vai, garante, “muito impressionado” com a “personalidade política e o empenho nesta nova fase de relacionamento” por parte do primeiro-ministro Narendra Modi. Diz que na reunião que mantiveram no dia anterior a “agenda foi esgotada” e que a relação entre os dois países sai reforçada. Em frente ao Gateway of India (monumento deixado pelos ingleses em Mumbai, antiga Bombaim, e por onde entravam quando chegavam a país. Foi também por lá que saíram), Marcelo posou para as fotos da praxe com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, e também com os deputados portugueses que foram na delegação, e falou nesse “abraço fraterno” entre a Índia e Portugal.

Durante este momento, os turistas que normalmente povoam aquela zona junto ao monumento, estavam à distância, para lá das barreiras de segurança (redes altas) colocadas pelas autoridades indianas para manter o local seguro durante a visita do chefe de Estado português. Mas Marcelo teve de fazer o gosto à selfie e aproximou-se da multidão que espreitava curiosa. Num minuto, ouviu-se do lado de lá em bom português “presidente”. Dois portugueses queriam cumprimentá-lo. “Ponham-se de costas que tiramos uma selfie que eu não consigo saltar isto”, atirou Marcelo para o lado de lá com o habitual espírito de missão que tem nisto das selfies.

Dali a momentos havia de comentar com Santos Silva: “Há sempre um português no sítio mais improvável do mundo a aproveitar as férias de Carnaval. É uma coisa que se perde quando se exerce qualquer cargo, a existência dos fins-de-semana e do Carnaval”. E daí desatou a discorrer a sua agenda presidencial para o período do Entrudo, incluindo um encontro na Associação Cabo Verdiana em Lisboa, para a comemoração dos 50 anos em Portugal. Santos Silva não resistiu e lá deitou um desafio: “Então, dança no sábado à noite e volta a dançar na sexta”. “Eu agora já me defendo muito disso que a proveta idade já não me permite grandes danças”, respondeu logo Marcelo.

Longe vai o tempo da primeira visita de Estado, a Moçambique em 2016, e dos toques no esquema da Marrabenta. Por mais colorido e ritmado que seja o espetáculo à sua frente. E na Índia, não faltaram, como se vê, nem mesmo os bindi.