Passos Coelho está de volta e já não é só um desejo de sebastianismo do PSD. Em pouco mais de três semanas, o antigo primeiro-ministro falou por três vezes: em Ponte da Barca, para apelar a uma boa relação entre PSD e CDS, em declarações ao Expresso para defender um sobressalto cívico contra a aprovação da eutanásia e está terça-feira, na apresentação do livro de Carlos Moedas “Vento Suão: Portugal e a Europa”, que decorreu no El Corte Inglés, em Lisboa. Desta vez, Passos Coelho deu um passo em frente e atacou mesmo António Costa: por ter criticado Moedas no passado e por ter escolhido a pasta dos fundos europeus para Elisa Ferreira. A Europa era o que estava à mão e foi isso que Passos atirou contra o primeiro-ministro socialista.
Na assistência comentava-se que Passos estava “outra vez em grande forma”. Quem se tivesse colocado numa máquina do tempo, pensaria ter aterrado de novo no passismo. Ministros que fizeram parte do governo de Passos, como Paulo Macedo, Paula Teixeira da Cruz, Miguel Relvas, ou o centrista António Pires de Lima, ajudaram a encher a sala. O staff do antigo primeiro-ministro também estava representado em peso, por António Valle, Rudolfo Rebelo ou João Montenegro. O líder parlamentar de quase toda a ‘era Passos’, Luís Montenegro, também não faltou (nem Miguel Pinto Luz).
Mas se o próprio Carlos Moedas disse na sexta-feira, que gostaria de ver “novamente Passos Coelho em papel de destaque“, no programa Vichyssoise da Rádio Observador, hoje pôde ouvir o homem a quem dedicou a livro a criticar o primeiro-ministro, qual líder da oposição. Só mais um detalhe para o ‘cheiro’ a passismo no ar: Passos Coelho falou 40 minutos, aquilo que falava sempre quando era governante.
Durante esse tempo, Passos criticou a escolha de pasta que António Costa fez para Portugal na atual comissão Von der Leyen, acusando o atual governo de se preocupar mais com a “propaganda” do que propriamente com o interesse do país.
O antigo primeiro-ministro disse mesmo, visando Costa: “Nunca a quis nem nunca a pedi, a pasta dos fundos estruturais. Não percebo porque o atual governo a quis. Como Portugal é grande beneficiário, não percebo o interesse. A pasta dos fundos europeus não serve para nada a não ser para fazer propaganda no país. Temos interesse em tudo, menos nos fundos”.
Antes disso — quando falava das críticas a Carlos Moedas aquando da nomeação — Passos Coelho já tinha criticado Costa. Lembrava o antigo líder do PSD que, na altura, “o atual primeiro-ministro também se pronunciou” e que, por isso, agora “quase irresistível citar o atual primeiro-ministro”. Ora, lembrou Passos, Costa definiu na altura a escolha como “o pior sinal que o governo podia dar” e acusou Moedas de ser “o mais ortodoxo dos ortodoxos”, ainda “mais ortodoxo que Vítor Gaspar”. O antigo primeiro-ministro recorda que considerou logo “exageradas” as críticas de Costa, mas entendeu-as no contexto do “clima que se vivia no PS, que era de disputa interna”. E acrescentou: “Pareceu-me que estava a tentar não ficar atrás do líder e adversário [António José Seguro].”
Mas como não há duas sem três, Passos lembrou que agora Costa já faz um “balanço muito positivo” do mandato de Carlos Moedas. De tal forma, disse o antigo primeiro-ministro em tom irónico, que “até o chamou a S. Bento para uma bonita cerimónia de passagem de pasta”. E a seguir, no mesmo tom, atirou ao lado de propaganda do governo: “Toda a gente sabe que as passagens de pasta de Bruxelas se fazem em S. Bento”. Ouviram-se sorrisos na sala.
A conversa com “Jean Claude” e como Maria Luís quase foi comissária
Passos contou ainda a história de como Maria Luís esteve quase para ser comissária, mas não foi porque o BES estava a entrar em falência. Passos Coelho enumerou os méritos de Carlos Moedas, mas confirmou que, naquela época, “Maria Luís Albuquerque esteve para ser comissária“. Segundo Passos tudo começou quando o presidente da Comissão Europeia, Jean Claude-Juncker “entrou a matar” e lhe disse:”O que pensas de fulano?” (Passos não disse na sessão, mas falava-se de Silva Peneda, amigo pessoal de Juncker, na altura). Ao que Passos respondeu: “Jean Claude, isso não tem pés para andar, é complicado explicar, mas não tem pernas para andar.” Ao que Juncker ripostou: “Então tem de ser Maria Luís Albuquerque.” Passos disse logo: “É Ministra das Finanças, não pode ser.” A verdade é que, após reflexão, Passos aceitou “equacionar” a hipótese, até porque Portugal teria a pasta do semestre europeu e ficaria com a vice-presidência: “Era a pasta de [Valdis] Dombrovskis”.
Passos teve então de dar uma resposta a uma sexta-feira, mas essa era uma semana crítica, com “o BES a viver uma situação que inspirava a maior das preocupações, é o primeiro-ministro teve de dizer a Juncker que não podia perder a ministra das Finanças ao mesmo tempo que anunciava a falência de um banco. E assim conseguiu impor a sua ideia inicial: Carlos Moedas.
Já Carlos Moedas confessou que “as suas pernas tremeram um pouco“, mas que acabou por aceitar. O maior desafio, explicou na apresentação do livro, era tentar contar a história da Europa, daí o “vento suão“, nome do espaço de crónicas que tinha no Correio da Manhã e que deram origem ao livro (e também nome da crónica que o seu pai tinha num jornal local no Alentejo). Passos contou ainda como Moedas conseguiu fugir da pasta dos Assuntos Sociais (acabou por ficar com a Ciência e Inovação) e que o próprio o aconselhou a fazê-lo: “Vai andar a levar porrada durante cinco anos e não pode fazer nada, porque as decisões estão nas mãos dos Estados-membros”. O mérito de conseguir uma pasta importante, disse Passos, foi depois de Carlos Moedas, por pressão junto de Jean-Claude Juncker.
E se Carlos Moedas é apontado como uma hipótese para a liderança do PSD no futuro, Passos resolveu a questão num tom bem humorado: “Não sei o que quer fazer no futuro, mas faça bom uso”.
Estiveram presentes antigos líderes do PSD, como Marques Mendes, Francisco Pinto Balsemão, mas o atual líder, Rui Rio, não apareceu. Assim não ouviu o elegio que Passos lhe fez. O antigo primeiro-ministro lembrou que, quando escolheu Moedas, António José Seguro fez criticas injustas, enquanto o PSD, perante a escolha de Elisa Ferreira,”sem fazer a promoção da candidatura, na verdade endossou-a.”
No fim da apresentação, Passos Coelho não quis prestar declarações, nem sobre a apresentação em si (já o tinha feito dentro da sala) nem sobre a eutanásia (isso já tinha feito em declarações ao Expresso e num artigo no Observador em 2018).
Três vezes Passos num espaço de pouco mais de três semanas
Numa altura em que já existe quem clame pelo seu regresso ao PSD, esta é já a terceira vez que Passos Coelho tem intervenções públicas num espaço de três semanas. A última dessas intervenções foi em declarações ao Expresso, a 12 de fevereiro, sobre a questão da eutanásia, em que disse que percebe bem “que os peticionários [pró-referendo] estejam inconformados com a ligeireza com que o Parlamento se prepara para aprovar a eutanásia”.
Passos Coelho dizia ainda, na mesma intervenção, que a petição que solicita o referendo tem “o mérito de chamar a atenção para a necessidade de se discutir seriamente o tema e provocar um sobressalto cívico com a forma leviana como a esquerda entende legislar sobre assuntos da maior importância”. O antigo primeiro-ministro falou de “uma decisão profundamente errada” e lamentou que o PSD não tenha tomado posição sobre a matéria.
Pouco antes disso, a 26 de janeiro, Passos Coelho também tinha participado tomada de posse dos novos órgãos da concelhia de Ponte da Barca, no distrito de Viana do Castelo, onde defendeu a afirmação e uma união entre PSD e CDS para que juntos consigam fazer as “ações reformistas importantes” que o país precisa.
Passos Coelho pede aliança à direita para fazer as reformas que o país precisa