Quem pensasse que, depois do Congresso, Rui Rio e os deputados do PSD entrariam num clima de paz, enganou-se. A guerra voltou à boleia do debate sobre a despenalização da eutanásia, com um grupo de deputados encabeçado por Pedro Rodrigues a dizer que vai avançar com uma iniciativa legislativa para propor um referendo. Problema: Rui Rio e a direção da bancada do PSD acha “inoportuno” falar de referendo agora, uma vez que as atenções devem estar concentradas no debate dos projetos de lei que estão em cima da mesa, e Adão Silva anunciou que não vai agendar nenhuma proposta que seja contrária à da direção da bancada, ainda para mais feita “à revelia”. Ou seja, Rio, que vai votar a favor da despenalização da morte assistida, não diz se é a favor ou contra a ideia de referendo, mas diz que essa discussão só se deve colocar depois do processo legislativo que arranca esta quinta-feira.
Resultado? Perante as ordens da direção da bancada, alguns nomes que foram inicialmente dados como parte integrante desse movimento pró-referendo roeram a corda, alegando que defendem a ideia de referendo mas que essa discussão não deve ter lugar já (só depois de quinta-feira). De acordo com a agência Lusa, no decorrer da tarde desta quarta-feira, os deputados Alberto Machado, Sandra Pereira, Cristóvão Norte e Carlos Silva demarcaram-se da iniciativa, alegando que o seu nome foi “abusivamente utilizado” como subscritores da iniciativa.
Mas enquanto uns se demarcaram, outros bateram o pé. Foi o caso do deputado Pedro Pinto, conhecido adversário de Rio na luta interna e também tido como subscritor da iniciativa, que, em declarações aos jornalistas no Parlamento, confirmou que é a favor da ponderação de um referendo e criticou o ‘seguidismo’ imposto pelo líder, vincando que tem tanta legitimidade como o líder do partido para querer ou não propor um referendo sobre o tema. O ponto, disse, é que o assunto não foi discutido no grupo parlamentar.
Questionado sobre o facto de Adão Silva, que é o primeiro vice-presidente da bancada, ter dado a entender esta quarta-feira que não seria agendada uma iniciativa da qual a direção discordasse, Pedro Pinto foi duro nas críticas à direção do partido: “Não podemos andar a defender a alteração do sistema político, a moralidade da política, a dizer que os deputados devem ser independentes e devem estar a representar quem os elege, e, em contrapartida, dizer que ‘sim’ a tudo o que venha sabe Deus de onde”.
Para Pedro Pinto, o facto de Rio não querer discutir o referendo agora é tão válido como o facto de o deputado Pedro Pinto querer fazê-lo. “O presidente do partido não vê necessidade neste referendo mas eu vejo, estamos aqui nesta casa com a mesma legitimidade, ambos eleitos com os votos do povo”, atirou. Ou seja, segundo Pedro Pinto, tem de haver uma posição maioritária na bancada parlamentar e essa será, então, a posição da bancada. “O grupo parlamentar é um órgão nacional do partido, se o grupo parlamentar decidir que sim [à iniciativa para propor um referendo], a direção do grupo parlamentar tem de seguir o que decidir a maioria”, disse ainda aos jornalistas.
Deputados a agir “à revelia” da direção? Quatro dão passo atrás
Na semana passada, Rui Rio já tinha defendido que “o referendo não está em cima da mesa” neste momento e que só no final do processo parlamentar se verá “se a sociedade o quer”. Esta manhã, Adão Silva repetiu a ideia: não é tempo de referendo, é tempo de debate e votação na generalidade. Em declarações aos jornalistas no Parlamento, disse que “não conhecia” a proposta em causa, que teria sido feita “à revelia” da direção, e, por isso, não iria propor o agendamento de “nada”. “Não vai ser agendada porque nem sequer existe nada que eu conheça, não posso propor agendar nada que não existe”, disse.
A realização do referendo constava de uma moção aprovada no último congresso do PSD, mas para a direção da bancada parlamentar do PSD a questão do referendo não se coloca agora. “O que está em cima da mesa é o dia 20, amanhã, onde teremos o debate” e a votação de cinco projetos de lei, disse Adão Silva esta manhã. Tudo o resto é extemporâneo e “inoportuno”. Adão Silva reforçou ainda que há “total liberdade de voto nesta matéria”, pelo que o tempo agora é de “serenidade” e “tranquilidade”.
Na origem de tudo está a iniciativa encabeçada por Pedro Rodrigues que pretende dar corpo a um projeto de resolução para propor um referendo sobre a despenalização da eutanásia — e que andou a recolher assinaturas no grupo parlamentar nesse sentido. De acordo com Pedro Rodrigues, que deu conta da iniciativa numa nota enviada à agência Lusa esta terça-feira, o segundo subscritor dessa iniciativa seria o líder da distrital do Porto, Alberto Machado, o terceiro seria Cristóvão Norte, tendo também já aderido o ex-líder da distrital de Lisboa Pedro Pinto, os deputados eleitos pela capital Carlos Silva e Sandra Pereira, bem como os parlamentares e líderes das distritais de Coimbra e Viseu, Paulo Leitão e Pedro Alves, respetivamente. Alguns destes nomes, contudo, vieram esta tarde dizer que o seu nome tinha sido usado “de forma abusiva”, demarcando-se da iniciativa. Pedro Pinto, Pedro Alves e Paulo Leitão, contudo, mantêm-se dentro.
“Os signatários são, por princípio, favoráveis ao referendo, mas entendem que essa ponderação apenas poderá ter lugar após a votação do próximo dia 20”, referiram os quatro deputados que tinham sido apontados como apoiantes da iniciativa e que agora dão um passo atrás. Na nota, realçam que “não subscreveram nem tencionam subscrever qualquer proposta de referendo, a menos que a mesma mereça concordância da Direção do Grupo Parlamentar”. Ou seja, não vão agir “à revelia” do líder. “É um princípio de lealdade que jamais visam ou visaram colocar em causa, tendo, por isso, o seu nome sido abusivamente utilizado”, salientam.
Entretanto, Rui Rio, que estava no plenário, saiu do Parlamento a meio da tarde sem passar pela zona dos jornalistas, evitando dessa forma responder a mais questões sobre este tema. Ao final do dia, contudo, fonte do grupo parlamentar social-democrata confirmava oficialmente à agência Lusa aquilo que Rui Rio já tinha evidenciado: que o líder do PSD vai fazer parte da minoria social-democrata que vai votar a favor da despenalização da morte assistida.