Uma análise a uma base de dados com os genomas de 103 pessoas atingidas pela epidemia de coronavírus revelou que há duas estirpes de COVID-19 a circular pelo mundo. Uma, a do “tipo S”, é a menos agressiva e foi encontrada em 30% dos casos; a outra é do “tipo L”, é mais agressiva e foi detetada em 70% dos infetados. Para os investigadores, esta descoberta comprova a “necessidade urgente para mais estudos imediatos e compreensivos”.

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Primeiro, um esclarecimento. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, existem pelo menos 104 variantes do novo coronavírus em circulação. A diferença entre eles está na informação genética: quando os vírus se replicam, a informação genética copiada de um para outro pode sofrer mutações que dão origem a uma nova variante. Mas essas mutações são tão ténues que são quase imperceptíveis. Geneticamente falando, são semelhantes em mais de 99%.

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O que esta equipa de investigadores chineses veio anunciar é que essas variantes podem ser divididas em dois subtipos do vírus COVID-19 cujas diferenças na informação genética são mais expressivas — o tipo S e o tipo L. Conforme teorizaram, é possível que o tipo de vírus mais agressivo tenha evoluído do tipo menos agressivo (que é também o mais antigo), que mudou para se tornar mais resistente ao meio. Isso é algo comum no vírus da gripe sazonal, por exemplo, que muda ao longo do tempo para conseguir subsistir no meio.

Os dados estatísticas sugerem que o tipo L era o mais comum no início do surto em Wuhan, na China. E continua a ser assim. Mas a partir de janeiro deste ano, a prevalência do COVID-19 do tipo L começou a diminuir. O motivo continua por descobrir, mas os cientistas desconfiam que isso é consequência dos tratamentos que têm sido aplicados nos humanos. É como se o COVID-19 do tipo L, embora seja mais agressivo, estivesse a ceder ao contra-ataque dos médicos. Nesta batalha, o Homem está a conquistar terreno.

Há, no entanto, algumas reservas a manter sobre estas conclusões — tal como admitido pelos próprios investigadores, que adjetivaram o estudo como “muito limitado”. O número de genomas estudados é muito pequeno e, tal como comentado pelos especialistas no tema, o termo “agressivo” que foi utilizado pelos cientistas, não só é pouco usual na virologia, como é ambíguo. Será que uma estirpe mais agressiva é aquela que se reproduz com mais rapidez quando infeta uma célula? Será que é, mais do que isso, a facilidade e a velocidade com que se espalha pelo corpo? Ou estamos a falar da gravidade dos problemas de saúde que ela provoca?

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São interrogações que Michael Skinner, especialista em virologia do Imperial College London, coloca na reação que publicou a este anúncio: “Eles especulam que o tipo L pode ser mais ‘agressivo’, mas esse não é um adjetivo que normalmente aplicamos aos vírus, sobre os quais falamos de transmissibilidade, aptidão, virulência”, corrige. E acrescenta: “Os vírus precisam ser capazes de se replicar em cada hospedeiro e transmitir-se entre eles de forma sequencial. É bem possível que uma forma do vírus seja melhor na replicação e outra na transmissão“.

Stephen Griffin, professor da Universidade de Leeds, também ressalva que “é difícil confirmar estudos sem uma comparação direta lado a lado da patogenicidade e disseminação, idealmente em modelos animais ou pelo menos um estudo epidemiológico bastante extenso”.

De resto, prossegue o especialista, não é de estranhar que o vírus tenha entrado em mutação: “Geralmente, quando os vírus com ARN [um tipo de molécula portadora de informação genética] atravessam as barreiras de espécies pela primeira vez e entram nos seres humanos, eles não estão particularmente bem adaptados ao novo hospedeiro. Assim, eles costumam sofrer algumas mudanças, permitindo que se adaptem e se tornem mais capazes de se replicar e se espalhar de humano para humano“, explica.