Arrancou na última sexta-feira o calendário de desfiles da edição número 54 da ModaLisboa. Distribuídos os louros do concurso Sangue Novo, o programa abriu caminho para duas criadoras da plataforma Lab. Carolina Machado, uma designer desejosa de retomar o contacto com a natureza, remeteu-se a uma paleta de cores serena, composta por um vede seco, bege, branco, castanho e azul bebé.

No descritivo da coleção, prometeu “longevidade e naturalidade”, o que explica a opção por peças clássicas como o trench coat (bege, contudo coberto de lantejoulas), as calças e as várias opções de camisaria. Os tops e camisas cropped trouxeram pele à vista para o outono de Carolina. A lã, material essencial a qualquer tipo de reconexão com a natureza, surgiu inesperadamente em calções de ciclista.

Quem também se deixou inspirar pela natureza foi Ana Duarte, a criativa que assina as suas peças apenas com o sobrenome. Num ambiente adverso como os Himalaias — a paragem por trás da coleção –, Duarte cumpriu a tarefa de assegurar abrigo. Os casacos, estrelas de um desfile que apresentou visuais de neve mas não só, brilharam em robustez e detalhes. A designer continua a reforçar o lado unissexo de muitas das suas peças — na sexta-feira à noite, homens e mulheres surgiram na passerelle blindados com as mesmas parcas e sobretudos.

Duarte © MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

Houve ainda espaço para o sportswear mais ligeiro, traduzido em bombers e em calças e sweatshirts em algodão reciclado. Não se avistaram vestidos de traçar, best-sellers que Ana optou por deixar de fora do desfile para deixar espaço a um guarda-roupa mais desportivo. Nos estampados, colaborou com o street artist Edis One, cujo trabalho tem sido desenvlvido em torno de espécies animais em vias de extinção.

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Valentim Quaresma: o designer artista está em velocidade cruzeiro

Para quê cingir o trabalho a uma única fonte de inspiração, se na realidade o universo de referências pessoais não está assim tão compartimentado e se a experiência é cumulativa e contínua? Foi o que pensou Valentim Quaresma quando começou a idealizar o próximo outono-inverno. Em 61 coordenados, o designer revisitou filmes, canções e livros numa coleção chapéu do que é o universo pessoal de Valentim Quaresma. “Deixou de fazer sentido estar preso a uma ideia para começar uma coleção, é muito redutor. Achei que era muito mais interessante trabalhar essa coleção à medida que ia vivendo várias experiências”, explica ao Observador.

Um trecho de Godard foi o mote do desfile — “O importante não é onde é que vais buscar a inspiração, é até onde a levas. E foi o que quis fazer. Ver até onde posso levar a inspiração de tudo o que absorvo, da música que ouço, dos filmes que vejo, daquilo que leio, as minhas referências”, completa.

Valentim Quaresma © MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

Pela dimensão, a coleção surgiu seriada. Ora as peças eram marcadas por composições de pequenas peças de cabedal, ora tilintavam devido aos componentes de metal. Houve malhas, vinil, neoprene e ainda a reutilização de fitas de cassetes de áudio, encontradas no lixo e incorporadas em tecidos, já na fase final da apresentação. Quanto ao lado mais íntimo desde universo de referências pessoais, Quaresma remete para o romantismo que predominou no início do desfile, na forma das grande rosas negras e dos espinhos que adornaram os coordenados.

O desfile teve ainda duas convidadas especiais, as cantoras Marisa Liz e Fábia Rebordão. “Não sou nada de musas, mas esta coleção está muito ligada às minhas memórias, àquilo que gosto, e elas são duas referências grandes para mim. E também porque daqui a dois dias é Dia da Mulher e elas são duas mulheres super poderosas”, esclarece.

Da moda para a escultura, dentro do atelier, Valentim Quaresma também é artista e sem mãos a medir em nenhum dos papéis. “A moda permite-se experimentar mais coisas, obriga-me a explorar a minha criatividade. O ritmo é muito mais acelerado do que na arte e eu tenho uma esquizofrenia que tenho de gastar — a moda permite-me isso”, partilha. Cumprida mais uma ModaLisboa, Quaresma prepara-se para entrar agora numa “fase mais calma”. Na agenda tem já uma residência artística na Câmara Municipal do Montijo e uma exposição na galeria Espaço Exibicionista, em setembro.

Carlos Gil rumo à sobriedade

Nos últimos anos, Carlos Gil foi um dos nomes que deu consistência ao calendário de desfiles do Portugal Fashion. O criador fez parte do plano de internacionalização da moda nacional, levado a cabo pela organização, com sucessivas passagens pela Semana da Moda de Milão. Estratégia subitamente redefinida, deixando o designer em terra nas últimas estações.

Nesta 54ª edição da ModaLisboa, Carlos Gil voltou a integrar o calendário de desfiles da ModaLisboa, uma mudança efetiva, depois de na última edição ter visitado a capital numa aparição powered by Portugal Fashion. Powered by ele mesmo, o designer afirma ser um regresso há muito aguardado. “Não esqueço o Portugal Fashion, que me deu imensos momentos felizes. Mas neste momento, a marca precisava de regressar à ModaLisboa. Aqui, sinto-me mais perto das clientes”, admite Carlos Gil, que possui uma loja junto à Avenida da Liberdade, em Lisboa. “Segundo o presidente da ANJE [associação responsável pelo Portugal Fashion], vou continuar, ao abrigo do acordo entre o Portugal Fashion e a ModaLisboa, a estar presente nas ações internacionais que o Portugal Fashion faz. O tempo o dirá”, conclui, à conversa com o Observador.

Carlos Gil © MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

Na passerelle, Carlos Gil fechou o alinhamento desta sexta-feira. O desfile começou com uma vaga negra, onde apenas os grandes botões dourados dos blazers sobressaiam. Era o pronto-a-vestir diurno do criador, mais monocromo, com blusas vaporosas, transparências e saias plissadas. A explosão de cor era inevitável. As silhuetas repetiram-se, algumas exibiram um padrão que, viemos a perceber, não era zebra, mas sim as linhas da impressão digital do próprio Carlos Gil aumentadas. Da ausência de luz passámos à soma de todas as cores. O branco fechou o desfile, num sinal de “pureza, leveza e paz”, com explicou o designer.

Ao que parece, já lá vai o tempo em que o evening wear de Carlos Gil dilatava a pupilas de quem se sentava na primeira fila. O criador fala num “novo passo” rumo às “necessidades” reais das clientes. “Há algumas estações que procuro a sobriedade, nesta atingi a sobriedade total”, remata. Ainda assim, sentimos falta do brilho.

A 54ª edição da ModaLisboa continua este sábado nas Oficinas Gerais, junto ao Campo de Santa Clara. A estreia da marca Buzina, o regresso de Luís Buchinho e os desfiles de Ricardo Preto, Luís Carvalho e Nuno Gama são os destaques do dia. Entretanto, veja as imagens dos desfiles desta sexta-feira, na fotogaleria.