A juíza de Instrução do Tribunal de Leiria deliberou levar a julgamento o presidente da Câmara de Pedrógão Grande, Valdemar Alves, acusado de vários crimes no processo de reconstrução das casas, refere o despacho divulgado esta segunda-feira.

Além de Valdemar Alves, também pediram a abertura da instrução o ex-vereador Bruno Gomes e o construtor civil João Paiva. Todos vão ser julgados em tribunal coletivo, refere o despacho a que a agência Lusa teve acesso.

Valdemar Alves e Bruno Gomes vão responder por 20 crimes de prevaricação de titular de cargo político, 20 crimes de falsificação de documento e 20 crimes de burla qualificada, os mesmos crimes de que estavam indiciados na acusação do Ministério Público.

Já João Paiva está acusado de um crime de burla qualificada e outro de falsificação de documentos.

Segundo a decisão da juíza de Instrução, Valdemar Alves “validava as informações no sentido de que as habitações afetadas eram habitações próprias e permanentes e esse era também um pressuposto para a concessão dos apoios”.

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“As diferentes entidades confiavam nas informações prestadas pela autarquia e validadas pela comissão técnica. Tal constituía uma garantia de que eram cumpridos os critérios exigidos”, justifica, afastando a tese defendida pelo arguido, de que não estaria a par do desenrolar dos processos de atribuição de subsídios às habitações ardidas no incêndio de 2017.

O despacho adianta ainda que o presidente da Câmara “sabia qual a finalidade a atribuir aos donativos e qual era a prioridade na sua afetação”.

Encontra-se, pois, indiciado que com essa conduta o arguido contribuía que fossem beneficiadas pessoas que não preenchiam os requisitos para ter acesso aos apoios económicos e, como se extrai das regras da experiência comum, face à posição assumida pelo arguido, com essa conduta, o mesmo granjeava vantagem política, uma vez que o município de Pedrógão Grande ficaria beneficiado com mais verbas para a revitalização”.

Relativamente a Bruno Gomes, a juíza de Instrução entende que a sua conduta “não pode ser analisada isoladamente, uma vez que o mesmo está acusado da prática de crimes em coautoria, nomeadamente com o arguido Valdemar Alves”. Além disso, estando a “exercer funções como vereador não poderia o mesmo estar a desempenhar, em simultâneo, as funções como funcionário técnico”, como alegou durante a instrução.

Atentando “na prova existente no inquérito”, indicia que “o arguido tinha uma intervenção ativa e preponderante”.

O despacho admite ainda que “a qualificação jurídica atribuída pelo Ministério Público na acusação [a Bruno Gomes] poderá ser discutível e podem existir entendimentos divergentes”.

“Contudo, considera-se que esta não é a sede própria para tomar posição sobre uma eventual alteração da qualificação jurídica dos factos, uma vez que a correta qualificação jurídica dos mesmos depende da produção de prova que se venha a realizar em julgamento e na análise conjunta de toda a prova, tanto mais que se encontram acusados 28 arguidos e apenas três requereram a instrução”, lê-se ainda na decisão.

Sobre o papel que assumiam os pareceres validados pelo arguido Bruno Gomes, a juíza admite que os mesmos “não eram vinculativos”.

No entanto, “assumiam um papel essencial para a decisão a proferir”. “Ao dar o referido parecer, o arguido estava a validar as informações que constavam nos requerimentos apresentados. O parecer constituía uma declaração que confirmava a verdade dos factos alegados pelos requerentes e tinha implícito um juízo sobre o preenchimento dos requisitos necessários para a atribuição dos apoios”

O incêndio, que deflagrou em 17 de junho de 2017, em Escalos Fundeiros, no concelho de Pedrógão Grande, distrito de Leiria, e que alastrou depois a concelhos vizinhos, provocou 66 mortos e 253 feridos, sete deles com gravidade, tendo destruído cerca de 500 casas, 261 das quais habitações permanentes, e 50 empresas.

O MP de Coimbra deduziu acusação contra 28 arguidos no âmbito do inquérito que investiga alegadas irregularidades no processo de reconstrução das casas que arderam no incêndio.

O processo foi para Leiria devido à “competência territorial”, explicou fonte judicial à Lusa.

“Foi requerida a perda de vantagens provenientes dos crimes no montante global de 715.987,62 euros“, refere ainda o MP.

No despacho foi ainda “determinado o arquivamento ou separação de processos quanto aos restantes 16 arguidos”, já que a PJ tinha apresentado um procedimento para acusação de 44 arguidos.