Há escolas encerradas, empresas a fechar portas, outras em serviços mínimos e cidades fantasma no norte de Portugal — tudo parte de um esforço nacional para travar uma doença que insiste em disseminar-se e que lançou o planeta numa luta contra uma pandemia. E, ainda assim, as imagens que circulam nas redes sociais mostram a praia de Carcavelos e o jardim do Arco do Cego repletos de gente que devia estar em quarentena.

Ricardo Parreira, professor e virologista do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, é perentório no comentário que tece em conversa com o Observador: “Assim não vamos a lado nenhum. Tenho assistido a uma série de comportamentos que só significam que a mensagem não está a ser interiorizada. O fecho das escolas pouco importa se os miúdos saírem dali para se enfiarem num centro comercial”.

Segundo o especialista, “o vírus está a passar entre as malhas da rede”. Mesmo que a quarentena não fosse seguida à risca — a situação ideal era que toda a gente pudesse passar as duas semanas de isolamento em casa, sem participar em reuniões sociais —, o importante neste momento seria “as pessoas não irem à escola ou ao trabalho, mas também não se irem reunir noutros lugares”: “Isso não é quarentena alguma. O objetivo é precisamente evitar os locais onde há contacto social”.

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Uma regra que não foi seguida pelas dezenas de pessoas que se concentraram esta quarta-feira nas praias e jardins portugueses. O tempo de sol atraiu quem estava de quarentena para fora de casa, o que resultou numa acumulação de gente em alguns locais do país. O problema? Esses locais tornaram-se focos em que o novo coronavírus pode circular com maior facilidade, contribuindo para aumentar a pandemia.

Isso mesmo foi explicado ao Observador por Cláudia Conceição, médica e professora no Instituto de Higiene e Medicina Tropical: “Ouvi relatos de pessoas que vão passar a quarentena para sítios onde têm casas de férias. Em princípio não vejo problema nisso, mas tudo depende daquilo que elas vão para lá fazer porque podem levar o vírus onde ele ainda não chegou”, descreve. De outra forma, “é irresponsável”: “Estes são tempos diferentes, não são para se tirarem férias”.

Cláudia Conceição admite que “dificilmente se pode ficar completamente em isolamento social”, mas aconselha “moderação”. Ir à praia ou a um jardim “não é sensato”, concretiza a médica. É que, mesmo sendo espaços abertos e assumindo que o vírus é sensível à temperatura e à radiação ultravioleta (estas características continuam por apurar), “se estivermos todos muito próximos temos condições para que o vírus se propague”, explica.

Tanto a médica como Ricardo Parreira apontam a culpa ao mesmo fator: falta de responsabilidade social e de cidadania. “As pessoas não estão cientes da gravidade deste problema, da complexidade que o vírus tem. É preciso que as pessoas metam na cabeça que este tipo de comportamentos desvirtua qualquer medida de mitigação que se esteja a tomar. Temos de tirar os olhos do nosso umbigo e olhar uns pelos outros. Este é o tempo para isso. Não há hipotese B”, conclui o virologista.