Já foram prometidos alguns milhares de milhões de euros para ajudar setores mais vulneráveis, com o turismo e o comércio à cabeça. Há também apoios para as empresas em caso de lay-off e aos trabalhadores que tenham de ficar em quarentena, isenções fiscais e prolongamento de prazos e empréstimos a juros baixos. E mais dinheiro para a saúde público. Estas são as principais medidas que estão a ser anunciadas pelos governos para travar o efeito paralisante que a pandemia está a ter nas economias europeias. Um efeito que começou no setor das viagens e no turismo, mas que rapidamente alastrou ao comércio, aos restaurantes, espetáculos e às empresas, à medida que têm de fechar portas e que as pessoas são “convidadas” a ficar em casa.
Apesar da dimensão de alguns pacotes, só o Reino Unido anunciou um reforço de despesa de 30 mil milhões de libras, dos quais 12 mil milhões só por causa do coronavírus, ainda são uma gota de água quando comparados com os biliões (estamos a falar de milhões de milhões) que desapareceram das bolsas esta semana, a mais negra de sempre na Europa e provavelmente nos Estados Unidos.
O plano “agressivo” de Trump que deitou abaixo as companhias aéreas e as bolsas
O “mais agressivo e abrangente esforço para responder um vírus estrangeiro na história moderna”. Foi com este soundbite que Donald Trump anunciou medidas para conter o coronavírus e algumas iniciativas pontuais de apoio aos setores económicos mais afetados. Mas se um dos objetivo do plano anunciado esta quarta-feira à noite, era contrariar efeitos adversos na economia, o efeito foi precisamente o contrário.
A decisão de proibir os voos com origem na maioria dos países europeus — o Reino Unido ficou de fora por razões que serão mais políticas do que saúde pública, tal como o transporte de mercadorias — provocou o caos nos aeroportos, a revolta na União Europeia e abalou ainda mais as bolsas. As ações das companhias aéreas e da gigante Boeing estão entre as mais penalizadas que arrastaram o Dow-Jones, principal índice de Nova Iorque para uma abertura negra mesmo com paragem de 15 minutos.
O resto das medidas anunciadas pelo presidente fica muito aquém das expetativas. Entre elas está o apoio do Estado de emergência para assegurar assistência financeira aos trabalhadores que fiquem doentes ou em quarenta. Foram dadas instruções ao Departamento do Tesouro para adiar o pagamento de impostos, sem juros ou multas , para empresas e cidadãos afetados. Está igualmente previsto que o departamento público para pequenos negócios disponibilize capital e liquidez a empresas mais penalizadas.
O pacote não foi bem recebido no congresso dos Estados Unidos onde os democratas querem ir mais longe, em especial no apoio aos desempregados e na assistência alimentar, programas que Trump combateu desde que chegou à presidência. Outra medida que divide os dois partidos é a baixa paga pelo Estado a trabalhadores doentes que os democratas querem tornar permanente. De fora, para já, ficou o anunciado corte nos impostos sobre as empresas.
Os estímulos à economia não dependem só do presidente. A Fed, o banco central dos Estados Unidos, já tinha voltado aos corte das taxas de juro, menos 0,5 pontos percentuais, e esta quinta-feira anunciou que vai gastar 1,5 mil milhões de euros na compra de obrigações e travou durante algum tempo a queda na bolsa de Nova Iorque, mas não evitou a maior queda diária do índice Dow-Jones desde a segunda-feira negra de outubro de 1987, ou seja, há 33 anos.
Resposta do BCE não convenceu
Antes de avançar com um pacote de medidas, a presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, avisou os líderes que teriam de enfrentar uma crise comparável à de 2008 se falhassem no lançamento de ações coordenadas. Apesar do aviso, o plano do BCE acabou por desapontar os mercados. Sem mexer nas taxas de juro, já não há muita margem de manobra para usar esta ferramenta, o Banco Central Europeu vai aumentar a compra de obrigações (dívidas do Estado) e pacotes de dívida corporativa em 120 mil milhões de euros até ao final do ano. Foi ainda provado um novo programa de financiamento à banca desenhado para transferir financiamento a baixos custos para as empresas europeias.
De Bruxelas não basta dinheiro, é preciso deixar subir o défice
O conselho europeu, que reúne os líderes de governo dos países da União Europeia, reuniu por vídeoconferência na terça-feira para discutir uma resposta ao impacto económico do coronavírus. Uma das poucas coisas que se ficou a saber foi um fundo de 25 mil milhões de euros, para apoiar as empresas, sobretudo as PME. Nesta conversa de duas hora e meia foi explicitado que deste valor, 5,7 mil milhões de euros ficarão logo disponíveis. Este valor pode ser reforçado em 18 mil milhões de euros, através de co-financiamentos aos Estados-membros.
Foi também sinalizado que haveria flexibilidade na aplicação das regras que limitam as ajudas de Estado para conceder apoios financeiros e subsídios aos setores económicos mais expostos, como a aviação comercial que por regras comunitárias não pode ser financiado pelo Estado.
Já esta sexta-feira, foi revelado que a UE vai avançar com um pacote de 37 mil milhões de euros em investimentos, com as verbas a serem canalizadas preferencialmente para o apoio aos sistemas de saúde, ao mercado laboral e às pequenas e médias empresas. A Comissão Europeia vai ainda usar garantias públicas de mil milhões de euros para permitir empréstimos até oito mil milhões aos negócios mais afetados pela nova crise, abrangendo previsivelmente cerca de 100 mil empresas.
Mas falta aquela que será a garantia mais importante para os líderes do Governo sobretudo de países que ficaram “escaldados” com a resposta à recessão de 2009. É preciso que Bruxelas, e países da chamada linha dura do euro, aceitem flexibilizar as regras do pacto de estabilidade para permitir aos estados injetarem dinheiro na economia sem se preocuparem com o impacto nos défices e a na dívida pública.
Mas para isso, avisou António Costa, é preciso que a Comissão Europeia não mude de política depois como sucedeu em 2009. Portugal, então liderado por José Sócrates, promoveu investimento público e aumentou os salários públicos em 2,9% — decisões que calharam também em ano de eleições. Um ano depois chegou a conta através da desconfiança dos mercado, das descidas do rating e da pressão de Bruxelas por causa da subida do défice, que ajudou a arrastar Portugal para o resgate financeiro.
Itália. Foram anunciados 25 mil milhões, mas ainda se sabe pouco onde serão gastos
A Itália é o país mais abalado pelo coronavírus e onde as consequências económicas mais se fazem sentir. Todo o país está de quarentena desde o início da semana com as viagens proibidas para fora, mas também fortemente limitadas a nível interno. O sistema de saúde dá sinais evidentes de colapso perante a pressão esmagadora de novos casos e esta quarta-feira chegou a ordem para fechar todos os estabelecimentos comerciais, com exceção de farmácias e supermercados.
A emergência naquela que é uma das maiores sete economias mais industrializadas do mundo não é apenas na saúde pública, mas também na economia. Só no primeiro trimestre, o produto terá encolhido 7,5% face ao trimestre anterior, mas ainda não há dados oficiais.
Roma anunciou um pacote de 25 mil milhões de euros de despesa, mas ainda não se conhecem muitas medidas concretas. Em discussão estarão iniciativas de apoio aos trabalhadores que sejam apanhados em lay-offs, o reforço de um fundo de garantia para financiar empresas de pequena e média dimensão, bem como compensações a empresas que perderam mais de 25% das receitas (ou rendimentos no caso dos particulares) e que passam por uma moratória no pagamento de empréstimos com hipotecas.
Entre outras iniciativas que podem ser adotadas estão o adiamento do pagamento de contas da luz, gás, água e telecomunicações, e também um reforço de pessoal nos hospitais.
Reino Unido abre os cordões à bolsa
Já a braços com os efeitos do Brexit na economia, o Reino Unido foi um dos primeiros países a anunciar medidas robustas, um pacote de 30 mil milhões de libras (34 mil milhões de euros) para injetar na economia. Londres tem um trunfo que os países do euro não tem, um banco central independente (ainda mais agora que está fora da União Europeia) e com margem de manobra que já cortou as taxas de juro.
O plano, apresentado pelo recém-chegado ao cargo de ministro das Finanças, Rishi Sunak, prevê que 12 mil milhões de libras sejam destinados especificamente a medidas de combate aos efeitos do coronavírus, incluindo um envelope de cinco mil milhões para o Serviço Nacional de Saúde. Ficam mobilizados sete mil milhões de libras para apoiar as empresas e os trabalhadores que tenham de entrar em quarentena, que serão pagos pelo Estado enquanto ficarem em casa, se trabalharem em empresas com até 250 funcionários.
Os negócios “sociais” mais afetados como lojas, cinemas, restaurantes e casas de espetáculo vão ter taxas específicas abaixo das 51 mil libras suspensas por um ano.
As autoridades locais vão ter um fundo de 500 milhões de libras para apoiar as pessoas mais vulneráveis.
Também haverá um interrupção temporária dos limites à concessão de crédito para permitir aos bancos dar empréstimos até 1,2 milhões de libras a pequenas e médias empresas.
O governo britânico já tinha reforçado a despesa em 18 mil milhões de libras para o próximo ano antes do impacto do coronavírus. Os gastos do Estado e o investimento públicos previstos fazem do próximo orçamento o mais generoso desde 1992.
Espanha reforça saúde e ajuda setor do turismo
Com uma ministra já infetada e a mulher do vice-presidente do Governo também, o que coloca Pablo Iglesias de quarentena, Pedro Sanchez revelou esta quinta-feira medidas para travar o efeito da pandemia. A economia espanhola, tal como a portuguesa, está especialmente exposta aos impactos no turismo — os hoteleiros falam em tsunami — e está entre os países com mais casos na Europa. O pacote de 18 mil milhões de euros será dirigido às autoridades de saúde centrais e regionais, mas há pouco dinheiro efetivo para já previsto.
As regiões vão receber transferências de 2,8 mil milhões de euros para as infraestruturas de saúde e há um reforço de mil milhões de euros do orçamento do Ministério da Saúde.
O setor do turismo que, na expressão dos empresários da hotelaria foi atingido por um tsunami, vai contar com apoios financeiros de 400 milhões de euros. O núcleo do pacote passa por permitir aos pequenos negócios adiar ou efetuar pagamento faseado de impostos nos próximos seis meses.
“Estes são momentos difíceis, mas vamos conseguir ultrapassá-los. Vamos ultrapassar isto com unidade e responsabilidade de todos”, afirmou o líder do Governo Pedro Sanchez.
Alemanha agiliza leis de lay-off, promete investir todo o excedente, até admite défice
O país dos excedentes orçamentais já está preparado para deixar esta bandeira e entrar em défice, para combater os efeitos do coronavírus. O motor da economia europeia teve de cancelar vários grandes eventos, como feiras industriais, e as empresas são um dos alvos preferenciais das medidas.
A legislação que estabelece as compensações para trabalhadores forçados a reduzir o horário de trabalho por causa da crise (lay-off) será flexibilizada entre abril e o final do ano. Berlim também está pronto a apresentar propostas que proporcionem apoios de liquidez às companhias mais atingidas. Estas intenções já estão a ser negociadas com as centrais sindicais. O Governo de Angela Merkel promete ainda investir mais 3,1 mil milhões de euros por ano entre 2021 e 2014, num valor total de 12,4 mil milhões de euros que é financiado pelo excedente orçamental alcançado no ano passado.
E Portugal? Apoios à tesouraria das empresas somam 2300 milhões
As medidas já anunciadas logo no início da semana estão especialmente centradas nas empresas e trabalhadores afetados por situações de quarentenas. Há um regime simplificado de lay-off no qual o Estado vai assegurar 70% dos custos do salário durante seis meses e as empresas 30%. Os trabalhadores vão receber 100%.
Com a entrada em vigor do novo Orçamento do Estado, aplica-se também a regra de pagar a 100% aos trabalhadores que fiquem em casa por assistência à família, o que poderá vir a ter um grande significado financeiro na sequência da decisão de encerrar escolas a partir da próxima segunda-feira.
Já esta quinta-feira, António Costa revelou que esse mecanismo será estendido aos trabalhadores independentes. E para os país que tenham de ficar em casa a cuidar dos filhos até as 12 anos por causa do fecho das escolas será criado um mecanismo especial de compensação parcial do rendimento, a partilhar entre o Estado e o setor patronal. O trabalhador vai receber dois terços do salário, num encargo dividido entre o Estado e empregador.
As empresas que recorrerem a este regime vão ficar isentar de pagar contribuições sociais. São prolongados os prazos de cumprimento de várias obrigações fiscais ao nível do IRC, em particular o Pagamento Especial por Conta.
E já na madrugada de sexta-feira e após o Conselho de Ministros, foram anunciada medidas de apoio à tesouraria das empresas no valor de 2300 milhões de euros, um valor que ainda pode aumentar. Destacam-se:
- Assegurar o fluxo de tesouraria às empresas o mais rapidamente possível através da linha de crédito de 200 milhões de euros às PME, que já tinha sido anunciada.
- Linha de microcrédito destinada às empresas do setor do turismo de cerca de 60 milhões de euros;
- Os pagamentos pendentes do Portugal 2020, programas de fundos comunitários, serão efetuados de imediato, ao abrigo do regime de adiantamento;
- Foi determinada a aceleração dos pagamentos por parte da administração pública ao setor privado.
Ainda não há um envelope financeiro total para os apoios à economia, nem para o reforço do esforço financeiro no setor da saúde. Os gastos adicionais previstos nas prestações sociais aos trabalhadores que fiquem em casa somam 294 milhões de euros, com o Governo a afastar para já um Orçamento retificativo.
Atualizado às 01h20 com medidas aprovadas em Conselho de Ministros.