O surto de Covid-19 decretou o fecho de escolas em todo o país e restringiu a circulação dos portugueses, com o Governo a admitir prolongar o “estado de alerta” para lá de 9 de abril. A emergência provocada pelo novo coronavírus vai além das fronteiras portuguesas e pode representar, de certa forma, um problema de saúde mental para doentes, familiares e amigos de infetados e também para profissionais de saúde. Ansiedade e depressão são duas realidades prováveis de acontecer.
A emergência que o mundo enfrenta agora apresenta semelhanças com o surto de SARS, que entre 2002 e 2003 vitimou mais de 800 pessoas (a Covid-19 já matou mais de 5.000 pessoas desde dezembro do ano passado). Apesar das diferentes apresentações clínicas, o rápido padrão de transmissão e a falta de preparação das autoridades de saúde são dois pontos semelhantes entre os surtos, tal como mencionado neste estudo publicado na revista The Lancet.
Quase metade dos sobreviventes do último coronavírus — o SARS — tiveram transtornos mentais: quatro anos após o surto, um estudo publicado em 2014 na revista especializada East Asian Arch Psychiatry mostrou que 54,5% dos sobreviventes manifestou transtorno de stress pós-traumático, enquanto 39% teve depressão. A publicação Folha de São Paulo é perentória: crises de saúde pública podem trazer como consequências cenários de depressão, ansiedade e stress pós-traumático.
Reações que podem surgir durante um surto de doença infecciosa
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Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças, as reações capazes de surgir durante um surto como a Covid-19 são as seguintes:
- “medo e preocupação pelo estado de saúde individual e dos amigos e familiares;
- alterações no sono e nos padrões de alimentação;
- dificuldade em respirar e ao nível da concentração;
- o piorar de problemas de saúde já existentes;
- aumento do consumo de álcool, tabaco e outras drogas.”
A pensar numa realidade que agora corre risco de se repetir, a 26 de janeiro de 2020 a Comissão Nacional de Segurança da China divulgou os “princípios básicos para crises de emergência psicológica” na sequência da propagação da Covid-19, documento onde se menciona que os cuidados de saúde mental devem ser providenciados a doentes infetados, aos seus contactos mais próximos, aos casos considerados suspeitos isolados em casa e aos profissionais de saúde.
O Centro de Controlo e Prevenção de Doenças refere, também no contexto Covid-19, que as pessoas que mais se podem sentir afetadas numa crise são aquelas que têm problemas de saúde mental preexistentes, incluindo o uso de substâncias, as crianças, e pessoas que estão a ajudar na resposta ao surto, como médicos e enfermeiros. Ao Observador, já antes Samuel Antunes, coordenador do Programa de Promoção de Saúde Mental nos locais de trabalho da Ordem dos Psicólogos Portugueses, assegurou que “vamos ter oportunidade de observar o impacto desta pandemia em termos de saúde mental nos técnicos de saúde que são os primeiro grupo de risco”.
Como lidar com o stress no surto de Covid-19
A Organização Mundial de Saúde não está indiferente ao que se sucede e tem disponibilizado informação de maneira a contornar as questões de saúde mental em tempos de Covid-19 — informação essa que está também disponível e trabalhada no site da Ordem dos Psicólogos Portugueses. Uma das questões a que a OMS tenta responder remete para a forma como podemos lidar com o stress durante este surto, admitindo que é natural que nesta fase as pessoas se possam sentir “tristes, ansiosas, confusas, assustadas ou zangadas”. Por esse motivo, falar com pessoas em quem confiamos pode ajudar, mas há mais dicas:
- “Se tiver de ficar em casa, mantenha um estilo de vida saudável, uma dieta adequada, períodos de sono e descanso, exercício físico e contactos sociais, dentro de casa, com as pessoa mais próximas, assim como contactos por email e telefone com outros amigos e familiares”;
- “Não fume, não consuma álcool e não consuma drogas na tentativa de lidar com as suas emoções”;
- “Se se sentir muito angustiado ou perturbado, fale com um profissional de saúde, ligue para o SNS24 e siga as recomendações dadas”;
- “Tenha uma visão crítica relativamente às informações que encontra e que não são disponibilizadas por instituições oficiais”;
- “Limite as suas preocupações e inquietações e as da sua família, diminuindo o tempo durante o qual está a ver ou a ouvir notícias que considere perturbadoras”;
- “Recorra a capacidades e competências que já o ajudaram no passado a lidar com situações adversas. Use-as para lidar com as suas emoções nos momentos mais desafiantes deste surto”.
O stress não é, no entanto, preocupação exclusiva dos adultos e também aflige os mais novos. A OMS avisa que as crianças podem reagir ao stress de maneiras diferentes: podem, por exemplo, “pedir mais colo, mostrarem-se mais dependentes, ansiosas, agitadas ou zangadas, isolarem-se ou fazerem xixi na cama”. Aos pais, ou educandos, compete serem mais compreensivos e dar-lhes também uma “dose extra de atenção e carinho”.
Outros conselhos passam por manter as crianças próximas dos pais ou familiares e evitar afastá-las, sempre que possível, dos cuidadores. “Se a separação ocorrer, por exemplo no caso de hospitalização, garanta que existe um contacto regular e mantenha a criança tranquila e segura”. É também importante assegurar, tanto quanto possível, a manutenção das rotinas ou, então, criar novas rotinas num novo ambiente, “incluindo momentos de aprendizagem e tempo para brincar e relaxar em segurança”. Informar os mais novos e apresentar factos sobre o que se está a passar também faz parte das recomendações da Organização Mundial de Saúde, algo que deve ser feito “com palavras adaptadas à idade”.
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Como enfrentar uma situação de isolamento
Por estes dias, o teletrabalho é uma realidade que vem ganhando mais adesão. Com o avançar da propagação do novo coronavírus é possível que aumentem também os casos de isolamento profilático, situações que facilmente geram ansiedade, medo ou preocupação. Mais fácil de compreender é o facto de a quarenta também poder fazer com que as pessoas se sintam mais sozinhas, afastadas de quem mais gostam, além de “frustradas e aborrecidas” por serem incapazes de realizar as suas rotina habituais, motivo pelo qual é fundamental manter horários de descanso e de sono, fazer uma alimentação cuidada dentro do possível e até praticar exercício físico. É ainda aconselhável que se mantenha o contacto com familiares e amigos através do telefone, email, vídeochamadas ou redes sociais. Sempre que possível, devemos procurar realizar atividades prazerosas e ter em mente que o isolamento é uma medida temporária.
No caso de isolamento de cidadãos seniores, a Ordem dos Psicólogos Portugueses acrescenta a necessidade de pedir ajuda quando for preciso e de falar sobre a situação a atravessar, de maneira a que todos se sintam seguros e confortáveis. Não descurar a medicação prescrita e redobrar o cuidado com a saúde são também fatores a ter em conta. “Falar com pessoas de quem gosta é uma das formas de reduzir a ansiedade e a solidão. Veja os seus programa favoritos, oiça música, leia um livro, envolva-se em atividades e tarefa que lhe deem prazer”, continua a OPP.
Reações possíveis em isolamento
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Segundo a Ordem dos Psicólogos, as reações que podem surgir em contexto de isolamento são as seguintes:
- ansiedade e medo;
- preocupação;
- angústia;
- incerteza;
- solidão;
- frustração e aborrecimento;
- zanga;
- tristeza, medo e falta de esperança.
Já no que toca às crianças, a OPP esclarece que também elas podem sentir-se “tristes, ansiosas, com medo e confusas” na sequência do isolamento, motivo pelo qual existe maior tendência para fazer birras e mostrarem-se mais dependentes e irritáveis. Mais compreensão é, nestes momentos, pedida aos pais que devem aceitar a probabilidade de existirem mais conflitos do que o habitual. “Seja compreensivo e paciente perante estes comportamentos e tente resolvê-los rapidamente. Dê-lhes oportunidade para expressarem os seus sentimentos e receios. Explique-lhes o que se passa e tranquilize-as utilizando linguagem apropriada à idade. Explique-lhes a importância do isolamento e assegure-as de que são apenas alguns dias”, aconselha a OPP.
Em contexto de isolamento, os pais podem encarar este tempo como uma oportunidade para passarem mais tempo com os filhos e realizarem atividades em conjunto — é, no entanto, de evitar recorrer exclusivamente à televisão e as outras tecnologias. É mais conveniente que este seja o tempo de jogos de tabuleiro, trabalhos manuais, desenhos e leitura.
Conselhos gerais a ter em conta
Filipa Jardim da Silva, psicóloga clínica, resume os conselhos mais importantes, a começar pela necessidade de se dar nome ao que se está a sentir, mesmo que a emoção mais frequente em causa seja o medo. Crucial é também ficar ciente de alterações na respiração, uma vez que situações como a do surto de Covid-19 são propícias ao desenvolvimento de tensão física e de aceleração ao nível dos pensamentos. “Tudo isso faz parte. Conseguir dar nome à emoção e naturalizá-la é um passo muito fundamental para depois conseguirmos gerir a intensidade dessa emoção”, continua.
Páginas e linhas de apoio que pode consultar
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O site da Ordem dos Psicólogos Portugueses reúne informação útil que pode ajudar a prevenir problemas de saúde mental associados à propagação da Covid-19 — para breve, tal como noticiado pelo Observador, estará a criação de uma linha de apoio psicológico em parceria com o Ministério da Saúde.
Também a SOS Voz Amiga está disponível todos os dias, entre as 16h e as 20h através dos números criados para esse efeito. “Os colaboradores da linha de apoio funcionam em regime de voluntariado pelo que não está previsto, para já, um alargamento das horas de funcionamento”, comentou Franciso Paulino, presidente da SOS Voz Amiga, à Rádio Observador.
Outras ações concretas que podem ser aplicadas diariamente é aproveitar os múltiplos momentos em que se lava as mãos para se regular a respiração. Além disso, e considerando a fase de restrição em que Portugal se encontra, vale a pena perceber como se está a usar a alimentação para regular a ansiedade. Fugir de comidas processadas e de açúcares refinados é uma ideia a reter.
Considerando o eventual tempo de quarentena, Filipa Jardim da Silva destaca a oportunidade que poderá existir para realizar atividades que nos deem prazer e capazes de tirarem o foco de atenção do tema atual. “Há aqui um lado positivo que pode ser mais potenciado”, diz, referindo que este é um momento para cada atuar com maior confiança e compreensão sobre o que é possível fazer diariamente para ir gerindo o stress.