O avô tinha sido advogado. O pai, além de jornalista e dramaturgo (com duas peças escritas a chegarem depois ao Teatro de Ljubljana), seguiu também pelo Direito e estudou na Universidade de Ljubljana, onde o pai tinha sido professor. O neto, esse, dificilmente poderia ter seguido outro caminho. Ainda assim, o caminho dentro da mesma estrada foi outro. O avô era especialista em direito cooperativo agrícola. O pai especializou-se e fez escola nas posições e no exercício da advocacia. O neto, que também andou na mesma Universidade, preferiu outro mundo, mais ligado à representação de desportistas e aos clubes de futebol. O neto é Aleksander Ceferin, o nome que esta terça-feira todos ouviram a propósito das decisões do futebol europeu a breve e médio prazo.

Começando a carreira no escritório da família, que chegou mais tarde a liderar, desde cedo que surgiu no esloveno um interesse pelo futebol que até teve uma ponte via futsal, quando foi dirigente do FC Litija em 2005. Um ano depois, passou a trabalhar com o Olimpija Ljubljana, onde esteve até 2011. Mais um degrau, mais um salto, mais uma ascensão em versão dupla, tornando-se presidente da Associação de Futebol da Eslovénia e em paralelo, um dos vices do Comité Legal da UEFA. Chegara ao topo do dirigismo nacional, entrara na elite do dirigismo europeu. Tudo no futebol, que nem foi propriamente uma modalidade que jogasse – mas é cinturão preto no karaté shotokan e fez cinco viagens pelo Saara, quatro de carro e uma de mota, um dos maiores hobbies.

Ceferin passou grande parte da vida entre tribunais e gabinetes mas não perde uma oportunidade para deixar o fato e soltar-se sem um fim à vista. Foi esse desprendimento e também as marcas de quem viveu ainda a Guerra da Jugoslávia que o tornou imune a pressões ou tensões. Que lhe vestiu o fato da liderança da UEFA.

“É difícil conseguirem desestabilizar-me depois do que vi na antiga Jugoslávia”, confessou numa entrevista ao The Telegraph, recordando os tempos em que serviu como soldado naquela que ficou conhecida como a Guerra dos Dez Dias e que levou à independência da Eslovénia, já depois de ter feito serviço militar cinco anos antes, em 1986, no Exército da República Socialista da Jugoslávia. “Provavelmente teria mudado como pessoa se algum tivesse de matar alguém”, acrescentou, a propósito da semana e meia onde não viu “ação”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Depois da queda de Michel Platini como líder da UEFA, uma queda ainda maior para quem tinha sonhos altos e quis elevar-se ainda mais, o órgão que tutela o futebol europeu ia escolher mais do que um líder. Ali estava uma resposta para a crise institucional, ali estava a possibilidade de fazer uma viragem. Com o espanhol Ángel Villar fora da corrida, sobravam apenas dois nomes pouco conhecidos no espaço mediático apesar do percurso que já levavam no dirigismo. Ceferin ganhou de forma convincente ao holandês Michael van Praag (42-13).

“A minha pequena e linda Eslovénia está orgulhosa da minha eleição e espero que um dia também tenham esse orgulho em mim. Algumas pessoas até podem dizer que não sou um bom líder, que ainda sou muito jovem, que ainda sou muito inexperiente para me tornar presidente da UEFA. Mas é assim: não é por se repetir muitas vezes isso alto e bom som, não é por dizer muitas vezes ‘Sou um líder’ que me vou transformar num líder. Quem tem de fazer isso para se afirmar, não é um bom líder. Eu não faço”, disse na tomada de posse.

Hoje, com 52 anos, Aleksander Ceferin tornou-se um líder incontestável. E nem mesmo quando foi reeleito em 2019 deixou passar ao lado as principais características de uma boa liderança. “Somei erros e dúvidas ao longo dos dois anos e meio no cargo porque um líder sem dúvidas é um líder iludido e perigoso”, afirmou. Em alguns aspetos, o esloveno nunca teve dúvidas: nas regras do fair play financeiro (que tiveram no Manchester City o melhor exemplo), num maior equilíbrio entre federações, na recusa a uma Superliga europeia que pudesse “abafar” a Champions. Noutros, essas dúvidas não travaram ideias de que nem se mostra particularmente fã como a introdução do VAR no jogo. “Se tiveres um nariz longo, hoje em dia estás sempre fora de jogo”, disse.

“Sou um cético desde o início. Os árbitros assistentes já nem se dão ao trabalho de levantar a bandeira, limitam-se a esperar, esperar e esperar. E os jogadores já nem celebram os golos, correm mas esperam primeiro pelo VAR”, disse numa entrevista ao Daily Mirror, onde falou também do que é mão na bola e bola na mão. “Ninguém consegue explicar. O árbitro não é um psiquiatra para saber se o fizeste ou não de propósito. Há duas semanas, tivemos uma reunião de treinadores na UEFA, em Nyon. Estavam lá Klopp, Guardiola, Allegri, Ancelotti, Zidane. O nosso chefe da arbitragem, Roberto Rossetti, mostrou um vídeo de mão na bola. Metade da sala disse que era, a outra metade disse que não. Portanto, o quão clara é a regra?”, especificou o dirigente que foi também eleito presidente da Fundação para a Criança da UEFA em novembro de 2017 no lugar de José Manuel Durão Barroso, antigo primeiro-ministro português e líder da Comissão Europeia.

Esta terça-feira, o líder que não gosta de festas chiques e de sítios muito cheios, por não abdicar dos momentos de maior solidão no deserto ou nas florestas eslovenas, assumiu o futuro do futebol dentro de uma pandemia global que ninguém sabe ao certo quando, como e onde vai parar. E tomou uma medida que parecia fácil mas que teve um impacto brutal em termos económicos não só para a UEFA mas também para todas as federações nacionais: adiar o Campeonato da Europa para 2021. Para tudo o resto, decidiu criar um grupo de trabalho que vá analisando a situação para perceber as melhores datas de regresso dos campeonatos nacionais e das provas europeias. Porque delegar também é uma característica de um bom líder. Como Ceferin tem vindo a ser.