O Festival Internacional de Teatro do Alentejo (FITA) foi cancelado na semana passada devido à pandemia do novo coronavírus e agora está a braços com o repatriamento de artistas e críticos da América Latina que se tinham deslocado a Portugal para participar no evento, disse na quarta-feira de manhã ao Observador o diretor artístico do festival, António Revez. O cancelamento nas últimas horas de viagens aéreas de Lisboa para Madrid e Paris, de onde os artistas seguiriam de regresso a Cuba, à Colômbia, ao Brasil e à Argentina, obrigam-nos a manterem-se no Alentejo por tempo indeterminado. “Fomos para Lisboa porque as viagens estavam ativas e o check-in estava feito, mas à última hora não houve voos”, contou António Revez.
O setor da cultura ainda não conseguiu medir bem as consequências da pandemia, mas antecipa-se que os prejuízos serão extensos. Nos últimos dias, o Observador contactou vários agentes culturais. As instituições revelaram alguma serenidade, mas os profissionais que trabalham de forma intermitente e com recibos verdes estão apreensivos. Aguardam que o Ministério da Cultura anuncie apoios, o que estava previsto para segunda ou terça-feira. O gabinete de Graça Fonseca diz agora que esse anúncio “acontecerá brevemente”.
A sétima edição do FITA deveria ter começado em Beja no dia 12 e envolveria espetáculos em outros 12 municípios alentejanos, além de uma extensão a Lisboa. Devido a esta abrangência geográfica, é considerado o maior festival de teatro em Portugal, com centenas de convidados de vários países. A organização é da associação cultural Lendias d’Encantar e o financiamento tem origem em autarquias e na Direção-Geral das Artes.
“Neste momento, as pessoas estão alojadas em Beja num hostel e em serviços de Airbnb, mas não sabemos por quanto tempo, porque está tudo indefinido. As embaixadas da Colômbia e de Cuba dizem-nos que não têm plano de contingência e não podem apoiar financeiramente”, relatou o diretor artístico do FITA. “Estamos a falar de pessoas que chegaram no dia 12, quando não havia ainda o problema do coronavírus no seus países. Chegaram desprevenidas e sentem-se abandonadas pelas autoridades. Estamos disponíveis para viajar por estrada até Madrid e Paris, para eles apanharem voos de regresso, mas também não há garantia de que possamos atravessar fronteiras, porque ninguém quer emitir os documentos necessários para isso.”
António Revez sublinhou que é cedo para fazer um balanço dos prejuízos, mas não se mostrou muito preocupado, porque o festival tem apoio público assegurado até ao próximo ano. “A Direção Regional da Cultura do Alentejo pediu-nos hoje [quarta-feira] um apanhado do impacto, mas não sei dizer. Preocupam-me, sim, os trabalhadores independentes, que compõem a quase totalidade do tecido artístico do país.”
“Espetáculos desapareceram do mapa”
O dramaturgo e encenador Luís Mestre, do grupo portuense Teatro Nova Europa, disse que a crise sanitária “torna ainda mais difícil” a vida dos criadores “porque os espetáculos marcados simplesmente desapareceram do mapa.” O Teatro Nova Europa preparava-se para estrear uma nova peça a 27 de março no Teatro do Campo Alegre (pólo do Teatro Municipal do Porto) e tinha apresentações marcadas para abril e maio em Ovar, Estarreja e Famalicão.
“Estávamos num bom ritmo criativo e tivemos de suspender os ensaios e a estreia, para não pormos em perigo a saúde de ninguém. Entretanto, a companhia decidiu dar oportunidade às dez pessoas envolvidas neste espetáculo de receberem já os cachets correspondentes, para evitar que passem dificuldades”, indicou Luís Mestre. Quanto ao reagendamento das apresentações, é ainda uma incógnita.
Tiago Guedes, diretor artístico do Teatro Municipal do Porto – com todas as atividades suspensas até 9 de abril – disse que a avaliação dos prejuízos na instituição será feita a seu tempo, mas há outras prioridades. Destacou que os contratos com fornecedores, artistas e técnicos externos serão pagos a 100% e a programação suspensa será reagendada.
“Acho que as instituições culturais têm uma responsabilidade enorme em salvaguardar uma área em que há bastante precariedade”, disse Tiago Guedes ao Observador. “Queremos o mais possível que sejam suspensões e não cancelamentos, para que os espetáculos possam ser apresentados mais tarde”, acrescentou, reconhecendo que “esta temporada está completamente condicionada”.
Dois espetáculos internacionais que o Teatro Municipal do Porto já não apresentará nas datas previstas – de Anne Teresa de Keersmaeker, dias 25 e 26 de março, e de Martin Zimmermann, dias 3 e 4 de abril – “são os mais difíceis de reagendar”, segundo o diretor artístico, porque estavam incluídos em digressões europeias que são programadas com muita antecedência e implicam datas rígidas. “A prioridade são os artistas nacionais”, adiantou.
“O impacto será grande”, repetiu Stefano Savio, diretor artístico da Festa do Cinema Italiano, cuja 13ª edição deveria acontecer entre 1 e 9 de abril em 14 cidades de norte a sul do país. Para já este evento organizado pela associação cultural Il Sorpasso está suspenso e não é certo que seja adiado ou mesmo cancelado.
O importante é sermos responsáveis e agir em função da saúde pública”, referiu Stefano Savio. “Há todo o dinheiro perdido em receitas de bilheteira e tínhamos viagens compradas, o valor de algumas está perdido”, pormenorizou. “Os salários vão ser assegurados, as licenças dos filmes não foram praticamente afetadas. Houve ações de comunicação que se prendem com a impressão de materiais gráficos e que fomos adiando, face à situação, não havendo felizmente grande impacto financeiro a esse nível.”
Balanço? “Só com o fim da crise”
Quanto a grandes instituições culturais, a Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa (que decidiu fechar o Museu e os jardins e cancelar concertos e até fins de abril) já tem “uma noção do impacto económico” da decisão. Fonte oficial da instituição não quis entrar em detalhes, porque “a preocupação é a saúde e a segurança do público e dos colaboradores”. Por enquanto, a Gulbenkian vai manter contacto com o público através da internet, colocando online concertos registados em vídeo e filmes curtos sobre as obras de arte do museu.
Também na capital, o Centro Cultural de Belém “está a quantificar gastos e perdas” desde 28 de fevereiro, data em que foi acionado um plano de contingência interno para o coronavírus. “Só com o fim da crise, quando retomarmos a nossa programação cultural, comercial, atividades e serviços, é que os balanços económicos serão possíveis”, de acordo com a administração.
Na quarta-feira ao início da tarde era ainda uma incógnita o eventual adiamento ou cancelamento do festival internacional de cinema IndieLisboa, marcado para o período de 30 de abril a 10 de maio. “A direção está em comunicação com as salas parceiras para ver o que pode ser feito e irá tomar uma posição pública na próxima semana”, disse o gabinete de imprensa.
A feira de arte contemporânea ARCO Lisboa continua agendada para 14 de maio, apesar de a organização espanhola da IFEMA (Instituição de Feiras de Madrid) ter dito na terça-feira ao Observador que a perspetiva de realização “não é positiva”. A Feria do Livro de Lisboa, prevista para começar a 28 de maio, deverá ser adiada, mas a decisão final ainda não foi tomada, segundo uma fonte da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros.