O Decreto Real que no passado sábado à noite formalizou o estado de emergência é claro: para conter o surto do novo coronavírus, pelo menos até ao final do mês de março, os espanhóis só podem sair de casa por “motivos de força maior ou situação de necessidade”. Leia-se: para comprar medicamentos, alimentos ou bens de primeira necessidade; para irem trabalhar, ao médico, ao banco ou à seguradora; e para prestarem assistência a idosos ou outros dependentes vulneráveis.

Ainda assim, e apesar de a maior parte da população estar a cumprir as novas regras extraordinárias, o que não faltam, um pouco por toda a Espanha, são relatos sobre infratores que, aparentemente alheios às pesadas multas previstaspodem ir dos 100 aos 600 mil euros —, têm continuado as respetivas vidas como faziam antes do advento da Covid-19.

As ordens das autoridades são para sensibilizar primeiro e só passar ao auto depois, e em caso de desobediência — vários cidadãos já terão sido multados, diz a imprensa espanhola. Como o nonagenário que insultou os agentes que lhe disseram que tinha de sair do banco de jardim onde estava sentado, numa praça de Sestao, no País Basco, e de ir para casa; ou o homem que, depois de ter sido avisado pela polícia de Valladolid de que não podia andar a passear com a namorada, resolveu ignorar a ordem e chegou mesmo a enfrentar os agentes, quando se cruzou com eles uma segunda vez.

Só no município de La Unión, banhado pelo Mediterrâneo, na província de Múrcia, foram multadas oito pessoas logo às primeiras horas do estado de emergência, no domingo. Uma estava estendida na praia, outras sete a pescar, relatou o jornal regional La Verdad. Os valores das coimas aplicadas não foram revelados mas, tendo em conta as transgressões, não deverão ter passado do mínimo: 100 euros é o que está previsto no decreto para quem seja surpreendido pelas autoridades a correr ou a fazer exercício na via pública, por exemplo.

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Também no domingo, pelas 13h, um homem que andava a passear de bicicleta pelo passeio marítimo chegou mesmo a ser detido em Almería, acusado de agredir um agente da autoridade. Quando os agentes lhe disseram para parar, continuou a pedalar e tentou fugir, mas acabou por ser intercetado por um carro patrulha — não sem antes atropelar um dos agentes, que partiu um dedo e ficou com lesões num dos joelhos.

Depois do episódio, para evitar novas situações, as autoridades daquela cidade andaluza passaram a patrulhar as ruas com uma mensagem a passar em loop nos altifalantes, em castelhano, inglês e alemão:

“Atenção, atenção! Fala-vos a Polícia Nacional. Pedimos a todos os cidadãos que, sem causa justificada, se encontrem nas ruas e nos espaços públicos para que se dirijam imediatamente para os seus domicílios e que lá permaneçam. Encontramo-nos numa emergência de saúde grave que necessita da colaboração de todos. A Polícia Nacional zela pela sua segurança e saúde. Obrigado”.

Um pouco por toda o país, revelou o jornal ABC, as forças policiais multaram vários ciclistas, invariavelmente vestidos de licra, por estarem a fazer desporto na via pública — a utilização das bicicletas só está autorizada como meio de transporte e para efetuar deslocações casa-trabalho. Melhor sorte (ou mais tato a lidar com as autoridades) tiveram os vários ciclistas que, em Bilbao, se escaparam com meras admoestações, depois de terem explicado que achavam que, desde que não estivessem em grupo, os passeios estavam permitidos.

O mesmo aconteceu, também na maior cidade basca, com os montanhistas que foram apanhados a tentar subir o monte Pagasarri; e com o rapaz, com morada no centro histórico, que foi surpreendido a fazer uma caminhada de dois quilómetros para alegadamente comprar pão — o da padaria da rua Sabino Arana era o seu preferido, explicou aos agentes da autoridade.

Relatou o jornal regional El Correo, no primeiro dia do estado de emergência no país, a polícia de Bilbau preferiu sensibilizar, mais do que multar a população, e até o homem que, no espaço de poucas horas, saiu à rua para passear o cão nada menos do que oito vezes, se escapou apenas com um aviso.

Na Catalunha, os Mossos d’Esquadra não tiveram mãos a medir e, logo na madrugada em que o decreto real entrou em vigor, fecharam 238 bares e discotecas que não cumpriram imediatamente as medidas impostas pelo estado de alerta.

Já em Granada, no sul do país, nessa mesma noite, a polícia irrompeu por quatro festas privadas e identificou os proprietários das casas e cerca de 50 outros jovens por desobediência. É que, para combater o vírus e quebrar cadeias de transmissão, não basta ficar em casa: é preciso ficar em casa sozinho.