Duas semanas depois, Ronaldinho continua detido no Paraguai. Duas semanas depois, já se vê aquele sorriso que encantou o futebol mundial durante anos a fio mas nem por isso o antigo melhor jogador do mundo, que passou por clubes como Grémio, PSG, Barcelona, AC Milan, Flamengo ou Atl. Mineiro, consegue passar para um regime de prisão domiciliária – neste caso, o principal objetivo a curto prazo, tendo mesmo sido sugerida uma verba de 800 mil dólares de caução para esse propósito. E a culpa, também aqui como em tudo, é da COVID-19, que está a atrasar uma série de diligências necessárias para mudar essa medida de coação.

“A emergência sanitária para evitar a propagação do coronavírus vai retardar tudo. Quando fizerem todos os testes e investigações ficará demonstrado que não houve nada de ilícito feito por ele e tudo se vai resolver”, assumiu o advogado do ex-avançado. No entanto, mesmo que seja esse o cenário, tudo irá demorar. E Ronaldinho deverá mesmo passar o 40.º aniversário, no próximo sábado, na Agrupação Especializada da Polícia Nacional, em Assunção. Motivos? Dalia López, empresária que tinha audiência marcada esta quarta-feira, que é vista como a responsável pela falsificação de documentos mas que anda fugida, alegou que faz parte do grupo de risco do novo coronavírus (por diabetes e hipertensão) e, como tal, não marcaria presença; depois, porque os telefones de quatro dos protagonistas da rede só agora foram entregues e demorarão pelo menos uma semana a ser analisados.

Depois de uma carreira de sucesso, Ronaldinho e o irmão mais velho, Roberto Assis (que chegou a passar pelo Sporting e que está também detido), entraram numa espiral de processos extra desportivos com uma cadência quase anual, entre acusações de construções irregulares em zonas de preservação ambiental e de esquemas de pirâmide relacionados com criptomoedas. Agora, o brasileiro, mesmo sendo uma peça “menor” está acusado de falsificação de documentos, por ter entrado no Paraguai com um passaporte falso, mas essa pode ser a ponta do icebergue de uma organização criminal acusada de branquear 400 milhões de dólares nos últimos anos entre ramificações mais extensas e que envolvem também a própria administração pública e até tráfico de drogas.

À chegada ao Paraguai, há duas semanas, Ronaldinho foi recebido por centenas de pessoas no aeroporto de Luque. Iria participar em atividades de caridade com jovens, marcaria presença no lançamento de um livro e faria ainda a inauguração de um casino. Hoje, o mítico número 10 tem agora o número 194 num “plantel” de 195 reclusos numa prisão onde estão também figuras como políticos, oficiais da polícia (acusados de corrupção) ou alguns dos maiores traficantes de droga do país (concentrados numa outra ala do edifício). Após a primeira noite detido, não quis tomar o pequeno almoço nem sair da cela. Agora, as coisas foram mudando: já joga futebol, já tem algumas benesses, já começa a recuperar o sorriso dentro da tristeza pela situação. O mago que fintava foi fintado.

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O número de visitas à prisão disparou – e até excursões de crianças já houve

Os companheiros de cadeia de Ronaldinho (ou pelo menos parte deles) não são propriamente desconhecidos mas houve um dado já registado pelas autoridades policiais locais desde que o brasileiro entrou nas instalações da Agrupação Especializada da Polícia Nacional do Paraguai – o número de visitas subiu bastante. E houve até um momento curioso quando uma das pessoas ligadas ao futebol foi ver o antigo número 10: Carlos Gamarra, antigo capitão da seleção paraguaia de futebol que passou pelo Benfica, deslocou-se ao estabelecimento prisional para visitar Ronaldinho com o neto de seis anos, grande fã do campeão mundial de clubes e seleções, e, quando chegou ao interior da cadeia, deparou-se com um grupo de 50 crianças acompanhadas pelos pais a pedir autógrafos e a tirar fotografias com o ex-jogador, que se mostrava disponível e sempre de sorriso nos lábios.

Não entrou no torneio que vale um leitão de 16 quilos mas já marcou cinco golos

De acordo com as fontes policiais que têm vindo a ser contactadas, Ronaldinho andou bastante abatido na prisão durante os primeiros dias e foi também por isso que recusou entrar no torneio de futsal na cadeia, que tem como prémio final um leitão de 16 quilos. Los Pitufos, Los Cumbieros, Sport Espada, Villarreal e Milan foram algumas das equipas interessadas, ainda que sem sucesso, mas lá houve um dia em que o “bichinho” falou mais alto e, quando estava a falar com um guarda, o brasileiro aceitou entrar num particular onde entrou na formação de um antigo presidente de clube (Sportivo Luqueñ0), Fernando González Karjallo. Como correu? A sua equipa goleou por 11-2 e Ronaldinho marcou cinco golos e fez seis assistências. Ah, e outro ponto curioso: quem tentou parar o ex-jogador foi o antigo deputado Miguel Cuevas, com o sucesso que o resultado demonstra…

A cadeia não é o que era mas os famosos continuam por lá (e os mosquitos também)

Ronaldinho e o irmão, Roberto Assis, estão na mesma cela da Agrupação Especializada da Polícia Nacional do Paraguai. Uma cadeia que, numa reportagem feita há cerca de ano e meio pelo canal SNT Paraguai, era dada a vários luxos como festas, álcool, telemóveis e até mulheres convidadas. Agora as coisas já não serão assim, apesar de algumas “regalias” como as refeições fora do refeitório e trazidas pelos advogados ou a possibilidade de aceder a salas de convívio com televisão e frigorífico, mas há um ponto que se mantém intacto: a presença de detidos VIP no espaço. Ramón González Daher, ex-presidente da Associação de Futebol acusado de lavagem de dinheiro no cargo, Miguel Cuevas, deputado acusado de enriquecimento lícito e tráfico de influência, ou Fernando González Karjallo, ex-presidente do Sportivo Luqueño, são alguns desses exemplos. Só há mesmo dois pontos que têm deixado o antigo jogador mais desconfortável: o calor e a grande quantidade de mosquitos.

Um novo hobbie que serve para manter o tempo: a carpintaria

Como não poderia deixar de ser, Ronaldinho passa parte do dia a jogar futebol (aliás, para os outros reclusos este é mesmo o ponto alto das 24 horas), a espalhar magia com a bola – e recorde-se que, quando esteve na última Web Summit, o brasileiro foi apresentado como observador não só do Teqball mas também de uma nova aplicação que permite fazer duelos entre amigos numa versão freestyle – e a dar autógrafos em camisolas, bonés e cachecóis. Até aqui, muito daquilo que foi durante anos a fio o seu dia a dia. Mas não o antigo número 10 tem um novo hobbie, que ganhou na prisão: a carpintaria. E é lá que aproveita para ir desanuviando a cabeça, esquecendo aquela que é a sua principal paixão extra futebol e que não pode agora ter: a música, cantar e tocar instrumentos.

O privilégio que não é para todos (ou melhor, não é para ninguém): ligar à mãe

Ronaldinho sempre teve uma ligação muito próxima à mãe, Dona Miguelina Elói Assis dos Santos como é (muito) conhecida no Brasil. E basta um exemplo para retratar isso mesmo: no ano passado, em setembro, o Atl. Mineiro, um dos clubes pelos quais o avançado passou, ofereceu a Medalha de Mérito não só ao jogador mas também à sua mãe, particularmente querida entre os adeptos que fizeram inclusive uma tarja de apoio quando estava a superar um cancro, em 2012 (o que fez com que o número 10 ponderasse abandonar a carreira). Desde que foi detido no Paraguai, a grande preocupação do brasileiro tem sido a mãe, antiga estudante de enfermagem que seguiu depois carreira como vendedora, e esse foi um dos privilégios que ganhou – liga sempre uma vez por dia, à noite, para a Dona Miguelina, não só para matar saudades mas também para assegurar que está bem de saúde.