Filipe Tavares Soares passa os dias a ver plantas crescer. Durante mais de uma década trabalhou entre as quatro paredes de um atelier de arquitetura paisagista, mas hoje o seu escritório é outro: um viveiro com um hectare inserido no Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa. É aí que vê germinar milhares de plantas autóctones – silvestres, da flora portuguesa – colhidas por ele e pela equipa em locais estratégicos do país. Na Sigmetum, empresa que fundou há dez anos, recriam-se paisagens naturais ao invés do jardim de postal.
A lista de espécies em viveiro varia muito consoante o que a equipa tem em mãos. Os projetos têm uma vertente ecológica – recuperação de habitats e de ecossistemas – ou centram-se na construção de jardins sustentáveis, com poucas necessidades de água ou de manutenção, que não raras vezes emolduram hotéis. No primeiro caso, o arquiteto recorda os trabalhos feitos na linha da costa através do uso de estorno para fixação de areias: já fez intervenções na Costa Vicentina e na ria Formosa, por exemplo. No segundo, vêm-lhe à memória os empreendimentos hoteleiros que surgiram recentemente na Comporta. E há anos que colabora com o Pestana Tróia Eco Resort, não muito longe. “Trabalhamos muito com hotéis e condomínios. Muitas vezes, o conceito de jardim está integrado na paisagem envolvente. A ideia é que essa paisagem se reproduza no espaço exterior, que haja uma sensação de continuidade”, diz Filipe, que se apaixonou pela área por infuência do pai, em tempos responsável por um viveiro de plantas ornamentais na freguesia de Pégões, Montijo. A Sigmetum fornece as plantas e acompanha os projetos junto dos arquitetos paisagistas se for essa a vontade dos clientes.
A produção de plantas autóctones tem que se lhe diga. Primeiro é preciso identificar as espécies na paisagem, fazer a marcação dos locais de recolha, realizar visitas de reconhecimento para identificar o grau de maturação das sementes e, só depois, colhê-las. A experiência de uma década permite à equipa saber de antemão “os melhores locais e as melhores populações de sementes”.
Uma vez no viveiro, as sementes têm de ser secas, limpas e conservadas a frio. Um trabalho algo purista e artesanal. Só depois de semeadas acontece a germinação, que pode ser imprevisível, seguida do processo de transplantação (a planta passa do berçário para uma estufa, onde vai crescer e endurecer, de maneira a estar preparada a ir para o terreno).
“Há sementes que demoram mais de um ano a germinar e outras que nem sempre germinam”, explica Filipe. Uma espécie difícil é a camarinha, que dá bagas na forma de pérolas brancas e que é do especial agrado do arquiteto paisagista de formação. “Há plantas que me custa vender”, admite. “E há espécies que já plantámos e que de vez em quando vamos ver como estão. É interessante pensar como uma paisagem que recuperámos pode evoluir ao longo dos anos.”
Atualmente, no berçário do viveiro da Sigmetum, onde cabem até cem mil plantas de pequeníssimo porte, crescem cerca de cem espécies diferentes. Ao contrário de um viveiro ornamental, onde por vezes até aquecimento existe, aqui não há fatores externos de maior. “Não forçamos nada, as coisas seguem um rumo natural. A ideia é produzir plantas resistentes e não flores de estufa. Às vezes, essa é a dificuldade do negócio. A maior parte das plantas não tem destino, ao contrário do que acontecia com o meu pai”, diz.
Estevas, estorno, rosmaninhos ou cravos da areia. Na Sigmetum, a equipa trabalha com espécies muito específicas, sobretudo oriundas de habitats a sul de Lisboa. A par do catálogo existente, Filipe assegura que há sempre capacidade de adaptação: “Podemos reproduzir qualquer paisagem, desde que haja tempo.”
Artigo publicado originalmente na revista Observador Lifestyle nº6 – Especial 100% português (novembro 2019).