Depois de mais de três meses em quarentena, a China lida agora com os efeitos e médio e longo prazo da crise económica gerada pelo surto do novo coronavírus. Entre eles, a dificuldade dos chineses em regularizar os pagamentos dos seus cartões de crédito.
Segundo a Bloomberg, no caso específico desta forma de financiamento, o crédito malparado aumentou cerca de 50% em fevereiro, face ao mesmo período do ano passado, de acordo com as informações recolhidas junto de duas instituições bancárias que não quiseram ser identificadas. No decorrer desse mesmo mês, Cerca de 8 milhões de chineses terão perdido o emprego.
“Os problemas com que a China se depara são uma amostra do que devemos esperar um pouco por todo o mundo”, referiu Martin Chorzempa, investigador do Peterson Institute for International Economics, em Washington.
Nas economias, o novo coronavírus tem tido um efeito de dominó — primeiro o confinamento das populações, depois o desemprego e a asfixia dos pequenos empresários. No caso chinês, a crise atinge agora um outro elo da cadeia, as instituições de crédito. É o caso da Qudian, com sede em Pequim, cuja taxa de incumprimento subiu de 13 para 20%, desde o final de 2019. No ano passado, o endividamento das famílias chinesas, incluindo hipotecas, atingiu um valor recorde — 55 biliões de yuan (cerca de 7 biliões de euros).
Fonte da Atlantis Financial Research indicou à Bloomberg que alguns bancos chineses registaram um aumento, de 1% (antes do surto) para 4%, na taxa de incumprimento. Esta subida já está a levar algumas instituições a restringirem o acesso aos cartões de crédito.
“Desde 2015 que os bancos têm estado a baixar os critérios para se tornarem mais competitivos. O surto fez com que ficassem muito mais expostos. As coisas só vão ficar piores se o desemprego continuar a subir”, explicou um analista da China International Capital à Bloomberg.
Se pensarmos que, não só os consumidores, mas também empresas podem incorrer em incumprimento na sequência da crise, o crédito malparado pode ultrapassar os 5 biliões de yuan (mais de 630 mil milhões de euros), levando a uma quebra recorde de 39% nos lucros deste ano, segundo o pior cenário já previsto pelo UBS Group.
Fora da China, o cenário não é favorável. Segundo um relatório de janeiro do Institute of International Finance, o endividamento das famílias face ao PIB nunca foi tão alto num conjunto de vários países que inclui França, Suíça, Nova Zelândia e Nigéria. Na Austrália, onde este indicador regista os valores mais altos entre os países do G20, o National Australia Bank, uma das maiores instituições bancárias do país, está por estes dias a receber oito vezes mais chamadas do que o normal.
Nos Estados Unidos, depois de um aumento do dinheiro ao dispor dos consumidores através dos cartões de crédito observado em 2019, a economia surge agora seriamente ameaçada por uma taxa de desemprego histórica. Por outro lado, o pacote de dois biliões de dólares vai garantir apoios diretos às famílias com rendimentos mais baixos, da mesma forma que algumas instituições de crédito já anunciaram períodos de carência especiais para os consumidores mais afetados pela crise.
Também o governo chinês está a tentar estimular a economia injetando liquidez e incentivando os bancos a reforçar os empréstimos às pequenas empresas, responsáveis por 80% das mão-de-obra do país. Um esforço que, apesar de significativo, não poderá não poderá contornar a questão do endividamento dos chineses.