Do lado da polícia, a saída de reclusos não garante a segurança dos profissionais. Do lado dos reclusos, a medida merece elogios. O governo anunciou que os presos vão ter um perdão parcial da sua pena, com exceções para os que tenham cometido crimes graves. Vai haver também uma extensão do regime de licenças precárias: passam a ser de 45 dias, quando eram de uma semana. A oposição ao executivo de António Costa alerta no entanto para a “população perigosa”. As opiniões e posições face ao perdão das penas dividem-se. Mas numa altura de estado de emergência, certo é que cerca de 1200 reclusos podem deixar as cadeias, números da ministra da Justiça.
O Sindicato do Corpo Nacional da Guarda Prisional deixa duras críticas ao Governo por esta medida: Considera a proposta insuficiente e alerta que a segurança dos prisioneiros e dos guardas continua em causa. Ao Observador, o presidente do sindicato, Jorge Alves, fala numa situação “igual ou pior” à dos lares. “Por muitos reclusos que libertem, vão ter que continuar a ter cuidado. Quem continuar lá dentro vai continuar a correr risco”, avisa.
A proposta esta tarde apresentada por António Costa agiliza o processo pelo qual o Presidente da República pode fornecer indulto, prevê um perdão parcial das penas de prisão até 2 anos ou dos últimos 2 anos de penas de prisão (exceto para quem tenha cometido crimes de homicídio, violações, abuso de menores, crimes de violência doméstica, ou cometidos por titulares de cargos políticos ou elementos das forças armadas e magistrados) e ainda um aumento das licenças precárias para 45 dias.
O Governo não pode pensar que libertando [reclusos] resolveu o problema. Não: o Governo, libertando os reclusos, tem que continuar a ter cuidado com eles e, principalmente, com os guardas prisionais”, sublinha Jorge Alves.
Governo pondera libertar presos para evitar uma “catástrofe” nas cadeias. Como poderá ser feito?
Jorge Alves afirma que cadeias menos sobrelotadas não garantem um combate mais eficaz ao vírus: “Depende da distribuição” dos reclusos, sublinha. O representante dos Guardas Prisionais avisa ainda que é preciso cuidado com as saídas precárias — que com esta proposta do primeiro-ministro passam a 45 dias.
A verdade é que estas pessoas têm de voltar para a cadeia. E enquanto na cadeia eram acompanhadas, lá fora não sabemos. Quando passar o período da precária, temos de os avaliar quando entrarem para não virem contaminados e serem mais um foco de contágio daqueles que vão estar lá dentro e que não vão beneficiar das medidas de flexibilização”, alerta o presidente do sindicato.
Jorge Alves fala ainda em aproveitamento do Governo. O representante dos Guardas Prisionais afirma que o Governo está a deixar sair reclusos para compensar medidas que prometeu no passado e não conseguiu cumprir. “No nosso entender, e tendo em conta o passado recente deste Governo e do Ministério da Justiça, que teve como principal objetivo reduzir o número de reclusos a nível nacional — que não conseguiu — estão a aproveitar um bocado o problema da Covid-19 nas prisões para conseguir fazer o que não conseguiram com medidas naturalmente aplicadas. Ou seja, reduzir quase de um dia para o outro o número de reclusos e aproximar o sistema prisional português à média europeia na população per capita de pessoas privadas da liberdade”, denúncia ao Observador Jorge Alves.
Com perdão de penas, “combate ao vírus poderá ser muito mais eficaz”
A libertação de reclusos levará a uma “disponibilidade e melhor gestão dos recursos e também uma maior possibilidade de trabalho dos guardas prisionais”. É a opinião do secretário-geral da Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso (APAR), que elogia a medida. Ao Observador, Vítor Ilharco afirma mesmo: “O combate ao vírus poderá ser muito mais eficaz”.
Vítor Ilharco lembra que já tinha proposto esta medida “Esta medida de libertar reclusos é um ato de Justiça. Estes reclusos não deviam estar na cadeia. Só podem estar na cadeia com estes crimes em Portugal, em mais nenhum país da Europa estariam. Que lógica tem um jovem de 20 anos que está a conduzir um carro sem ter carta, vai para a cadeia quatro ou cinco meses porquê?”, interroga Vítor Ilharco.
O secretário-geral denúncia ainda a sobrelotação das cadeias: “As pessoas não percebem bem o que é uma cadeia. É impossível haver o confinamento que a Direção-Geral da Saúde exige numa cadeia. Estamos a falar de uma cela individual, um espaço minúsculo, onde cabe uma cama e pouco mais. E em vez de uma cama está um beliche e ali vivem três homens ou três mulheres”, descreve o representante do apoio aos reclusos.
[Ouça aqui as declarações da APAR e do Sindicato do Corpo Nacional da Guarda Prisional ao Observador]:
Ministra da Justiça: Cerca de 1200 reclusos podem ser libertados
Oposição: libertação de reclusos é uma medida “difícil de compreender”
O PSD afirma que não consegue compreender a proposta do Governo para a saída de reclusos. Para o vice-presidente social-democrata, André Coelho Lima, libertar os reclusos vai contra o confinamento exigido pelo Governo. “A verdade é que os presos nas cadeias já estão em medida de confinamento”, afirma André Coelho Lima em declarações à Agência Lusa.
“A medida específica de se excecionar políticos, juízes e agentes de segurança é realmente difícil de compreender tendo em conta o período excecional que vivemos e que exige de todos nós particular sentido de responsabilidade”, diz ainda.
O vice-presidente do PSD alerta ainda que os reclusos são uma “população de perigo potencial”.
Francisca Van Dunem fala numa medida “melindrosa”
Esta noite, em entrevista à RTP, a ministra da Justiça esclareceu que os reclusos que podem vir a sair dos estabelecimentos prisionais é de 10%. Uma percentagem que corresponde a cerca de 1200 presos, de um universo total de 12 600. Os presos preventivos ficam excluídos desta medida.
Francisca Van Dunem falou numa medida “melindrosa”, mas garante que o objetivo é cuidar da saúde dos reclusos e dos guardas prisionais bem como assegurar a “necessidade de proteção da vítimas” e “os sentimentos de segurança da população”.
“Mas não esquecemos, uma medida desta natureza é uma medida melindrosa na medida em que obviamente temos também que considerar as necessidades de proteção das vítimas, os sentimentos de segurança da população, e obviamente aquilo que pode ainda restar da memória da forma como a ordem jurídica foi violada pela prática destes crimes. E por isso é que na definição concreta destas medidas tivemos a preocupação de encontrarmos modelos que de alguma forma acompanham aquilo que foi proposto pelas Nações Unidas.”
A ministra explicou também que os reclusos não são obrigados a sair — trata-se, portanto, de uma ação “voluntária”.
A ministra da Justiça afirma que os reclusos que vão gozar licença precária só vão regressar à prisão “na altura em que a situação estiver estabilizada” e diz que o estado vai garantir que quando os reclusos regressarem aos estabelecimentos prisionais não vão ser focos de infeção.
Francisca Van Dunem avança também que grande parte dos reclusos que saem com licença precária vai ficar com pulseira eletrónica.
Na entrevista à RTP, Francisca Van Dunem afasta ainda a ideia de que estas medidas possam estar na origem de uma revolta dos reclusos . “Os reclusos percebem que as medidas têm exclusivamente a ver com saúde pública. A lógica de retirar pessoas é assegurar que haja espaço suficiente para fazer a gestão, se aparecer um surto”, explicou.