O Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, mostrou-se extremamente satisfeito com a resposta que está a ser dada à Covid-19 no país, destacando “a maior subida nos mercados dos últimos 15 anos”, o número de mortes “muito abaixo do esperado” e a enorme “determinação” dos norte-americanos, em particular os profissionais de saúde, no combate à doença.

O tom da longa conferência de imprensa desta sexta-feira (que durou cerca de duas horas) foi, sobretudo, de otimismo por parte do Presidente — com os especialistas a corroborarem a “baixa taxa de mortalidade” e o “aplanar da curva”, mas a sublinharem que é necessário manter as restrições que vigoram neste momento.

Este monstro veio e lançou o seu terrível feitiço sobre o mundo — estive a ver e já são 184 países, 184 países até agora”, disse o Presidente na conferência de imprensa. “Nós estivemos bem, porque tivemos o maior subida nos mercados dos últimos 15 anos, em quatro dias.”

“Aprovámos o maior pacote de ajuda financeira de sempre na História dos EUA”, acrescentou Trump, voltando depois a sublinhar a subida do Dow Jones esta quinta-feira, em resposta ao pacote anunciado pela Reserva Federal. “Isto mostra-nos que eles querem que recuperemos, temos de recuperar”, disse o Presidente, que classificou a resposta do país a esta crise “a maior mobilização” da sociedade norte-americana “desde a II Guerra Mundial”. Tudo conjugado no passado, com o Presidente confiante de que o pior já está para trás das costas.

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A “estratégia agressiva” que “está a salvar vidas” e as farpas à OMS

Trump focou-se mais na questão económica do que na resposta de saúde pública ao longo da conferência, aproveitando inclusivamente para anunciar que está a negociar um acordo com o México para que o país reduza a produção de petróleo face aos EUA, com a promessa de que os norte-americanos “compensem” no futuro.

Estados Unidos podem ser o próximo foco, mas Trump não parece preocupado. Porquê?

No entanto, o Presidente falou também sobre a situação da Covid-19 no país e destacou a melhoria da situação em Nova Iorque, dizendo que a “estratégia agressiva” que foi tomada “está a salvar vidas”. “Está-se a fazer um progresso tremendo — embora, olhando para os números, o número de pessoas que morreu é horrível. Por outro lado, temos o número de camas a serem usadas a reduzir substancialmente”, apontou, relembrando que falou com o governador do estado, Andrew Cuomo, na manhã de sexta-feira.

O número mínimo [de mortes previsto] era 100 mil e acho que vamos ficar muito abaixo desse número. Não podemos estar felizes, mas é um número muito abaixo do previsto”, destacou, acrescentando que revela “uma imensa determinação do povo deste país.”

O modelo dos especialistas norte-americanos, apresentado pela coordenadora Deborah Birx, aponta para um número de mortes à volta das 60 mil no total.

O Presidente aproveitou ainda para destacar o aumento de máscaras e de ventiladores que está a ser feito, através do apoio de empresas privadas e do ministério da Defesa, bem como a grande quantidade de testes que está a ser realizada (100 mil testes por dia). “Não estamos a receber telefonemas nenhuns de governadores, está tudo em forma”, resumiu Trump para ilustrar a situação, referindo-se a possíveis queixas de governadores de estados por falta de material, como já aconteceu em Nova Iorque com Andrew Cuomo e a falta de ventiladores.

Trump aproveitou ainda para criticar a Organização Mundial da Saúde, deixando no ar a possibilidade de cortar o financiamento dado pelos Estados Unidos à organização: “Damos-lhes aproximadamente 500 milhões por ano… Mas vamos falar desse tema para a semana”, prometeu. “Eles têm sido muito centrados na China. Não gosto disso.” O tema serviu para o Presidente se alongar a falar sobre a China, criticando também a postura do país na Organização Mundial do Comércio. “A China está-se a aproveitar deste país como nunca ninguém se aproveitou”, sentenciou.

Especialistas sublinham que é preciso “continuar a fazer o que fizemos ontem e no dia anterior”

Os especialistas que participam na conferência de imprensa com Donald Trump confirmaram que se está a assistir ao início de um “aplanar da curva” epidemiológica, mas sublinharam a necessidade de manter as restrições que estão a ser aplicadas.

“A nossa mortalidade é de facto mais baixa que a de outros países quando as comparamos à dimensão da população e isso é graças aos nossos profissionais de saúde”, declarou a coordenadora da resposta nacional à Covid-19, Deborah Birx, acrescentando que o país está “unido no distanciamento social e isso é muito encorajador”.

Temos de continuar a fazer o que fizemos ontem e no dia anterior e no dia anterior, porque só isso fará com que ultrapassemos o pico”, relembrou Birx.

Uma mensagem que foi ecoada por Anthony Fauci, o diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infeciosas: “É importante lembrarmo-nos de o facto de estarmos a ter sucesso não significa que devamos começar a recuar”.

O Presidente foi questionado pelos jornalistas sobre se irá continuar a seguir as recomendações dos especialistas, sobretudo no que diz respeito à data para decretar o fim do isolamento social — Trump já deixou claro no passado que gostaria de ver “o país aberto na Páscoa”, algo que não chegou a aplicar.

A resposta do Presidente foi provocatória: “Tenho imenso respeito por estas pessoas. Até já disse aqui ao Dr. Fauci: ‘Porque é que não vai para Nova Iorque e concorre contra a AOC [Alexandra Ocasio-Cortez, congressista do Partido Democrata]? Ganharia facilmente’“. Fauci tem sido retratado como uma espécie de “opositor interno” a Donald Trump, dentro da Casa Branca, desmentindo por vezes afirmações que o Presidente faz nas conferências de imprensa. Mas, perante a insistência dos repórteres, Trump assegurou que entende “o outro lado da discussão” e que irá continuar a “ouvir com muita atenção” os especialistas.

“Vai ser a decisão mais importante que vou ter de tomar, não acham'”, perguntou a certa altura o Presidente, referindo-se à decisão de acabar com as restrições de movimento. “Vou ouvir as pessoas, de todas as áreas, também da política, do senso comum. Mas a decisão está aqui”, disse, apontando para a própria cabeça.

A taxa “alarmante” de afro-americanos infetados com coronavírus

O maior ponto negativo na conferência de imprensa em tom otimista do Presidente foi a maior taxa de infeção na comunidade afro-americana, algo que o Presidente reconheceu ser um fator “muito preocupante”. Em estados como o Louisianna, Nova Iorque ou a Carolina do Sul, cerca de 70% dos infetados com Covid-19 são cidadãos afro-americanos.

Mas a quem coube ilustrar essa situação não foi a Donald Trump, mas sim ao Cirurgião-Geral (cargo semelhante ao de diretor-geral da Saúde, em Portugal), Jerome Adams. “É alarmante, mas não é surpreendente. Os afro-americanos têm hipertensão em idades mais jovens, por exemplo”, disse, acrescentando depois uma série de estatísticas que comprovam a maior predominância de problemas de saúde nesta comunidade.

Adams, que é negro, aproveitou para dar o seu exemplo pessoal e tentar chegar à comunidade: “Eu trago um inalador no meu bolso há 40 anos, por receio de ter um ataque de asma letal. E mostro-vos isto não para um destes miúdos achar que pode vir a ser o Cirurgião-Geral um dia, mas para mostrar que as pessoas de cor podem ser menos resilientes ao Covid-19 e as questões sociais também podem afetá-las mais.”

Só 1 em cada 5 afro-americanos tem um trabalho em que possa trabalhar a partir de casa, 1 em 6 no caso dos hispânicos”, acrescentou, deixando claro que esta não é uma questão de “genética”, mas sim de circunstâncias sociais.

Perante as perguntas sobre este tema, Donald Trump disse apenas: “Uma das coisas que me deixa mais orgulhoso é o que já fizemos pelos afro-americanos, com a taxa de desemprego mais baixa de sempre na comunidade.” Uma vez mais, o foco foi colocado na economia.