789kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Donald Trump no seu anúncio televisivo ao país, onde garantiu que se iria ultrapassar a epidemia rapidamente
i

Donald Trump no seu anúncio televisivo ao país, onde garantiu que se iria ultrapassar a epidemia rapidamente

Getty Images

Donald Trump no seu anúncio televisivo ao país, onde garantiu que se iria ultrapassar a epidemia rapidamente

Getty Images

Estados Unidos podem ser o próximo foco, mas Trump não parece preocupado. Porquê?

A pensar na economia, Trump quer voltar à normalidade na Páscoa. Especialistas falam em risco de “caos” na saúde. Mas tudo pode não passar de campanha eleitoral.

    Índice

    Índice

O aviso foi feito pela própria Organização Mundial da Saúde (OMS) esta terça-feira: “Os Estados Unidos têm um surto bastante grande e cuja intensidade está a aumentar”. Quem o disse foi a porta-voz Margaret Harris, acrescentando que o país tem “potencial” para se tornar o próximo epicentro da pandemia, depois da China, onde morreram mais de três mil pessoas até agora, e da Europa, onde a contagem já vai em mais de dez mil vítimas.

De Washington D.C., porém, vêm sinais contraditórios. Depois de prever que a epidemia passaria num instante, o Presidente Donald Trump diz agora apontar para meados de abril como uma possível data para o país regressar à normalidade. “Já vejo luz ao fundo do túnel”, declarou esta terça-feira, num briefing onde disse crer ser possível voltar a “abrir o país” até à Páscoa. Mas será, de facto, possível forçar os Estados Unidos a retomarem a normalidade em tão pouco tempo? E à custa de quê?

O crescimento exponencial em Nova Iorque (e não só)

Desde fevereiro, foram já registados no país mais de 55 mil casos e 802 mortes, a grande maioria (192) no estado de Nova Iorque. É aqui que a epidemia está a ter o crescimento mais exponencial e as recomendações são para que praticamente ninguém saia de casa, com o governador Andrew Cuomo a prever que possam vir a ser necessárias 140 mil camas de hospital, apesar de só existirem neste momento 53 mil disponíveis.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

No resto do país, a situação é menos dramática, mas os profissionais de saúde temem o impacto do que ainda está por vir. “Aqui na América estamos habituados a usar o material uma vez e a deitá-lo fora. Isso já não está a acontecer, limpamos as coisas e reutilizamos aquilo que é seguro de reutilizar”, contava esta terça-feira uma médica, Sachita Shah, à National Public Radio. Mas o medo está lá, mesmo com material: “Sustemos a respiração quando entramos em quartos separados por cortinas, onde os pacientes usam máscaras. Temos medo. Temos medo uns dos outros”, confessou.

O estado de Nova Iorque decretou isolamento social e a metrópole está agora praticamente vazia

NurPhoto via Getty Images

A curva continua a subir, mas nem todos parecem tão assustados como esta médica que trabalha no serviço de emergência do Centro Médico de Harborview, em Seattle, o primeiro estado norte-americano onde surgiram casos do novo coronavírus. A começar pelo próprio Presidente, que não só tem desavalorizado várias vezes o impacto desta pandemia, como prevê agora que ela será ultrapassada muito em breve. “Espero que possamos reabrir o país até à Páscoa”, disse esta semana aos jornalistas na sala de imprensa da Casa Branca, apontando assim para o dia 12 de abril, a pouco mais de duas semanas de distância.

“Vamos olhar para isto. Só o vamos fazer se for algo bom e talvez possamos fazer só para algumas partes do país”, especificou o Presidente. Estados como Nova Iorque ou a Califórnia, que estão neste momento fechados e com as suas populações isoladas socialmente, talvez ficassem de fora.

E se a cura para a Covid-19 é “pior do que o problema”?

Na mesma conferência de imprensa, o diretor do Instituto Nacional de Doenças Alérgicas e Infecciosas, Anthony Fauci, deitou alguma água na fervura das declarações de Trump: “Precisamos primeiro de saber o que se passa nas zonas do país onde não há um surto evidente. É uma situação flexível”, disse, cuidadosamente, sem atacar diretamente o Presidente, mas também não assinando por baixo.

O médico Anthony Fauci, com quem Trump tem chocado algumas vezes, em primeiro plano

Getty Images

Tem sido um difícil equilíbrio no arame para Fauci, que já se tornou um fenómeno da internet pelas aparentes discordâncias com o Presidente e por ter “desaparecido” da penúltima conferência de imprensa, levando alguns a especular que teria sido afastado. Numa entrevista publicada pela revista Science na semana passada, Fauci admitiu mesmo a existência dessas discordâncias, dizendo: “Não posso saltar para a frente do microfone e afastá-lo. OK, ele disse uma coisa [errada]. Vamos tentar que a corrija para a próxima.”

Mas o próprio Fauci — que, entretanto, regressou à sala de imprensa da Casa Branca ao lado de Donald Trump — já admitiu publicamente que o Presidente presta atenção aos seus conselhos técnicos, em privado: “Aquilo que lhe posso dizer é que, de cada vez que falo com ele sobre alguma coisa, ele presta atenção e tem em conta o que lhe digo”.

Nesta matéria, porém, Trump parece disposto a ir até ao fim: “Acho que, a partir desta segunda ou terça-feira, são mais duas semanas. Aí vamos analisar e, se for preciso, damos um bocadinho mais de tempo. Mas temos de abrir este país”, declarou numa entrevista à Fox News esta terça-feira. “Não seria lindo ver as igrejas cheias no domingo de Páscoa?”, perguntou, antes de estender a mão ao jornalista para se despedir, retirando-a de seguida e dizendo “ups”, com um sorriso.

A motivação do Presidente para querer este prazo rápido é clara e chama-se economia. “NÃO PODEMOS DEIXAR QUE A CURA SEJA PIOR DO QUE O PRÓPRIO PROBLEMA. NO FINAL DO PERÍODO DE 15 DIAS, TEREMOS DE TOMAR UMA DECISÃO”, escreveu no Twitter. “Perdemos muito mais pessoas nos acidentes automóveis [do que com a Covid-19] e não andamos a telefonar às empresas de automóveis a pedir-lhes que deixem de produzir carros. Temos de voltar ao trabalho”, esclareceu Trump no seu briefing à empresa. Quanto mais isoladas as pessoas se mantiverem, melhores as hipóteses de combater a epidemia, explica a OMS. Mas também mais danos são provocados à economia. E Trump não parece estar disposto a tolerá-los durante muito mais tempo.

O problema é que uma decisão prematura de retomar a normalidade pode ter impactos tremendos ao nível da saúde pública. “Seria uma porta aberta ao caos”, classificou à edição americana do The Guardian o diretor do Centro de Saúde e Segurança Interna da Universidade do Maryland, Michael Greenberger. “Esse cálculo tem de ter em conta que, se assim for, há pessoas que vão ficar doentes e que vão morrer”, afirmou o professor universitário. “Acho que tanto o nosso setor da saúde pública como o setor financeiro vão ficar piores se simplesmente enviarmos as pessoas de volta para as suas vidas normais sem pensar.” As próprias recomendações da OMS neste momento vão no sentido de continuar a reforçar a necessidade da distância social para prevenir a propagação do vírus — e a Organização considera que o pior no país ainda está por vir.

Irão por isso os Estados Unidos caminhar alegremente para um abismo, numa tentativa vã de não prejudicar a economia? Não exatamente. Em primeiro lugar, como aponta a economista Elise Gould, é preciso lançar a pergunta “o que irão as pessoas fazer?”. Nem sempre as recomendações são seguidas por todos e uma recomendação para regressar em massa ao trabalho pode não ser cumprida por aqueles que têm mais medo.

“Acho que tanto o nosso setor da saúde pública como o setor financeiro vão ficar piores se simplesmente enviarmos as pessoas de volta para as suas vidas normais sem pensar.”
Michael Greenberger, professor da Universidade do Maryland

Por outro lado, é preciso recordar que quem tem poder executivo em muitas matérias nesta área são os governadores dos Estados e não o Presidente. Trump tem, inclusivamente ,carregado nessa tecla, dando luz verde aos estados para fazerem o que bem entenderem a fim de combater esta pandemia. E, depois das várias trocas de farpas com o governador de Nova Iorque Andrew Cuomo, por exemplo, não parece provável que alguém como Cuomo vá simplesmente seguir os desejos do Presidente — sobretudo quando o seu estado regista o nível mais alto de mortalidade do país por Covid-19.

O governador de Nova Iorque, Andrew Cuomo, tem sido um dos maiores críticos da ação do Presidente

Getty Images

Donald Trump sabe isso e tem sido cauteloso o suficiente para incluir no seu discurso expressões vagas como “espero que…”, “algumas zonas” ou “vamos analisar”. Também não seria a primeira vez que o Presidente norte-americano diria uma coisa que mais tarde acabaria por não acontecer, inclusive sobre esta pandemia.

O “show Trump” continua — e tem estado a resultar

O que nos leva à grande questão: e se tudo não passar de estratégia eleitoral? Com a campanha para as presidenciais suspensa, Donald Trump parece estar a aproveitar todos os minutos possíveis para falar na sala de imprensa da Casa Branca, com conferências de imprensa que chegam a arrastar-se quase por duas horas. E, tendo em conta a sua experiência, aquilo que costuma resultar para Trump é ser Trump — o que significa, por vezes, dizer coisas como “o vírus chinês”, mostrar confiança de que tudo passará “em duas semanas” ou intimidar jornalistas que o contrariam.

“Trump está a ser ele próprio”, resumiu ao Politico Barbara Res, antiga executiva que trabalhou com Trump empresário. “É o espetáculo que nunca acaba, a novela sem fim”, acrescentou ao mesmo artigo Gwenda Blair, biógrafa de Trump. Uma postura que tem desde sempre, como Blair já tinha explica ao Observador ainda em 2017: “Donald Trump é assim. Ele foca-se em vender uma ideia, nunca pedir desculpa, nunca recuar e fazer bullying a qualquer opositor. Tudo isto faz parte da sua forma de operar já há muitos anos.” Perante a epidemia de Covid-19, o caminho tem sido o mesmo.

Um ano de Donald Trump. Ego, lutas no pântano e muitos, muitos tweets

E, à primeira vista, a estratégia tem estado a resultar. A base de apoio de Trump tem seguido a estratégia, com conservadores como o radialista Glenn Beck ou o vice-governador do Texas, Dan Patrick, a oferecerem-se para continuarem a trabalhar — e até a “arriscar a sobrevivência” — para proteger assim as gerações mais novas, sugerindo uma espécie de sacrifício comunitário da terceira idade pela economia norte-americana.

Mas não se pense que a franja mais radical do Partido Republica é a única a apoiar o Presidente. A opinião pública em geral também começa a apreciar a atitude de Trump face ao vírus. Uma sondagem da Ipsos, publicada na sexta-feira, demonstrava uma alteração significativa de perceção: na semana anterior, só 43% aprovavam a atuação do Presidente nesta crise; sete dias depois, o valor subira para 55%. Esta terça-feira, uma nova sondagem da Gallup reforçava a tendência: Trump regista agora 49% de taxa de aprovação, a maior de sempre desde que assumiu a presidência. “Os americanos têm feito avaliações positivas à forma como o Presidente está a lidar com a situação”, resumia a empresa, citada pelo Politico.

As conferências de imprensa de Trump sobre a Covid-19 chegam a demorar quase duas horas

Getty Images

À medida que o impacto económico da epidemia se fizer sentir, cada vez mais norte-americanos podem vir a concordar com a ideia de Trump de que é necessário o país regressar rapidamente ao normal. Apesar de o Senado ter aprovado um pacote de biliões de dólares para ajudar a lidar com a crise que se antevê, a verdade é que o desemprego já começa a disparar, com algumas zonas de Nova Iorque a registarem aumentos de 1000% nos pedidos de apoio ao desemprego, de acordo com a NBC. Num país com fracos mecanismos de apoios sociais pelo Estado, quaisquer dificuldades económicas das empresas se traduzirão muito rapidamente em problemas financeiros graves na vida do cidadão comum.

Trump deverá continuar, por isso, a apostar que muitos eleitores votam com a carteira e pode não inverter o discurso que segue neste momento, projetando um regresso à normalidade para a Páscoa — ou, pelo menos, passando a sensação de que está a lutar por isso. Mas a estratégia só poderá ser vencedora quanto menos os norte-americanos forem afetados diretamente pela pandemia. “Se a Covid-19 se espalhar de forma descontrolada, os mais velhos irão morrer em níveis recorde, as pessoas de meia-idade irão ficar internadas nos cuidados intensivos a lutar pela vida, os hospitais ficarão assoberbados e a maioria dos americanos ficarão aterrorizados demais para sair de casa, comer fora, apanhar o metro ou ir ao parque”, vaticinou Scott Gottlieb, ex-comissário da Food and Drug Administration (órgão semelhante à Agência do Medicamento Europeia) nomeado pelo próprio Trump.

“Donald Trump é assim. Ele foca-se em vender uma ideia, nunca pedir desculpa, nunca recuar e fazer bullying a qualquer opositor. Tudo isto faz parte da sua forma de operar já há muitos anos.”
Gwenda Blair, biógrafa de Trump

Ao colocar todas as fichas na salvação económica, Trump pode vir a ser bem-sucedido eleitoralmente, como tantas vezes tem sido. Mas, caso a epidemia se descontrole, se as mortes forem encaradas pelo Presidente como simples danos colaterais, e se vierem a ser muitas, tal pode vir a custar-lhe politicamente. Sobretudo no dia 4 de novembro, dia das eleições presidenciais.

Isso mesmo já foi dito a Trump pelo senador republicano Lindsey Graham, geralmente um aliado que se mantém de pedra e cal ao lado do Presidente, mas que desta vez apresentou as suas discordâncias em público: “Qualquer subida da taxa de mortalidade pode ser um grande problema para ele. O maior risco político que um Presidente pode correr é não acatar conselhos sensatos”, afirmou Graham à revista The Atlantic. “A economia pode recuperar. Quando uma pessoa morre, acabou-se.”

Assine por 19,74€

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver planos

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Assine por 19,74€

Apoie o jornalismo independente

Assinar agora