O primeiro-ministro considera que o atual momento na Europa é de clarificação política, importando saber se é possível uma união a 27, ou a 19 na zona euro, e aponta o dedo à Holanda.

“Mais do que uma questão económica ou financeira, é uma questão política que está colocada. Temos de saber se podemos seguir a 27 na União Europeia, a 19 [na zona euro], ou se há alguém que queira ficar de fora. Naturalmente, estou a referir-me à Holanda”, salienta António Costa, numa entrevista à Lusa que será divulgada na íntegra no sábado.

[Pode ouvir aqui esse excerto da entrevista]

Costa volta a atacar: “Alguém quer ficar de fora da UE? Estou a falar da Holanda, claramente”

O primeiro-ministro frisa que “este é o momento de clarificação política da Europa”. “Pessoalmente, talvez por ser irritante otimista, gostaria de acreditar que a Europa é mesmo possível de fazer a 27 e que a zona euro é mesmo possível de fazer a 19, mas, para isso, é preciso que todos tenham a capacidade política de que não podemos estar todos reféns de populismos eleitorais”, afirma António Costa.

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Segundo primeiro-ministro, se na crise migratória “já se tinha percebido que a Europa não estava à altura de responder a 27, havendo pelo menos quatro países com os quais não se podia contar, agora sabe-se que, se calhar, não se pode responder a um desafio desta natureza a 19, porque há pelo menos um país da zona euro que, de facto, resiste a compreender que o facto de se partilhar uma moeda comum implica partilhar um esforço comum”.

António Costa mostra-se particularmente incisivo ao afirmar que a crise pandémica não era uma “questão de solidariedade, mas de racionalidade, porque solidariedade é um termo que se pode empregar quando há um país que tem um problema específico que o atinge”.

Nesta crise – continua – “fomos todos atingidos por igual e esta pandemia põe em causa o funcionamento do próprio mercado interno como um todo. Todos tivemos de fechar fronteiras externas, todos tivemos que ir fechando as fronteiras internas e todos estamos com as nossas economias paralisadas. Portanto, esta crise é um caso de manual como um choque exógeno atinge por igual todos, paralisa todos e põe em causa o mercado interno”.

“Se, perante isto, não há a racionalidade suficiente para perceber que temos mesmo de responder em conjunto e não há a coragem de resistir ao populismo e se tem medo das eleições do próximo ano, se começam a ter atitudes tendo em conta critérios eleitorais e não os de responsabilidade para com o conjunto dos cidadãos da União Europeia, então, isso leva-nos a interrogar se podemos ter uma zona euro com estes 19 Estados-membros, ou se, de facto, temos de ter outras formas de organização no interior da Europa”, sublinha.

Neste contexto, o primeiro-ministro refere-se ao Presidente francês, que tem sugerido a necessidade de avançar com os mecanismos de cooperação reforçada numa Europa de geometria variável, considerando que isto tem demonstrado que, “provavelmente”, Emmanuel Macron terá razão.

António Costa expressa ainda o desejo de que o Conselho Europeu esteja à altura das responsabilidades e do desafio que tem pela frente, porque têm sido “as capitais que têm estado a limitar a capacidade de resposta da União Europeia”.

“Custa-me sempre ver quando se aponta as limitações da União Europeia a fotografia da presidente da Comissão”, acrescenta.

“A Comissão tem agido até agora no máximo dos limites das suas capacidades. Se a União Europeia não fez mais, não foi por causa da Comissão, não foi por causa do Parlamento Europeu, não foi por causa do Banco Central Europeu. Não fez mais porque alguns Estados-membros não têm permitido que a União Europeia faça mais e, portanto, a responsabilidade é do Conselho, só do Conselho, dos Estados-membros e não há lugar a nenhuma transferência de responsabilidades para Bruxelas”, sublinha.

E prossegue: “O Conselho Europeu tem de perceber que nós não podemos dizer simultaneamente que estamos a enfrentar a maior crise que a Europa enfrenta desde a II Guerra Mundial e estarmos a reagir como se estivéssemos a falar de uma cheia que atingiu um Estado-membro (…) o que está em causa é uma crise de dimensões que as últimas gerações não conheceram e perante um choque que foi absolutamente inesperado, externo e absolutamente simétrico para todos os Estados-membros”.

“Se nestas condições não é possível à Europa assegurar uma capacidade de resposta comum à altura deste desafio, isto de facto será um sinal de grande preocupação para quem acredita na Europa e que é de facto juntos que nós conseguimos vencer desafios desta dimensão. Se não estamos capazes de juntos vencer desafios desta dimensão, então para pequenos desafios não se justifica uma Europa com esta escala”, conclui.