O rumor começou no início da semana, com algumas publicações a citarem fontes internas da Federação Italiana de Futebol para colocarem o regresso da Serie A no país à porta fechada até ao final do ano de 2020. Esta terça-feira, houve uma “corporização” da ideia, com a sub-secretária de Estado da Saúde, Sandra Zampa, a tomar uma posição oficial sobre essa possibilidade, em declarações à RaiNews24. “Para mim este debate não é prioritário, podemos renunciar ao desporto por mais um mês. As pessoas só voltarão às bancadas quando houver segurança, ou seja, quando houver uma vacina contra a Covid-19″, resumiu de forma pragmática.

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Na mesma linha de raciocínio, Giovanni Rezza, diretor do Instituto de Doenças Contagiosas, foi mais drástico na análise da possibilidade. “Se tiver de dar a minha opinião, digo que sou contra. Os cientistas têm de ser cientistas e não adeptos”. Itália pode começar a ter os primeiros sinais de real esperança no decréscimo acentuado dos números de novos casos e mortes diárias, as equipas podem estar em reorganização para arrancarem com uma fase de preparação quase como se de uma pré-temporada se tratasse (com todos os jogadores testados) mas ainda faltará algum tempo até falarmos de Serie A, da luta entre Juventus, Inter e Lazio ou dos golos de Ronaldo.

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Ainda assim, e no meio de um período difícil que tem gerado tensões sociais sobretudo no sul do país – sem falar no colapso económico que se fará sentir a nível transversal na Europa –, houve uma boa notícia em Itália numa figura muito querida no país e que se notabilizou no futebol transalpino (e não só): Gianluca Vialli.

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Hoje, a Premier League é a prova mais seguida, a Bundesliga é a competição mais levada como exemplo e a La Liga é a que concentra mais “estrelas”. A Serie A, apesar do novo fôlego nos dois últimos anos, foi perdendo espaço para outros “concorrentes” europeus. Nos anos 90, quando Vialli estava no pico da carreira, era em Itália que estavam grande parte das atenções. E cada título que era conquistado tinha outro “sabor”. No seu caso, foram dois.

Na Sampdória, onde esteve entre 1984 e 1992, foi campeão em 1991. Toninho Cerezo, Katanek e Mikhailichenko eram os três estrangeiros da equipa de Génova, que contava ainda com nomes como Pagliuca, Pietro Vierchowod, Lombardo, Mancini (esse mesmo, o selecionador italiano) ou Marco Branca. A oposição, essa, podia ser descrita apenas pelos jogadores extra transalpinos: o AC Milan tinha os holandeses Rijkaard, Gullit e Van Basten; o Inter tinha os alemães Brehme, Matthäus e Klinsmann; a Juventus tinha o brasileiro Júlio César e o germânico Thomas Hässler entre vários internacionais italianos mas não foi além do sétimo lugar na Serie A.

Mais tarde, já pela Juventus, Vialli ganhou o segundo título em 1995 tendo a seu lado Roberto Baggio, Ravanelli, Del Piero, Di Livio, Conte (atual treinador do Inter), Peruzzi, Torricelli, Ferrara ou Carrera além de “estrangeiros” como o português Paulo Sousa, o alemão Jürgen Kohler, o francês Deschamps ou o croata Jarni. A isso juntaria antes uma Taça UEFA e depois uma Liga dos Campeões (já depois de ter vencido uma Taça dos Vencedores das Taças pela Sampdória), num período que antecedeu um final de carreira no Chelsea onde, no papel de treinador-jogador, ganhou mais uma Taça dos Vencedores das Taças (entre cinco títulos ganhos em Inglaterra).

Um ano depois de ganhar a Serie A pela Juventus, Vialli conquistou a Champions em 1996 numa equipa que tinha Paulo Sousa (GETTY IMAGES)

Depois de ter orientado o Watford numa época (2001/02), Vialli desligou-se de vez do futebol dentro dos relvados. Escreveu um livro com o amigo e jornalista Gabriele Marcotti sobre as diferenças do jogo entre Itália e Inglaterra, foi comentador televisivo na Sky e mais tarde na BBC, criou uma Fundação que angaria fundos para a pesquisa e desenvolvimento de curas para o cancro e para a esclerose lateral amiotrófica (ELA) e fundou uma plataforma de investimento no desporto profissional com Fausto Zanetton (a Tifosy). Porque se é verdade que Vialli foi um bad boy com traços de rebeldia até na forma de jogar (e fora de campo, como o episódio em que terá barrado queijo no guardanapo de Arrigo Sacchi, iniciando aí uma relação azeda com o técnico), cresceu num meio privilegiado. De forma literal, num castelo, o Castelo di Belgioioso, filho de um self made man milionário de Cremona.

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Nos últimos 17 meses, Vialli jogou o jogo mais complicado da carreira, na luta contra um cancro no pâncreas. Recuperou, teve uma recaída, voltou a não baixar os braços nesta espécie de prolongamento e, já como chefe de delegação da seleção italiana (cargo que passou a ocupar a partir de outubro de 2019, a pedido do selecionador e antigo companheiro de equipa Roberto Mancini), soube que tinha derrotado de vez a doença. Ao tornar pública a novidade, teve uma frase que disse tudo sobre o momento no país: “Tenho vergonha de estar tão feliz”.

Vialli e Mancini, que foram campeões na Sampdória em 1991, encontraram-se na seleção italiana no final do último ano

“Em dezembro completei 17 meses de quimioterapia, com um ciclo de oito e outro de nove. Foi complicado, mesmo para uma pessoa dura como eu, física e mentalmente. Os últimos exames que fiz não mostraram quaisquer sinais da doença. Estou feliz, mesmo que o diga baixinho. Estar saudável significa ver-me bem ao espelho, ver o cabelo a crescer, não precisar de desenhar mais as sobrancelhas com um lápis. Pode parecer estranho, mas sinto-me com muita sorte em comparação com muitas pessoas”, referiu numa entrevista ao La Reppubblica.

“Penso nas pessoas levadas para o hospital e que morrem sozinhas, com os seus familiares fechados em casa, nos funerais não celebrados. É tudo terrível, um teste extremo, uma tortura. Haverá sempre grandes cicatrizes emocionais, morais e económicas. A vida de todos vai mudar e para muitas pessoas já mudou. Gostava que a famosa frase ‘O que interessa é ter saúde’  se tornasse o principal. Desejo que nunca mais aceitemos qualquer corte na saúde pública, que as pontes não colapsem e que a segurança das pessoas se torne uma prioridade”, acrescentou o antigo avançado de 55 anos, num depoimento que foi amplamente difundido pela imprensa internacional.