“Já no próximo mês” (de maio) a Suécia poderá chegar a uma situação de “imunidade de grupo” no que diz respeito ao novo coronavírus, afirmou este domingo Anders Tegnell, o epidemiologista que é o “arquiteto” da resposta (relaxada) que o país escandinavo deu à Covid-19. A análise de Tegnell refere-se, em rigor, à capital Estocolmo, que foi e continua a ser o epicentro da pandemia no país, onde se registaram mais mortes (mas Tegnell diz que esses dados estão a ser inflacionados pelas vítimas entre os imigrantes vindos da Somália que, diz, não estão a ter a mesma atitude de distanciamento social que os autóctones).
O país, que tem uma população de pouco mais de 10 milhões, tal como Portugal, teve já cerca do dobro das mortes: 1.540, contra as 714 em Portugal. Segundo dados compilados pelo Worldometers, essas mortes ocorreram num universo de menos de 14.500 casos (e houve 550 recuperados). Tal como Portugal, a Suécia também registou os primeiros casos confirmados de infeção no início de março (e a primeira morte em meados desse mês) mas tem tido uma resposta muito mais relaxada por parte das autoridades, que contrasta com a maioria dos países europeus – com escolas e ginásios a funcionar, restaurantes abertos e pouco mais do que apelos à população para que, com responsabilidade, tome os cuidados de higiene recomendados e um relativo distanciamento social.
A estratégia pareceu a dada altura estar a ter resultados desanimadores, com números de infeções e mortes muito superiores, por exemplo, à vizinha Noruega, onde as autoridades tomaram medidas muito mais apertadas (que só teve 165 mortes, com uma população que é metade da Suécia). Na semana anterior à Páscoa, o governo sueco deu sinais de poder vir a endurecer a estratégia, mas pouco foi feito, na prática.
Além das lojas, restaurantes e bares abertos, o país continua a permitir eventos com até 50 pessoas e apenas o ensino secundário fechou, mas deverá reabrir para os exames. Os suecos não estão impedidos de viajar. São incentivados a manter a distância social, a ficar em casa se se sentirem doentes, a trabalhar em casa se for viável e a evitar pessoas mais velhas se for possível. Mas pouco mais – o governo indicou, apenas, que vai intensificar os testes de despistagem à Covid-19 nas próximas semanas.
Esta estratégia está, garantiu este domingo Anders Tegnell, a mostrar que pode ser eficaz. “De acordo com os modelos que estamos a correr, estamos a começar a ver tantas pessoas imunes na população de Estocolmo que isso está a começar a ter um impacto na curva de propagação da infeção“, garantiu o epidemiologista, notando que se está a atingir um “planalto” nos números de infeções e mortes.
“Os nossos modelos apontam para que algures em maio” se atinja a imunidade de grupo, ou seja, um contexto em que uma grande percentagem da população já se imunizou, pelo que se tornam menos frequentes os novos contágios. O especialista reconheceu, porém, em declarações à imprensa local, que “estamos a falar de modelos matemáticos, que terão tanto valor quanto os dados que lá inserirmos… Veremos se estes dados estão corretos“.
Autoridades lamentam não ter feito mais pelos idosos. Mas outro fenómeno explica mortes
Anders Tegnell recusa a ideia de que tenha havido um “falhanço” na estratégia global, embora admita – como também já admitiu o governo – que não se fez o suficiente para salvaguardar os cidadãos mais idosos, desde logo aqueles que vivem em lares da terceira idade.
Esse facto ajuda a justificar porque é que a Suécia já teve mais mortes do que a Noruega, por exemplo, diz Tegnell. Mas o especialista também já tinha dado outra explicação para os números: num debate televisivo esta semana, o epidemiologista asseverou que a estratégia do governo se está a basear não na força de estados de emergência mas na “comunicação clara” com a população, apelando ao seu civismo como forma de contribuir para que a propagação aconteça a um ritmo controlado.
Porém, garantiu, se essa mensagem foi acatada pela população nascida na Suécia, acabou por não ser cumprida da mesma forma pelas comunidades de imigrantes que vivem em bairros na periferia de Estocolmo e que são compostos por imigrantes vindos de países como a Somália. As mortes ocorridas aí, garante Anders Tegnell, estão a ter um efeito inflacionário sobre os números.
“É bastante claro que se conseguirmos isolar os casos sintomáticos, vamos conseguir deter esta pandemia“, asseverou Anders Tegnell, lembrando que em nenhum momento o sistema de saúde do país – um dos mais modernos e equipados da Europa – atingiu qualquer coisa que se assemelhe a um ponto de saturação, como se viu em países como Itália ou Espanha.
Caso a estratégia se comprove como correta e a Suécia consiga mesmo controlar a propagação, economistas têm dito que o país estará numa posição melhor do que outros na Europa para a retoma. “Ainda que a indisponibilidade da Suécia para fechar o país possa, eventualmente, revelar-se errada, para já, se a curva de infeções de aplanar em breve, então a economia terá boas condições para recuperar”, diz um economista do banco HSBC, numa nota de análise citada pela Bloomberg.