Não é um cenário propriamente normal, em condições normais até seria bom, neste contexto pode transformar-se num problema. Depois dos dias cinzentos, a primavera chegou esta semana à Escandinávia (pelo sol, nem tanto pela temperatura) e essa mudança acabou por marcar grande parte das conferências de imprensa das autoridades do país a propósito da Covid-19, sobretudo depois do escalar dos números que conheceu esta sexta-feira o ponto alto de 812 novos casos (e 131 mortos, terceiro maior registo) em apenas 24 horas. Este sábado, ainda assim, esse valor diminuiu para 610. No entanto, a estratégia seguida pelo país na abordagem à pandemia continua a suscitar um misto de críticas e dúvidas. E até uma figura que era tida como herói começa a ser atingida.

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“O sol brilha em quase todo o nosso querido país mas nem as horas de sol, nem as horas de boa temperatura devem determinar se ouvimos ou não as recomendações das autoridades”, alertou na passada terça-feira o primeiro-ministro sueco, Stefan Löfven, pedindo que fossem mantidas as precauções colocadas pelas autoridades e numa fase onde se percebia internamente que a linha de novas infeções estava a subir. “Vou ser muito claro: não quero ver aglomerações nas esplanadas de Estocolmo nem em nenhum outro lugar”, avisou esta sexta-feira o ministro do Interior, Mikael Damberg. Mas porquê tantas preocupações e aumentos nas inspeções?

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Como destaca o La Vanguardia, num trabalho onde concentra atenções sobretudo em Estocolmo (onde se concentram 40% dos infetados), o governo da Suécia colocou as fichas todas na Agência de Saúde Pública e em Anders Tegnell mas a perceção do epidemiólogo, no início da pandemia com maior reconhecimento do que os próprios ministros, foi alterando. Ou seja, aquele que era visto como uma figura intocável e que tinha um método inquestionável de fugir a confinamentos mais rígidos para esvaziar também um segundo pico. Um exemplo prático: enquanto na Dinamarca e na Noruega não tinham nas principais recomendações o fecho das fronteiras, sendo as primeiras a fazê-lo por decisão do governo, a Suécia foi fiel às decisões de Tegnell e restante equipa. “Fechar as fronteiras é ridículo”, acrescentou mesmo numa entrevista à Nature.

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Com o aumento dos novos casos diários e do número de mortos, é isso que está agora a começar a ser colocado em causa. No ponto do fecho das fronteiras, que aconteceu muito depois do que nos outros países, e sobretudo num outro ponto que se tem tornado crítico: as medidas adotadas para as pessoas mais idosas, que representam já um terço do total das vítimas no país (2.192 este sábado). “É o nosso grande problema”, assumiu Tegnell, que pediu para que pessoas acima dos 70 anos façam apenas as viagens indispensáveis e estejam em casa.

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Como explica o The Guardian, numa retrospetiva do que aconteceu nas últimas três semanas, o facto de as visitas a lares e casas de repouso terem demorado a ser proibidas e até a prática comum de não haver obrigatoriedade de uso de máscaras e demais materiais de proteção entre os funcionários desses espaços acabou por ser o principal calcanhar de Aquiles numa estratégia mais moderada. “Devem admitir que foi uma falha enorme, sobretudo tendo em conta que sempre disseram que o grande objetivo era proteger os mais velhos. Mas o que é realmente estranho é que ainda não perceberam o melhor caminho. Dizem que é muito triste, que vão investigar, que é uma questão de formar as pessoas mas não sabem que a propagação de assintomáticos e pré-sintomáticos é o fator”, comentou a virologista Lena Einhorm, uma das principais críticas no país, ao The Observer. É aqui que entronca o tal “erro de cálculo”: considerar que esses casos sem sintomas tinham pouca influência na propagação do vírus.

Apoiado sempre nos números e fugindo ao máximo a qualquer decisão política, Anders Tegnell foi o mentor de uma abordagem que manteve as escolas abertas (menos o ensino secundário, a certa altura), os restaurantes a funcionar, os ginásios disponíveis os eventos até 50 pessoas na calendarização prevista, pedindo apenas para que fossem tomadas as precauções básicas já transversais a todos os países do mundo que passam pelo possível distanciamento social e pela boa higienização. “Os nossos modelos apontam para que algures em maio se atinja a imunidade de grupo”, disse na semana passada, antes de colocar um parênteses que é hoje muito destacado: “Estamos a falar de modelos matemáticos, veremos se estes dados estão corretos”.

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Hoje, o epidemiólogo mantém uma popularidade alta mas são cada vez mais as vozes críticas de Anders Tegnell, um dos protagonistas internacionais desta pandemia da Covid-19 que já admitiu sentir-se como… Greta Thunberg. “Testemunhei o quão difícil é estar sempre, como ela, no centro das atenções”, disse, aqui citado pelo El Mundo. Aos 64 anos, os últimos sete cumpridos na liderança da Agência de Saúde Pública (FHM), o especialista nascido na quarta maior cidade do país (Uppsala) licenciou-se em medicina na Universidade de Lund, foi interno num hospital em Östersund e especializou-se em doenças infecciosas no Linköping University. Depois, esteve três anos no Laos com a Organização Mundial da Saúde, combateu o ébola no Congo e montou a campanha de vacinação nacional contra a gripe suína há mais de dez anos. Hoje, tem em mãos um desafio ainda maior. E também dele, ou da sua Agência, existem alguns sinais mais ziguezagueantes em relação à estratégia adotada.

Na passada quarta-feira, numa conferência de imprensa contada pelo El Mundo, a Agência de Saúde Pública da Suécia (nessa sessão sem a presença de Tegnell) referia que, no lapso de uma semana e meia, um terço dos habitantes de Estocolmo já teriam sido infetados com o vírus e que por cada casa confirmado haveria 1.000 não descobertos. Problema? Esses números só seriam assim se Estocolmo tivesse uma população de seis milhões e não de 2,2 milhões, como tem na verdade. E o erro que foi detetado por um jornalista freelancer, Emanuel Karlsten, deu força às vozes críticas no país que aumentam. “Era um documento pouco fiável, baseado numa simples tabela matemática e sem dados do terreno. Era demasiado cedo para anunciar algo assim e foram precipitados em tornar a mesma pública porque era o respaldo das previsões da sua estratégia”, disse Allan Randrup Thomsen, virologista da Universidade de Copenhaga, em declarações à cadeia televisiva DR.