O rombo de 762 milhões de euros até março, face aos mesmos três meses do ano passado, tem apenas a ponta do icebergue. As contas do Estado só estão em terreno positivo, atingindo os 81 milhões de euros, porque o saldo “não reflete ainda de forma evidente os efeitos do confinamento e os encargos decorrentes da prevenção, contenção, mitigação e tratamento” da Covid-19, de acordo com a Síntese de Execução Orçamental, publicada esta segunda-feira.

Dito de outro modo, as faturas do combate à pandemia e das medidas de apoio às empresas e às famílias começam sobretudo a ser pagas a partir de abril. Só que, antes de as pagar, o excedente orçamental — que em fevereiro atingira um recorde de 1.274 milhões de euros —, já quase desapareceu.

O Governo já comprou material médico neste trimestre para combater a pandemia e adiou o Pagamento Especial por Conta e o pagamento do imposto de selo — que privaram o Governo de arrecadar mais receita no mês passado. O ministério das Finanças disse, por isso, num primeiro momento, esta terça-feira, que o primeiro trimestre “já evidencia os efeitos da pandemia”. Só que, na verdade, são sobretudo outras as razões para a diferença face ao mesmo período de 2019.

UTAO assinala melhoria de 46 milhões de euros no excedente de caixa até fevereiro

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Do lado da despesa, a Direção Geral do Orçamento explica na síntese de execução orçamental que a subida de 5,3% se deve em grande medida ao pagamento de dívidas vencidas por entidades do Serviço Nacional de Saúde; aos maiores gastos com pensões (+4,9%); ao aumento das despesas com pessoal (+4,0%, corrigida de efeitos pontuais); e ao investimento público (+35,7%).

No comunicado que antecedeu a publicação do boletim, o ministério das Finanças destacou ainda o maior investimento na Administração Central, sem contar com Parcerias Público-Privadas, que aumentou 103%. Uma duplicação que reflete já a “aquisição de material médico para o combate ao Covid-19 destinado aos hospitais”, mas sobretudo investimentos do Ferrovia 2020 (dois terços do total).

O ministério das Finanças sublinha ainda o “expressivo crescimento da despesa do SNS” (+12,6%), nomeadamente em despesas com pessoal (+7,2%); e o aumento dos gastos com Segurança Social (+6,3%) — além do aumento de despesa com pensões, houve ainda subidas dos gastos com prestações sociais (6,3%), com abono de família (11,9%) e com Prestação Social para a Inclusão, para pessoas com deficiência (+38,4%).

Na receita, ainda houve neste primeiro trimestre um crescimento de 1,3%, à boleia das contribuições para a segurança social (+5,7%), mas o dinheiro arrecadado com impostos sofreu uma ligeira quebra (-0,2%).

Além dos adiamentos já referidos — que levaram a quebras do IRC (-30,5%) e do imposto de selo (-47,5%) —, não ajudou o crescimento incipiente do IVA (+0,1%), o mais importante dos impostos para os cofres do Estado, que foi afetado por um maior volume de reembolsos. Em contracorrente, o IRS teve ainda um aumento da coleta de 3,2%.

Centeno. “Tudo somado” ajudas do Estado ascendem a 20 mil milhões de euros só este ano

No total, os apoios à economia deverão exceder os 20 mil milhões de euros ao longo de 2020, de acordo com as contas de Mário Centeno. O ministro das Finanças disse no Parlamento, há duas semanas, que cada mês de lay off que envolva um milhão e meio de trabalhadores custará perto de mil milhões de euros, a que se juntam 500 milhões de euros para reforçar o SNS e outros 500 milhões para subsídios de desemprego e outras prestações sociais.

Há ainda que somar o apoio extraordinário à retoma da atividade das empresas, com um impacto único de 1 170 milhões de euros, e o efeito de degradação que a queda da economia terá nas contas públicas.