Mário Centeno até se sentou de lado na cadeira, na ponta de lá da bancada do Governo e mais afastado do primeiro-ministro do que é costume nestes debates quinzenais. E aqui nem havia a desculpa da Covid já que está sempre no lugar mais próximo, sobretudo quando está na berlinda, e desta vez estava a quatro governantes de distância. António Costa passava em revista, num relato histórico que pretendia ser uma explicação, a relação Estado/Novo Banco e o ministro das Finanças parecia não só não querer deixar escapar nada, como também medir as palavras do primeiro-ministro. O tema que Costa deu por “encerrado” ainda ferve e há outro que também já não dá para esconder, tantas são as fugas à pergunta.

Mesmo que tenha aparecido poucas vezes a questão direta (só pela voz dos deputados do PAN e Chega) sobre se Mário Centeno vai para o Banco de Portugal, a fuga foi sempre para a frente. “Prometo ouvir os partidos nesse processo” de escolha do novo governador. E elogios ao seu ministro, ficaram atribuídos a outros. Costa vai contornando o que não quer responder, mas o assunto Novo Banco continua a ser uma bota difícil e descalçar, com PSD e Bloco de Esquerda a tomarem a dianteira do assunto e Costa a ter de acabar por admitir que o Fundo de Resolução pode pedir reembolso do empréstimo se a auditoria independente concluir por má gestão.

E no fim de tanta guerra com um banco, a declaração de guerra aos bancos que estão atrasar-se na concessão dos empréstimos com garantias do Estado para apoiar as empresas em crise com esta pandemia. Todo um debate quinzenal virado para a banca, com Costa a tentar uma no cravo, outra na ferradura e ainda um olé às perguntas sobre a Centeno. Hoje já não houve trivela, houve “faena”.

O olé ao que mais incomóda

Se é verdade que há uma semana Mário Centeno saiu de São Bento com a confiança do primeiro-ministro reafirmada, também é verdade que desde então ainda não o ouviu atravessar-se por si com clareza e não faltaram momentos (entrevistas à CMtv e à TSF e ainda um briefing do Conselho de Ministros e vários momentos em que fugiu às perguntas de jornalistas). E neste debate quinzenal voltou a ficar clara essa ausência, ainda que António Costa tenha sido diretamente questionado. André Ventura foi direto, já mesmo no fim: “Mário Centeno vai ou não para o Bando de Portugal?”. E Costa respondeu: “Vejo que foi de trivela e ainda não voltou. Foi uma boa tentativa de faena mas quando se tratar do governador do Banco de Portugal o senhor deputado não deixará de ser ouvido”.

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Logo no início, quando o PAN abriu o debate, André Silva tinha perguntado o mesmo. Mas aí a lide de Costa foi ainda mais criativa. Não só não respondeu a duas perguntas de uma vez como ainda chutou para outros elogios ao seu ministro das Finanças. O deputado do PAN queria saber se Centeno continuará no Governo depois do Orçamento Suplementar apresentado e também queria saber se há incompatibilidades se o mesmo Centeno assumir o cargo de governador do Banco de Portugal.

Costa começa por “discordar” que “não há unanimidade em dizer que Mário Centeno é um bom ministro, porque há uns que dizem que é muito bom ministro e outros dizem que é ótimo”. E ele? Por hoje não diz mais do que isto do ministro que o ouve atento na ponta de lá da bancada. E quanto ao governador do Banco de Portugal disse ao PAN que na “altura própria” ouvirá os partidos. Não responde à pergunta direta sobre se há problemas éticos sobre a nomeação de Centeno para o Banco de Portugal em julho e nem se o ministro vai continuar nas Finanças — o que tanto tempo depois já vai dando uma resposta em si. Olé?

Novo Banco, o maior crime de colarinho branco em Portugal? Costa admite reaver dinheiro se auditoria provar má gestão

Foi o tema a que ninguém ficou indiferente. Com António Costa e Mário Centeno na sala, praticamente todos os partidos procuraram obter explicações sobre o Novo Banco. Começou André Silva, do PAN, a dizer que os aumentos salariais dos gestores do banco não fazem mais do que “gozar com os contribuintes”, e prosseguiu Rui Rio a dizer que o Novo Banco era “o maior crime de colarinho branco em Portugal”. Foi na resposta a Rui Rio que António Costa recapitulou toda a história da venda do Novo Banco e da forma como as contas são auditadas, debaixo do olhar atento de Mário Centeno, Mas foi na resposta a Catarina Martins que Costa admitiu que o Estado, através do fundo de resolução, poderia reclamar um reembolso do dinheiro injetado no Novo Banco caso a auditoria viesse a provar má gestão.

Rui Rio fez as contas e concluiu: “Neste momento a fatura de impostos apresentada aos portugueses para o Novo Banco está nos 7 mil milhões de euros, sem que a justiça tenha punido quem quer que seja naquele que é o maior crime de colarinho branco em Portugal”. Entre empréstimos do Estado para tapar buracos de “calotes” (leia-se, imparidades) descobertos todos os anos a “créditos vendidos ao desbarato”, Rui Rio usou todas as suas fichas para questionar o primeiro-ministro sobre o porquê de o Estado continuar a pôr dinheiro naquele banco sem antes ter a certeza de que o dinheiro não está a ser mal aplicado.

António Costa recapitulou toda a história do Novo Banco, deu conta das três entidades que são responsáveis pelas auditorias à contas (incluindo uma comissão de acompanhamento do fundo de resolução com personalidades independentes) e concluiu que apenas 32% do dinheiro injetado no Novo Banco é empréstimo do Estado, admitindo desde logo que se trata de um empréstimo a “longuíssimo prazo” que, em todo o caso, se traduz em juros elevados em favor do Estado.

A líder do BE, contudo, voltaria à carga para lembrar que o Orçamento do Estado contemplava uma transferência de 600 milhões, e não de 850 milhões como o que foi de facto transferido há cerca de 15 dias. E foi aí que António Costa deu uma garantia: “Quem tem feito as injeções de capital no Novo Banco é o Fundo de Resolução, e se a auditoria concluir que houve má gestão, o Fundo tem toda a legitimidade para agir no sentido da recuperação do dinheiro que desembolsou e não teria de desembolsar”. “Sendo o fundo financiado pelos outros bancos, acredito que esses não estejam disponíveis para financiar a má gestão do Novo Banco”, disse. Ou seja, Costa não tem dúvidas de que o Estado exigirá o dinheiro de volta se a mºa gestão for provada. Quanto às auditorias, que Rio até pediu que chegassem à AR, Costa diz que não compete ao governo passá-las, até porque não as tem. “O Novo Banco não é público, não é o Estado que gere o Novo Banco”, sublinhou.

Linhas de crédito não estão a chegar às empresas? Então, o problema é dos bancos

Os apoios às pequenas e micro empresas, muito afetadas neste período de paralisação devido à pandemia, foi outro tema levantado por várias bancadas, do PCP ao CDS, passando pelo PEV. É que todos os partidos têm recebido queixas e relatos de empresas que pediram acesso às linhas de crédito da sociedade de garantia mútua do Estado e que não viram ainda nada. Mas aí, Costa lavou as suas mãos e empurrou as culpas para a banca — se não há dinheiro não é porque o Estado não disponibilizou. “Os bancos estão à espera não sei do quê”, atirou.

Primeiro, Costa garantiu desde logo que a “grande maioria” das empresas que acederam ao layoff são pequenas e micro, sendo que só 0,3% da totalidade das empresas apoiadas são grandes empresas. Depois, em relação às linhas de crédito, garantiu que o problema não está no montante global da linha de crédito, que tem neste momento 6,9 mil milhões, nem tão pouco o dinheiro está retido na sociedade de garantia mútua do Estado que, segundo o primeiro-ministro, já aprovou garantias acima dos 5 mil milhões de euros. o que está contratado pelos bancos não chega aos 2 mil milhões de euros, portanto o problema não está no Estado, está na relação entre o banco e os seus clientes”, disse.