A cientista Alexandra Aragão, da Universidade de Coimbra (UC), defende que é possível conciliar as vantagens das aplicações móveis digitais em situação de vigilância epidemiológica com os riscos para a segurança e a privacidade dos utilizadores.
De acordo com um estudo desenvolvido por Alexandra Aragão, apesar dos riscos inerentes à sua utilização, com as aplicações móveis (apps), “se forem devidamente observadas as regras éticas”, já recomendadas pela União Europeia (UE), “toda a sociedade ganha com a interrupção das cadeias de transmissão e a limitação da propagação do vírus”, afirma a UC, numa nota enviada esta segunda-feira à agência Lusa.
No estudo — “Questões ético-jurídicas relativas ao uso de ‘apps’ geradoras de dados de mobilidade para vigilância epidemiológica da Covid-19. Uma perspetiva Europeia” –, Alexandra Aragão contextualiza a recomendação 2020/518 da Comissão Europeia, relativa à utilização de tecnologias e dados para combater a Covid-19 através de aplicações móveis e da utilização de dados de mobilidade anonimizados e apresenta os requisitos desejáveis dessas “apps” na UE.
Face à crise pandémica, a especialista do Instituto Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC) considera que as aplicações móveis que produzem dados de mobilidade anonimizados e agregados para auxiliar as autoridades públicas competentes nos seus esforços de contenção da propagação do vírus “são muito vantajosas”.
Esta tecnologia é muito vantajosa, pois ajuda a “compreender a forma como o vírus se propagará”, a “avaliar a eficácia das medidas de distanciamento social”, a modelizar a dinâmica espacial das epidemias (limitações de deslocamentos, encerramentos de atividades não essenciais, confinamento total, etc.)” e a “modelizar também os efeitos económicos da crise”.
Para os cidadãos, as vantagens da utilização de “apps” multifuncionais “são igualmente significativas”, sustenta ainda a especialista, citada pela UC.
As funções de autodiagnóstico e de controlo de sintomas podem ser especialmente importantes para a estabilização emocional dos utilizadores infetados ou com receio de o estarem”, exemplifica a investigadora, salientando que “as funções de alerta e de rastreio através de dados de proximidade (‘bluetooth’) podem desempenhar um papel fundamental na identificação de contactos sociais”.
Portanto, acrescenta, “o ‘se’ da aceitação das novas tecnologias de comunicação para alcançar os mais importantes desígnios sociais, como a proteção da saúde, não parece estar em discussão”.
O que está em causa são “as condições de segurança na produção, acesso e utilização da informação produzida, processada, armazenada e transmitida”, destaca a investigadora. Por isso, no que concerne aos riscos resultantes da produção de dados pessoais e de localização por aplicações móveis ligadas a redes de vigilância epidemiológica, a docente da FDUC sublinha que “o risco mais grave é a cibercriminalidade entendida em sentido amplo”.
No entanto, os riscos decorrentes do uso de aplicações móveis ligadas a redes de vigilância epidemiológica “são uma realidade comum a outras aplicações, plataformas ou serviços digitais que contenham ou possam aceder a informações pessoais, como o Tinder, o Find my friends ou o Snapchat, todas elas já existentes, instaladas no mercado e com milhões de utilizadores”.
A investigadora nota que estão em causa vários direitos fundamentais, tais como liberdade de reunião (se a “app” for usada para detetar antecipadamente agrupamentos de pessoas), liberdade de deslocação (para sinalizar trajetos ou destinos desaconselháveis), intimidade da vida privada (se a “app” for usada para identificar comportamentos indesejáveis, nomeadamente de proximidade social) e dignidade humana (se o confinamento puser em causa o acesso à alimentação ou outros direitos fundamentais).
Por tudo isto, percebe-se a “preocupação da UE com a segurança dos sistemas e a confiança dos utilizadores”, refere Alexandra Aragão, realçando que os princípios que a Comissão Europeia apresentou no mês de abril relativos às aplicações móveis de alerta e prevenção da covid-19 “pretendem assegurar que as tecnologias de geolocalização e de comunicação digital garantem um ambiente confiável no qual os cidadãos têm poder de decisão sobre os dados que fornecem ‘online’ e ‘offline'”.
Considerando todas as regras estabelecidas na Recomendação da UE 2020/518, a especialista conclui que “todas as condições estão reunidas para avançar, com segurança e confiança, para o futuro, o nosso futuro digital comum”.